A Polêmica do Guggenheim
Transcrição do artigo publicado em 26 de outubro de 2004 na sessão Olho no Olho do Olhar Virtual, da UFRJ.
RAFAEL VARGAS e LUANA MONÇORES
A polêmica do Guggenheim está de volta. A prefeitura do Rio de Janeiro volta a fazer contato com a instituição que possui uma rede de museus com o mesmo nome. O prefeito César Maia pretende entrar com um novo recurso na Justiça para conseguir a concessão para a construção da obra assinada pelo arquiteto francês Jean Nouvel. Mas quais são as questões que remetem ao projeto? Entenda o porquê da polêmica e tome a sua posição na discussão. O Olhar Virtual entrevistou o professor Luiz Fernando Dias Duarte, ex-diretor do Museu Nacional e a professora Maria Clara Amado Martins da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) para falar sobre o assunto.
Prof.ª Maria Clara Amado Martins
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
Quando o prefeito César Maia veio com esta idéia, ele já trouxe o museu pronto, com o arquiteto escolhido. E financeiramente falando, qualquer construção pública tem que trabalhar com licitação. Na época, a FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo) se mobilizou convidando algumas pessoas para fazer palestras aqui. Outras pessoas não estavam gostando da idéia. A questão da FAU não era pelo aspecto administrativo, e sim saber que o projeto estaria desempregando vários alunos que se formaram, na medida em que foi realizado um concurso. Essa foi uma das desmotivações, antes mesmo de nós analisarmos o projeto. Ter trazido pronto o "pacote", sem discutir a viabilidade, sem fazer uma concorrência pública, onde entrariam ex-alunos.
A questão não era ser internacional, nós também não estamos fechados para o mundo. A questão era: por que só o Jean Nouvel? Ele quem fez o projeto, e foi pago por isso. Entramos com um mandato de segurança, conseguimos quase 20 mil assinaturas, fizemos movimentos na Cinelândia, mesas-redondas, outras faculdades aderiram, professores daqui aderiram. E assim fizemos pressão, e ganhamos o recurso na Justiça em terceira instância.
Outro ponto era a viabilidade. Aquele lugar pode ser transformado em museu? Ele pode ser revitalizado de outra forma, como já vem sendo feito naturalmente com o Armazém 5, que é um pólo de eventos. Você pode transformar o cais de outras maneiras, como outras cidades no mundo fizeram.
Outra questão para o arquiteto é em relação ao nosso patrimônio cultural. Quantos museus nós temos e que não são devidamente cuidados? Isso também fez com que a EBA (Escola de Belas Artes) se unisse à FAU. Nós temos museus aqui como o MAM (Museu de Arte Moderna), o Museu Histórico Nacional, o Museu Nacional de Belas-Artes, sem contar os outros. Eles não têm verbas, os acervos ficam abandonados, não possuem recursos, não recebem investimento para ter um público maior. Então, você vai fazer o novo, enquanto você pode revitalizar os antigos? E não é preconceito com o novo, até porque temos o MAM que é moderníssimo e tem uma arquitetura maravilhosa. Qualquer lugar do mundo tem museus modernos e antigos também. Essa é uma segunda questão pertinente, antes mesmo de se fazer o concurso.
Depois vem a questão da viabilidade. O prefeito nunca respondeu estas perguntas, inclusive ele faltou algumas audiências. É preciso recuperar a área primeiro. A situação da Baía de Guanabara até desmerece um museu ali. Primeiro teria que revitalizar, de maneira correta, o espaço para depois colocar alguma coisa ali. Todo final de curso na FAU, os alunos fazem excelentes trabalhos para aquela região. Definitivamente, eu acho que não é de um museu que nós precisamos, temos primeiro que cuidar do que já temos.
O terreno também é da União, e foi concedido à prefeitura. O Governo Federal se manifestou a favor, mas a Justiça deu ganho de causa à não construção. O primeiro ponto seria despoluir a baía, você tem que pensar no macro. E depois atribuir serviços à área para atrair público. O Rio é um ponto turístico em que as pessoas não vêm por nenhum museu, como acontece na Europa. O turista que vem aqui já conhece a Europa inteira, e não vem para conhecer o Guggenheim. Seria melhor agregar serviços que motivassem este turismo, e motivar a própria cidade também.
Outra questão é a manutenção, que seria da Prefeitura do Rio de Janeiro, gerando uma dívida enorme. Se a gente não mantém o que tem, como vamos manter o dos outros? Eles só entrariam com o acervo, mas podemos trazer boas exposições com os nossos espaços. Já veio muita coisa ao Brasil, sem a necessidade deste tipo de estrutura.
A forma do museu também recebeu muitas críticas. Foi muito questionada pela sua falta de diálogo com o público, pela sua proposta. Jean Nouvel passou três dias de chuva no Rio, visitou o cais, e fez o projeto. É muito pouco tempo para um arquiteto perceber a cidade. Criou-se um projeto caríssimo, com uma estrutura submersa, que tinha floresta dentro, num país que tem muita floresta fora. Então, parecia mais um museu de turista do que para as pessoas da cidade.
Prof.º Luiz Fernando Dias Duarte
Ex-diretor do Museu Nacional
As metrópoles modernas competem pelos preciosos recursos econômicos circulantes no mundo globalizado através de grandes projetos de interesse cultural. Isso lhes garante também um reforço das estruturas educacionais locais e produz efeitos benéficos gerais sobre a vida urbana.
As cidades que já dispõem de uma estrutura cultural razoável começam esses empreendimentos pela otimização das instituições já existentes — o que garante uma mais rápida execução do projeto e uma integração maior na renovação com a própria identidade e tradição locais. Garantido esse patamar mínimo de qualidade e eficiência, partem então para novos empreendimentos. É apenas nos casos — mais raros — de não haver uma estrutura local suficientemente interessante que se parte diretamente para grandes projetos de caráter inteiramente exógeno, como é o caso recente e sempre citado de Bilbao.
O Rio de Janeiro dispõe de uma fascinante série de instituições fortemente enraizadas na tradição cultural brasileira e íntimas parceiras da identidade carioca. Todas sofrem de graves embaraços institucionais, sejam elas federais, estaduais ou municipais. Na maior parte dos casos, trata-se, sobretudo, da falta de investimentos estruturais, volumosos na escala nacional, que não têm podido ser atendidos desde que se acentuou a crise financeira do Estado brasileiro. Há belos prédios históricos, magníficas coleções, pessoal técnico competente — não há recursos para a renovação dos prédios, para a conservação das peças ou para a consecução de projetos museográficos modernos, atraentes, eficientes.
Desde que se teve notícia do projeto de compra de um Museu Guggenheim para o Rio de Janeiro, levantou-se a inquietação geral com uma estratégia tão insensata de desenvolvimento cultural e urbano. A preocupação transformou-se em raiva ao tomar-se conhecimento das condições do empreendimento, de sua inadequação técnica e de seu vergonhoso colonialismo econômico e cultural. Felizmente, algumas vozes tecnicamente qualificadas se fizeram ouvir e alguns parlamentares agiram com presteza na defesa do erário e da sensatez pública.
Barrar essa vergonha não é, porém, suficiente. Seria também necessário saber porque a prefeitura de nossa cidade não participa do desafiador empreendimento de sustentação das grandes instituições culturais da cidade que administra quando se jacta de ter recursos tão volumosos que seriam capazes de sustentar a faraônica feitoria norte-americana que se quer fazer ancorar no velho porto.
Nosso Museu Nacional aí está, pateticamente arruinado, lutando há anos pelos recursos necessários para recompor a estrutura do Palácio de São Cristóvão, para garantir a qualidade de suas imensas coleções antropológicas e naturalísticas e para voltar a oferecer ao público as exposições brilhantes e estimulantes que chegou a ter em tempos idos. Há todos os projetos necessários para tanto, há gente competente para efetivá-los; há uma reiterada inconsciência e resistência dos governantes em contribuir para que o sonho se torne realidade.
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