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Editorial

Editorial do Periódico Permanente nº8 documenta

 

A escolha do coletivo indonésio Ruangrupa para a direção artística da próxima documenta marca o fim de uma era da curadoria, aceitando tardiamente a recomendação feita pelo curador Jens Hoffmann, em 2004, de que ‘A próxima documenta deveria ser curada por um artista’. Entretanto, ao invés do retorno do artista ao papel central da exposição, temos uma contestação sobre o seu protagonismo individual, bem aquele do curador de arte contemporânea.

 

Por conseguinte, também é colocado em questão o ‘mito’ documenta, a saber, na sua tarefa de promover uma historicização da arte contemporânea. No artigo ‘Por exemplo, documenta, ou, como a história da arte é produzida?’, traduzido para esta edição, o historiador da arte Walter Grasskamp afirma que:

 

A documenta é um modelo para a produção da história da arte, por que ela é o empreendimento mais proeminente de uma exposição do pós-guerra que sobreviveu continuamente às suas própria dificuldades. A intenção inicial de contrabalancear os a demanda reprimida pela arte moderna levou, depois de alguns anos, à organização de uma exposição de estatura internacional, que forma substancialmente a consciência geral do que é considerado arte contemporânea.

 

Criada na Alemanha Ocidental, em 1955, como uma exposição retrospectiva da arte moderna banida pelo Nacional Socialismo, a exposição foi repetida três vezes com intervalos de quatro anos e passou a promover, a partir da segunda edição (1959), a abstração enquanto ‘linguagem universal’ de acordo com os preceitos de seus idealizadores Arnold Bode e Werner Haftmann.

 

Em 1972, o curador suíço Harald Szeemann assumiu a direção artística do evento colocando a exposição em sintonia com as novas vanguardas artísticas e modificando a relação do evento com relação à sua tradição moderna. Desde então, realiza-se a cada cinco anos na cidade de Kassel, sob a direção artística de um curador escolhido por um grupo de notáveis a cada edição, a principal exposição de arte contemporânea do mundo.

 

A aproximação da exposição com o Brasil, voltado historicamente aos pavilhões da Bienal de Veneza e suas premiações, se dá sobretudo pelo interesse por artistas brasileiros dos curadores das documentas IX9 (1992) e X (1997), Jan Hoet e Catherine David respectivamente. Trata-se de um momento de configuração de sistema artístico globalizado após a reunificação da Alemanha com a queda do Muro de Berlim, bem como da promoção da figura do curador convertido em ‘celebridade’ do mundo das artes. Além de reafirmar o seu papel mítico na (re)escrita da história da arte global, a documenta entra no século XX aspirando a um lugar central no debate sobre questões contemporâneas que vão muito além da discussão estética.

 

A pequena cidade de Kassel adquire então uma dimensão global, ao mesmo tempo em que o advento da rede mundial de computadores possibilita uma troca muito mais dinâmica de informações, permitindo transmissões em tempo real de eventos, publicações compartilhadas entre agentes culturais de diversos países e a criação de plataformas digitais. Foi justamente uma dessas plataformas, o Fórum Permanente, que promoveu e documentou no Brasil grande parte do debate crítico suscitado pela documenta.

 

Ao redor desse arquivo foi organizada esta edição do Periódico Permanente, que conta com um artigo publicado originalmente na plataforma documenta studies da curadora e arte educadora Nora Sternfeld que, entre 2018 e 2020, assumiu um professorado sobre a documenta na Escola de Arte e Design de Kassel. O texto revisita de uma perspectiva futurista e distópica a documenta 14 realizada em 2017, preenchendo uma lacuna no acervo do Fórum Permanente com relação à última documenta. Aos relatos críticos publicados sobre as revistas e a experiência educativa na documenta 12, bem como sobre mesas redondas com a participação do diretor-artístico Roger Buergel e outros convidados, foi somada uma entrevista inédita com a curadora Ruth Noack. Para o periódico foram comissionados ainda dois textos inéditos aos professores e pesquisadores Gabriel Zacarias e Tiago Machado, debatendo questões acerca das quatro últimas edições da documenta e da lendária documenta 5 respectivamente. As contribuições articulam ainda excertos de textos traduzidos e imagens que diversificam o repertório editorial da publicação. Fechando a editoria, temos um texto de Lisette Lagnado para o debate 'Em conversação com Carolyn Christov-Bakargiev’, realizado em 2010, e um artigo de autoria do próprio editor, redigido após o encerramento da documenta 13 e publicado originalmente na Revista de Antropologia e Arte da Universidade de Campinas.

Este editorial presta homenagem à Grasskamp, cuja palestra sobre história de sucesso na globalização cultural foi objeto de meu primeiro relato crítico publicado no Fórum Permanente há 15 anos. A publicação do volume 49 da revista Kunstforum International intitulada Mythos documenta apresentou um conjunto de imagens dentre as quais registros da documenta II feitos pelo artista alemão Hans Haacke, na ocasião um estudante de arte na Escola de Arte e Design de Kassel. Organizada pelo historiador da arte, em 1982, ela significou não somente uma revisão crítica das primeiras seis edições da documenta, mas também uma oportunidade de se pensar como as exposições ajudaram a construir uma narrativa historiográfica sobre a arte contemporânea. Da mesma forma, eu espero que as contribuições aqui reunidas promovam no contexto brasileiro reflexões sobre papel da documenta na história das exposições.

 

Agradeço aqui aos novas colaboradoresções recebidas para desta edição, assim como  aos autores que permitiram a republicação de seus textos, e ao documenta archiv (empréstimo permanente da cidade de Kassel) e ao Zentralarchiv, Staatliche Museen zu Berlin, pela pela gentil autorização de uso de imagens.

 

Vinicius Spricigo


Periódico Permanente é a revista digital trimestral do Fórum Permanente. Seus seis primeiros números serão realizados com recursos do Prêmio Procultura de Estímulo às Artes Visuais 2010, gerido pela Funarte.

 

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