Uma genealogia da arte conceitual latino-americana
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Luís Camnitzer (1997)
Traduzido do espanhol: Glaucos Fedozzi
Fonte: Artigo. Sul Sur. Revista do Instituto Estadual do Livro, No. 6. Porto Alegre, Brasil, Novembro, 1997.
Certos valores e metodologias da história da arte mainstream não são aplicáveis em relação a alguns eventos das culturas periféricas. Esta inadequação está, em última instância, determinada pela relação que a arte tem com a vida e a consciência histórica que surge desta relação.
Nas duas primeiras páginas de sua introdução a Postmodernism or The Cultural Logic of late capitalism [Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio, no Brasil], Fredric Jameson declara:
O pós-moderno busca rupturas, eventos em vez de novos mundos, procura o instante revelador após o qual não é mais o mesmo, […] busca deslocamentos e mudanças irrevogáveis na representação das coisas e no modo que elas mudam. Os modernos estavam interessados naquilo que pudesse surgir de tais mudanças e sua tendência geral: refletiam sobre a coisa mesma, substancialmente, de forma utópica ou essencial. […] Pós-modernismo é o que você tem quando o processo de modernização está completo e a natureza desaparece para sempre. […] Pós-modernismo é o consumo da pura mercantilização enquanto processo.[1]
Com estas afirmações, Jameson delineia algumas razões básicas que explicam tal inadequação. Jameson defende que nas sociedades pós-modernas a cultura tem se transformado em uma “segunda natureza”, tomando o lugar da “natureza”. É possível concluir que a Utopia, uma esperança ao final do túnel histórico, tenha perdido todo significado, junto com o próprio túnel. Com ela, desaparece também a meta utópica de fundir arte e vida em uma experiência ativa unificada que expresse o bem-estar social. Em seu lugar, a dicotomia arte/vida passa a ser resolvida por meio dos bens de consumo e já não é necessária uma preocupação de como arte e vida se relacionarão, já que ambas são consumidas em uma mesma ação passiva.
Esta resolução, não obstante, não tem encontrado lugar nas culturas periféricas. Enquanto os valores dos bens de consumo encontrados nestas culturas têm sido emprestados de outras culturas (às vezes um empréstimo imposto), o processo de modernização não foi concluído e a noção de Utopia ainda funciona. Assim, há uma diferença tanto no desenvolvimento histórico como na internacionalização de valores que torna questionável o uso de uma única história da arte internacional e unificada. Esta história da arte, usada pelo mainstream* e hegemônica em seu enfoque, é incapaz de confrontar a motivação ou o sentido histórico que geraram grande parte dos eventos periféricos.
A arte, do instante em que consiste na produção de objetos e ideias consumíveis, serve tanto para criar cultura como para criar um mercado. Em áreas economicamente insolventes, seu efeito imediato (quão débil seja) ressoa na comunidade que rodeia o artista e tem, portanto, uma importância regional. Só a arte-como-mercadoria pode ser totalmente compreendida em seu contexto internacional. Assim, a história convencional da arte deposita sobre as culturas periféricas categorias e especulações que não necessariamente correspondem a estas realidades. Nas tradições norte-americana e europeia, o objeto de arte é o portador do valor artístico. Na tradição latino-americana e outras tradições periféricas, o objeto de arte desencadeia situações.
Todas estas observações são particularmente relevantes para a compreensão do conceitualismo latino-americano por este ter sido um movimento artístico com aspirações radicalmente diferentes de outros movimentos. O conceitualismo latino-americano acreditava na utopia, atacava o processo de mercantilização e, sobretudo, tratava de eliminar a barreira na proposição arte/vida. Tanto no pós-modernismo hegemônico como em grande parte do conceitualismo latino-americano houve uma grande erosão da divisão entre alta e baixa cultura. No entanto, no primeiro caso a erosão foi uma forma de absorver as qualidades de consumo de mercadorias de massa. No segundo caso a erosão é parte de um projeto modernista que tende a evitar utopicamente o bem de consumo.
O próprio termo “conceitualismo” é um exemplo de uma referência mainstream que em si mesma distorce a avaliação do processo latino-americano; é discutível se seu uso é apropriado para o caso latino-americano.[2] O termo leva a destacar aquelas obras de arte que têm uma relação próxima com as obras conceituais produzidas nos centros culturais e a deixar de lado aquelas que se desviam desse modelo introduzindo elementos de interesse ou relevância local. O termo também oculta o fato de que os mesmos eventos e obras de arte podem desempenhar diferentes papéis e ter diferentes projeções em histórias diferentes.
Não obstante, isto não significa que os processos que levem a uma arte para além do conceito mainstream devam ser vistos como próprios da América Latina ou totalmente desligados dos centros culturais. O conceito de vanguarda e a categorização da arte nestes termos são importações europeias e a maior parte da arte pós-colombiana não pode ser discutida sem uma consciência das influências do mainstream. O que surge como mais idiossincrático na América Latina é a visão a partir da periferia daquelas conquistas mainstream, como elas são apropriadas e adequadas às condições socioeconômicas e culturais que caracterizam a América Latina como periferia, tornando-as próprias deste lugar. Uma visão a partir do centro tende a relegar as expressões periféricas como derivações. Uma visão pela periferia considera estas mesmas expressões, corretamente, como apropriações funcionais e transformações que estão combinadas e sincretizadas a criações locais. O termo “conceitualismo” tem sido utilizado do mesmo modo como outros ismos, em alguns casos trazendo novos pensamentos e formas artísticas, em outros validando pensamentos e formas já existentes.
Ainda que de um ponto de vista formal grande parte da arte conceitual latino-americana mais remota tenha cumprido os requisitos mainstream, a maioria das exposições retrospectivas sobre a história internacional da arte conceitual tem ignorado ou minimizado o papel dos artistas latino-americanos. A exposição “Information” do Museum of Modern Art de Nova York, 1970, foi uma notável exceção, por sua ambição em dar uma visão ampla daquilo que os organizadores percebiam como um movimento realmente internacional. Na maior parte do restante das exposições, quando se inclui artistas latino-americanos, o que frequentemente se enfatiza é o trabalho mais recente destes artistas, distorcendo assim a sequência dos fatos. Só para tomar como exemplo, a obra conceitual mais antiga exibida na exposição “Latin American Art of the 20th Century”, MoMA, 1992-1993, uma megaexposição “em celebração” aos 500 anos da viagem de Colombo, data de 1969.[3] É uma peça de Antonio Días, cujas obras restantes na exposição são peças não conceituais do final da década de 1980. Uma obra de 1958 de Hélio Oiticica, a única exposta deste autor, é uma pintura de seu período construtivista ainda que sua obra de maior importância esteja em seu período conceitualista. Dando uma nova cara a uma ideia conhecida, a mensagem é que a arte conceitual latino-americana só ocorreu como consequência das versões mainstream, sendo mais uma vez um produto derivado da arte originada nos centros culturais.
Não se deve culpar apenas as instituições dos centros culturais por esta distorção da história. Algumas organizações latino-americanas, por exemplo e particularmente o CAYC (Centro de Arte y Comunicación) da Argentina, têm tomado como missão apagar as diferenças entre os conceitualismos periférico e central, reverenciar os padrões mainstream e assim, por seu poder econômico, efetivamente colonizar a arte latino-americana. Em uma etapa inicial, depois de pôr ênfase no conceitualismo formal, o CAYC ignorou a importância do conceitualismo de conteúdo político (como “Tucumán Arde” de 1968, que discutiremos adiante) e tratou de dar uma falsa sensação de “credibilidade” aos artistas locais por meio de uma vinculação com o cenário internacional, apagando diferenças.[4]
Ironicamente, foi a crítica norte-americana Lucy Lippard quem chamou a atenção sobre o tipo de conceitualismo político argentino representado pelo grupo de Rosario (que concebeu “Tucumán Arde”) em seu prefácio à exposição “2.972.453” na galeria do CAYC em 1970. Enquanto isso, em uma segunda introdução à mesma exposição, o diretor do CAYC, Jorge Glusberg, declarava que o conceitualismo “não centra seu interesse no conteúdo de uma obra de arte, senão na natureza da própria afirmação”.** Ambos autores enfatizam a qualidade de desmaterializada da nova obra de arte; para Lippard, a desmaterialização é efetiva como um meio de exploração paralelo a outras formas de arte. Para Glusberg, “no caso da arte conceitual, a mercadoria é a informação pura”. Nos anos seguintes, o CAYC se ocupou de arte e tecnologia, finalmente mudando o centro de seu interesse para o “transvanguardismo” internacional iniciado pelo crítico italiano Achille Benito Oliva, que incluía o neoexpressionismo pós-modernista estadunidense. Entre outras coisas, este caminho contribuiu para assegurar a sobrevivência do CAYC durante os anos de repressão política extrema na Argentina.
Os estereótipos da América Latina favorecem uma descrição de uma arte carregada de emoções (quando não sentimentalismo) e cheio de qualidades obscurantistas.[5] Enquanto estes estereótipos podem não ser totalmente injustificados, deveria reconhecer-se que uma arte desmaterializada e politizada tem sido pelo menos igualmente importante para o desenvolvimento da cultura latino-americana. Esta arte tem sido ignorada pelo mainstream não apenas porque não se ajusta às normas do exotismo assinaladas às importações latino-americanas, senão também porque a política adotada pelo conceitualismo latino-americano tem desafiado invariavelmente a supremacia cultural do “centro”. Mais ainda, o conceitualismo latino-americano parecia historicamente deslocado em comparação aos seus correlatos mainstream. Geralmente o conceitualismo mainstream é visto pelos historiadores mainstream da arte como pertencente à arte pós-modernista. Jameson menciona a perda de historicidade e a celebração do marco institucional (em oposição ao marco artístico) como noções-guia para esta classificação,[6] configurando uma estrutura na qual o conceitualismo latino-americano não se encaixa com facilidade. Com isto em mente, e dada a tendência recente de situar o conceitualismo mainstream em um contexto histórico, parece imperativo rever a classificação da arte conceitual latino-americana em seus próprios termos.
Para filtrar através desta trama complexa e ao mesmo tempo manter a visão da periferia, tenho escolhido o formato de uma genealogia (por falta de uma palavra melhor) mais do que de uma história. É uma forma de enfoque diacrônica e não tem nada a ver com evocações de genes e folclore, ou de legados e tradições sequenciais. Prefiro a ideia de genealogia à de história para evitar a sensação de uma causalidade linear que expressaria uma cadeia direta de influências, e para propor um conjunto de fatos que, se bem frequentemente não estão relacionados, mostram, no entanto, propósitos e interesses comuns, surgindo como fungos aparentemente independentes, mas que se alimentam do mesmo substrato.
Dada a direção do fluxo de informação, o formato da história força uma conexão com eventos que ocorrem nos centros culturais. Qualquer precedente na periferia torna-se avant la lettre, isto é, ainda exige a referência ao centro cultural para sua definição. Sem esta definição os eventos locais não existiriam para além da órbita do folclore local. Uma genealogia evita esta leitura forçada e permite uma percepção de uma comunidade que gera sua própria linguagem.
A ideia básica de trabalhar nesta genealogia da arte conceitual latino-americana não surgiu de uma reflexão específica sobre a história da arte conceitual, mas sobre duas coisas aparentemente não relacionadas. Uma delas é o conjunto das operações levadas a cabo pelo movimento uruguaio de guerrilha urbana “Tupamaros” durante a segunda metade da década de 1960 e primeiros anos da década seguinte. A outra é a obra escrita pelo autor venezuelano do século XIX Simón Rodríguez. Tenho sentido durante muito tempo que ambas estão mais intimamente conectadas com o que se conhece como conceitualismo latino-americano do que este com a corrente de arte conceitual europeia e norte-americana. Tanto os Tupamaros quanto Rodríguez levam ao que eu considero um problema definidor da arte conceitual latino-americana: a incorporação de arte e política em uma expressão integrada.
Minha percepção das operações dos Tupamaros como eventos artísticos não é nada nova. Discuti sobre ela pela primeira vez em uma assembleia de estudantes e docentes da Escola de Belas Artes de Montevidéu – meus antigos pares – em 1969, sugerindo que a presença desta particular forma de guerra de guerrilhas era suficientemente importante para exigir profundas mudanças curriculares.[7] No ano seguinte, um estudo apresentado para a reunião anual da Associação de Estudos Latino-americanos em Washington D.C., me referi às operações de guerrilha dos Tupamaros como a única contribuição estética válida da América Latina para a história da arte.[8] Em 1981, em Havana, na Primeira Assembleia de Intelectuais, prossegui com a elaboração desta ideia declarando que os Tupamaros criaram a “única obra de arte que conseguiu mudar profundamente a consciência política do povo e, provavelmente, a única obra política que estabeleceu parâmetros para a percepção estética”. Concluí minha apresentação dizendo: “a história da arte nunca registrará estes acontecimentos. No entanto, em um Uruguai livre, em um futuro, o ensino de arte não deveria ser possível sem esta informação”.[9] Em cada um dos três casos, tive minhas razões para levar minha opinião a uma simples esquematização. Mas ainda hoje, armado de uma perspectiva histórica mais sutil, creio na essência desses pontos.
O que os Tupamaros haviam feito para além de sua agenda política, e sem a menor ambição do ponto de vista da história da arte, era levar ao extremo o processo de desmantelamento das fronteiras que seguiam segregando a arte da vida. De imediato, sua existência jogou luz sobre a artificialidade das ditas fronteiras e iluminou a relação dos artistas com a arte e a política. Esta não era uma meta particular do movimento de guerrilha, pelo menos não mais do que em qualquer outro movimento que concebia uma revolução social. Mas foi uma natural formalização levada ao extremo de submovimentos que haviam sido comuns na arte latino-americana durante séculos. Não é casual que suas ações se desenvolveram de forma paralela à dos artistas conceituais latino-americanos que conscientemente estavam tratando de romper os limites que aprisionavam a arte tradicional. Uma vez rompidas estas fronteiras, a interpenetração era inevitável, especialmente tendo em conta que a arte latino-americana sempre havia estado decididamente orientada para o conteúdo, e o conteúdo era facilmente politizável.
A outra referência na qual quero me focar é Simón Rodríguez. Meu primeiro encontro com os escritos de Simón Rodríguez ocorreu durante o início da década de 1980, quando comecei a encontrar citações de suas afirmações aforísticas, que pareciam totalmente adequadas hoje apesar de sua idade. Já em 1828, ele havia aconselhado – e ainda não seguimos completamente seu conselho: “Continuamos contando exaustivamente os mesmos fatos, fazendo por imitação o que os outros haviam feito por ignorância, para provar que temos estudado bem a história”.[10] E falando daqueles seus compatriotas que copiavam fielmente as diretivas europeias, “que imitem a originalidade, já que tratam de imitar tudo!”.[11]
Rodríguez (1771-1854) é reverenciado na Venezuela como tutor de Simón Bolívar. Logo depois abandonou a Venezuela, escapando da perseguição política, e nunca regressou. Sua posição como herói provém, antes de tudo, de seu vínculo com Bolívar, e seu próprio trabalho não é conhecido em seu país. No restante da América Latina é praticamente desconhecido. Rodríguez, segundo soube mais tarde, desenvolveu sua própria estrutura visual para seus escritos, antecipando os desenvolvimentos formais inventados por Mallarmé. O trabalho de Rodríguez não pode ser tomado como um elo causal no processo cultural que levou ao conceitualismo, mas seus métodos são certamente análogos aos dos conceitualistas latino-americanos que viriam depois com sua determinação analítica das formas para representação de ideias, e os pressagiam.
Tanto as ações dos Tupamaros quanto os escritos de Rodríguez me fizeram ver que o caminho para entender o conceitualismo latino-americano não eram os exemplos conceituais mainstream – seguindo suas aparências formais e suas conquistas –, mas uma melhor compreensão da política e da poesia. Estas atividades, como o conceitualismo, parecem estar menos compartimentadas na América Latina do que em outras regiões e parecem ter mais probabilidades de influenciar-se mutuamente e de manifestar-se em fatos paralelos ou simultâneos.
Perturbadas por um século de ismos, as perspectivas mainstream em respeito à arte conceitual têm estado sistematicamente caracterizadas por um enfoque excessivamente formalista. A identificação por meio da forma vigente durante todo o Modernismo e suas correntes estéticas têm sido útil aos artistas e ao mercado. Ajudou a definir parâmetros criativos distintos de outras tendências, tornando mais fácil empacotar os produtos. Com frequência, porém, esta caracterização formalista também tem dado lugar a uma unificação simplista de um conjunto de objetivos e conteúdos ideológicos diversos. Quando é sobreposta a uma atividade artística apenas remotamente conectada a este processo – como é o caso, dentre outros, da arte latino-americana classificada como “conceitual” – muitas questões relevantes para sua definição para a comunidade na qual se produziu esta arte são ignoradas. Algumas destas questões desaparecem por completo dos planos dos artistas porque não se encaixam na estrutura formalista imposta. Algumas permanecem, mas perdem sua clareza porque não podem ser percebidas através deste véu formalista.
As origens da arte conceitual latino-americana têm sido associadas tradicionalmente pela história mainstream a dois movimentos: a Arte Povera, na Europa, e o conceitualismo norte-americano. Portanto, o conceitualismo latino-americano era considerado um descendente destes movimentos. Não obstante os aspectos idiossincráticos da versão latino-americana, particularmente sua inter-relação com a realidade ética e política, torna frágil e incidental este parentesco. A importância da arte classificada como conceitualista na América Latina está baseada nas suas intenções de desinstitucionalização e de destruição de esquemas restritivos, particularmente daqueles que separam a arte da vida. Não obstante, não se deve esquecer que as formas que a arte tomou durante este processo são derivadas de um propósito e que muitos dos objetivos típicos do conceitualismo não foram gerados por especulações artísticas. O enfoque conceitual proporcionou aberturas para um melhor foco nas questões sociais e políticas.
As diferenças entre a versão mainstream do movimento e a produção paralela na América Latina tem sido detalhadas por Mari Carmen Ramírez,[12] quem prossegue a elaboração de uma percepção de 1974 do historiador espanhol Marchán Fiz de um “conceitualismo ideológico” na Argentina e Espanha.[13] Ramírez não apenas trata de especificar os elementos identificadores do conceitualismo latino-americano, como também encaixa o movimento em uma história da arte latino-americana.[14]
Ramírez adverte sobre a necessidade de uma nova história do conceitualismo na América Latina estabelecendo uma espécie de continuidade entre o muralismo mexicano (em sua opinião uma forma crucial de vanguardismo latino-americano) e o trabalho de Marcel Duchamp, particularmente na forma em que os artistas latino-americanos o entenderam mais tarde. Pode-se considerar que o muralismo mexicano revestiu a pintura de um significado social de forma análoga àquela em que artistas mais contemporâneos revestiram mais tarde os ready-mades. Diz Ramírez:
[...] neste sentido se poderia alegar que se as propostas de Duchamp encontraram terreno fértil na América Latina, foi precisamente porque a negativa de abandonar a especificidade e o potencial comunicativo do objeto estético estava veementemente assentada na tradição artística moderna iniciada pelo muralismo mexicano e retomada por este grupo de artistas conceituais políticos. A radical provocação e subversão da arte como instituição de Duchamp, implícita na criação do ready-made, aparece no trabalho destes artistas sob a forma de uma tática irônica destinada a deixar em evidência a precariedade da prática artística nas condições frequentemente inoperantes da periferia latino-americana. A utilização do ready-made como um “pacote para comunicar ideias” indica, em última instância, a preocupação subjacente mais pela “desvalorização” ou perda de valor natural ou simbólico do objeto implícita em todo processo (censurado) econômico ou ideológico de intercâmbio, que pelo processo de mercantilização em si. Portanto, os atos de “reinserção” ou “reposicionamento” levados a cabo por estes artistas visam reinvestir (ou reumanizar) as coisas com um significado social. O ready-made torna-se, então, um instrumento para a intervenção crítica do artista no real, um estratagema para alterar padrões de compreensão ou funcionamento, ou um plano para a recodificação da realidade. Também se transforma em um veículo para integrar a atividade estética “com todos os sistemas de referência usados na vida cotidiana”. [Sem nota ao pé no original]
A unificação em um complexo que Ramírez faz da América Latina está baseada na qualidade periférica de sua cultura, ignorando para esta análise os subgrupos nacionais. Finalmente, o problema é como a arte se relaciona com a vida cotidiana sob estas condições. Segundo a visão de Ramírez, Duchamp tratou de desafiar o modelo “arte-como-instituição” introduzindo os ready-mades e de relativizar com eles a autonomia da arte e, assim, abrir espaço para outras conexões. Os muralistas mexicanos, ainda que brevemente, rompem esta autonomia priorizando a comunicação política. A maioria destas tentativas de abolir a arte como a conhecemos tem sido utópica e de pouca duração. As tentativas mesmas têm sido invariavelmente neutralizadas ao serem classificadas como uma forma de arte; de fato, a inclusão dos Tupamaros nesta constelação pode inadvertidamente prejudicar uma causa maior. Os perigos da constante institucionalização da arte foram advertidos por alguns dos muralistas e, como no caso de Siqueiros, a resposta foi abandonar a arte por completo, pelo menos por um tempo, para dedicar-se exclusivamente à política.[15] É neste desafio institucional de fundir a criatividade com a vida, ou criar as condições para que um ávido por criatividade possa ter um lugar, que os Tupamaros aparecem como o grupo que leva o processo ao seu extremo, exemplificando uma alternativa radical às artes tradicionais e colaborando com o retardamento de sua incorporação.
Deste ponto de vista, pode-se dizer que o trabalho de Duchamp está mais próximo do conceitualismo latino-americano que do conceitualismo mainstream, já que o impacto que buscava não era a estetização da realidade nem fazia parte da tendência analítica das vanguardas deste século.[16] Então, nada mais lógico para Ramírez que diferenciar a arte conceitual comprometida com a transformação social daquilo que ela chama de “postura reducionista do modelo empírico-positivista então dominante, exemplificado pela ‘arte-como-ideia-como-ideia’ de Joseph Kosuth”.[17] A desmaterialização do objeto de arte também estava presente na América Latina, mas sua realização não era um fim em si mesmo. Estava conectada com o desejo de afetar o contexto em que a obra iria funcionar. A desmaterialização, diferente do que se passava em grande parte com a arte mainstream, não era uma busca quase mística do imponderável. Era uma forma de economia aplicada com um desejo de conseguir com que o poder fosse compartilhado tanto na criação quanto na política. Enquanto a desmaterialização no mainstream era um exemplo extremo de reducionismo formalista, na América Latina era apenas um desafio à definição tradicional do objeto de arte. O assunto em questão era, portanto, não tanto a desaparição do objeto, mas a emergência da liberdade que a existência do objeto de arte – em sua atuação institucional – estava inibindo e escondendo. O processo de ressignificação era considerado mais subversivo e urgente que a busca metafísica da invisibilidade. De fato, durante 1966 e os anos seguintes, alguns de nós mais tarde absorvidos pelo rótulo do conceitualismo preferimos a palavra “contextualita” para descrever o que considerávamos atividades disruptivas.[18] Buscávamos um resultado máximo direcionado à mudança de nosso meio ambiente por meio do uso de recursos mínimos (que ainda considerávamos “arte”), diretamente condicionados pelo contexto que estávamos trabalhando. Nesse sentido provavelmente devíamos muito mais ao trabalho de Magritte que ao de Duchamp ou, pode-se dizer, tínhamos uma visão duchampiana do potencial de Magritte. O uso dado por Magritte à nomenclatura para alterar o espaço e os significados de uma imagem no espectador parecia um mecanismo ainda mais incisivo que a própria desmaterialização do objeto de arte. A economia de recursos – uma palavra, um pedaço de papel amassado, um pote com água – estava relacionada mais com uma conexão (e um compromisso) com as economias subdesenvolvidas das quais nós provínhamos que com um desejo de romper com as formas da arte estabelecida ou de estender as experiências da arte minimalista.
Os antecedentes e influências estéticas imediatas, no entanto, se estendiam muito além da obra de Duchamp e Magritte; seria inconcebível um perfil da arte conceitual latino-americana sem um reconhecimento aos contos de Jorge Luís Borges e à bagagem proporcionada pela Revolução Cubana. Borges, particularmente para nós que provínhamos do sul da América Latina, foi quem mostrou as labirínticas confluências do conhecimento, as distorções e as nostalgias reais ou inventadas, e as pôs em um campo unificado. Este campo borgiano – para além da superioridade metropolitana que frequentemente é atribuída a ele – era o que poderíamos chamar, fazendo um jogo de palavras, visão periférica. A visão periférica consistia em uma carga tripla de conhecer a cultura do centro, nossa própria realidade e como ambas se mesclavam ou não. Esta tripla consciência – e se Borges soubesse desta conclusão ficaria horrorizado – fazia do desafio às instituições uma tarefa ainda mais ineludível. A Revolução Cubana, com todas as suas limitações, foi um sinal de que esta ineludibilidade não era apenas uma construção mental, mas que era possível desafiar o sistema no qual vivíamos. A Utopia tinha realmente uma chance.
Além de influenciar na formação de nossas visões de mundo, Borges também participou da acentuação das simetrias, reflexões, dos círculos fechados, do universo como uma grande tautologia ou como uma exceção a ela, e do poder e da inanidade da nomenclatura. Estas foram, em certo sentido, contribuições formais que foram melhoradas por outras literaturas. O tema da desmaterialização, outro importante ingrediente, havia sido abordado em um dos contos sarcásticos do escritor italiano Giovanni Papini, um autor popular na América Latina no final dos anos 1950. Neste conto, um personagem pede para ser patrocinado para fazer esculturas de fumaça e um compositor que encontra a força da música de Beethoven no uso dos silêncios propõe escrever peças que dispensam o uso de sons.
Outra influência inesperada, desta vez proveniente das artes visuais, foi a neofiguração argentina. Este movimento, encabeçado por Luís Felipe Noé, Rómulo Macció, Ernesto Deira e Jorge de la Vega, com referências ao grupo COBRA e a Francis Bacon, foi, entre 1960 e 1963, de grande ajuda na ruptura da visão latino-americana tradicional da pintura. Estes artistas introduziram uma visão fragmentada da pintura, “má pintura”, e uma ênfase na moldura como um elemento visual oposto à tela. Em particular no trabalho de Noé, o caos se tornou um dos principais objetivos. Noé, o mais preocupado com o pensamento teórico dentre os integrantes do grupo, resumiu suas ideias em um livro apropriadamente intitulado Antiestética, em 1964.[19]
Uma análise formal não mostraria conexão alguma entre a arte representacional dos neofigurativos e a dos conceitualistas que os seguiram. Porém, a ruptura formal, o processo de desestetização iniciado por aquele grupo, avançou e esclareceu o uso do conteúdo na obra de arte (algumas das pinturas destes artistas eram dedicadas a assuntos históricos) e a neofiguração conduziu-se ao conceitualismo. Como veremos adiante, o artista argentino Alberto Greco é um exemplo da confluência da neofiguração e conceitualismo em um só artista.
Nos Estados Unidos foram os processos especulativos e analíticos presentes no minimalismo que geraram muitas das ideias usadas na formulação do conceitualismo, e artistas como Sol Lewitt são considerados cruciais para esta transição. No entanto, para muitos artistas latino-americanos o conceitualismo, em vez de uma continuação, foi uma resposta e uma arma contra a arte minimalista. O minimalismo era considerado uma forma que expressava o poder e os interesses institucionais e era, portanto, politicamente reacionária. O produto imaculado, produzido industrialmente e elegantemente logotípico era percebido como um objeto em busca de um poder econômico para simbolizar, se já não fosse fruto de um patrocínio. Era visto como um esforço para desumanizar o objeto de arte e aliená-lo ainda mais do público; arte em sua extrema autonomia: a evolução da decoração ao monumento, com as correspondentes mudanças de escala e ideologia.[20] O conceitualismo latino-americano transformou-se em uma forma de atacar a perfeição tecnológica e a dependência exigidas pelo minimalismo, enquanto ajudou a dissolver a fronteira que separava arte e política. Neste sentido é importante diferenciar o reducionismo da desmaterialização. O reducionismo é o produto de uma especulação formalista que por sua própria natureza tende a excluir toda possibilidade de pronunciamento político. A desmaterialização, por outro lado, não apenas está frequentemente motivada por razões políticas, como pode ser um veículo para a expressão política.[21]
Até o início da década de 1960, a inclusão de temas políticos na arte estava limitada à esfera dos conteúdos. O objeto de arte podia “descrever” a política – uma atividade usualmente depreciada pelo mundo artístico – ou podia ser um sintoma político como expressão inconsciente de interesses de classe. O objeto de arte não podia ser ação política. O processo de desmaterialização deixou a arte livre para invadir outras disciplinas. A consciência de seu potencial efeito contextual deu à arte uma acuidade próxima à subversão, uma qualidade que se tornou consciente e radicalizou ainda mais o processo.
No início de 1968 o artista argentino Roberto Jacoby havia declarado em uma publicação: “A contemplação estética acabou no momento em que se dissolveu na vida social. A obra de arte também está acabada, desde quando a vida e o planeta começaram a tomar seu lugar”.[22]
A desmaterialização da obra de arte afetou sua potencial possessão e também suas relações com as classes sociais. A arte conceitual na América Latina levantou algumas questões discutidas muito antes pelos muralistas mexicanos com relação à arte como assunto de interesse público. Chegou, porém, muito mais longe. Desmaterializada, a obra de arte supostamente tornou-se não colecionável e – para dizer de alguma forma – expropriada da elite e entregue ao povo. Em 1922, Siqueiros havia escrito para o manifesto do Sindicato de Obreros Técnicos, Pintores y Escultores:
Nossa meta estética fundamental é socializar a expressão artística. […] os criadores da beleza deveriam aplicar suas principais energias a obras de valor ideológico para o povo, de modo que o objetivo final da arte, que neste momento é uma expressão de masturbação individualista, possa ser uma arte para todos, uma arte de educação e combativa.
Desmaterializada por meio da conceitualização, a obra de arte agora poderia circular como qualquer ideia e, o que era mais importante, criar situações para que as ideias pudessem circular. Este aspecto tornou-se particularmente importante sob as condições de repressão política que prevaleceram na maior parte da América Latina naquele momento. A linha de separação entre liberdade e crime, sempre borrada pelas definições de legalidade dos governos, era ainda menos clara sob uma ditadura. A arte, que para muitos se tornou uma ferramenta de libertação, passou a ser uma atividade suspeita. Este fato, por sua vez, levou muitos artistas a jogar com a subversão. Enquanto o mural mexicano, uma vez institucionalizado, ocasionalmente representou o governo (ou, pelo menos, havia sido aceito por ele), parte do trabalho produzido pelo conceitualismo não só se tornou antigovernamental como também ingressou na ação política.
Há várias questões estético-filosóficas usadas para descrever o conceitualismo mainstream, especialmente “a eliminação da visualidade” e “o mapeamento do modelo linguístico sobre o modelo perceptivo”.[23] Mesmo sendo de interesse e, às vezes, formalmente inclusivas, essas questões eram geralmente secundárias na América Latina, onde a energia era despendida para tornar mais eficiente a comunicação de ideias específicas. Uma terceira característica do conceitualismo, a “espacialização da linguagem”, o uso das palavras para criar os limites da página (ou, mais tarde, do muro), foi um recurso formal típico do processo latino-americano, mas – como veremos adiante – pode ser rastreado até a pintura colonial do século XVIII.
Em 1970, o artista argentino Eduardo Costa propunha:
[...] uma peça que fosse essencialmente igual a uma peça feita por qualquer um dos primeiros artistas conceituais, datada de dois anos antes do original e assinada por outro.[24]
A peça de Costa resume os perigos que se escondem na escrita de uma história parcial. Não se trata de eliminar influências internacionais. A revisão deveria, antes, revelar e representar as necessidades que a arte conceitual na América Latina encontra nas realidades sociais em que opera ou para onde ela foi destinada. Obviamente, argumentar que Simón Rodríguez teve intuições sobre o aspecto que teria a arte conceitual contemporânea seria absurdo. Mas afirmar que algumas das necessidades encontradas por seu modo de escrever ainda são percebidas na América Latina não é.
De uma perspectiva não formalista, o continuum artístico latino-americano é muito mais claro e consistente daquilo que acreditamos ser. Uma ênfase no conteúdo – particularmente no ético e no político – mostraria que diferentes expressões formais, como as propostas pelos muralistas mexicanos, por Torres-García e por muitos conceitualistas latino-americanos contemporâneos, pertencem a uma matriz comum em que as diferenças na forma são secundárias. Essa matriz foi obscurecida na própria América Latina por uma controvérsia formalista importada entre a arte “abstrata” e a arte “figurativa” que causou furor durante as décadas de 1940 e 1950. A inimizade entre os dois partidos, ainda mais exagerada na periferia do que nos centros culturais, transcendia as convicções políticas e obstruiu ações culturais significativas pela evocação de fantasmas. Crenças comuns sobre as funções sociais da arte foram ignoradas em favor de rivalidades estéticas superficiais e a lucidez dos próprios artistas foi seriamente comprometida neste triunfo do gosto sobre a razão. Ainda temos dificuldade em reconhecer que a arte conceitual latino-americana seja uma alternativa que aborda o contexto imediato e que busca uma liberação das categorias restritivas. Ela está fora desta controvérsia e não se encaixa no abstracionismo.
Tal como seus homólogos norte-americano e europeu, o conceitualismo latino-americano propôs uma desmaterialização em seus produtos – ou, pelo menos, uma troca dos materiais artísticos tradicionais por outros – e uma forte dependência da linguagem como portadora de significado e como recurso formal. Mas a escolha destas ferramentas tem a ver não tanto com a questão de qual aspecto deveria ter a arte (como ocorre naquela controvérsia), mas como podem ser desinstitucionalizados os elementos artísticos para efetivamente influenciarem a sociedade. Com uma inegável veia populista, o conceitualismo latino-americano separa-se claramente das definições mainstream.
Kosuth, falando de si mesmo e do conceitualismo norte-americano, escreveu:
Em seu extremo mais estrito e radical, a arte que eu chamo de conceitual assim o é por estar baseada em uma investigação sobre a natureza da arte. Portanto, não é apenas a atividade de construir uma proposta artística, mas de resolver e elaborar todas as consequências, todos os aspectos do conceito “arte”. [...] O público da arte conceitual é composto principalmente por artistas – o que significa dizer que um público separado dos participantes não existe […]. A compreensão da natureza linguística de todas as propostas artísticas, seja no passado ou no presente, além dos elementos utilizados para sua construção, é fundamental para essa ideia de arte.[25]
Uma perspectiva internacional da arte conceitual, fora da dualidade mainstream-periferia, mostra mais diferenças que coisas em comum. Isto é visto imediatamente na comparação dos conceitualismos estadunidense e europeu, mas também quando são comparados artistas dentro da mesma tradição. Uma genealogia estadunidense derivada da proposição de Kosuth e depois da obra de Marcel Duchamp conduz diretamente (no sentido de as contradições serem absorvidas) às obras de 1953 de Rauschenberg (por exemplo, o apagamento do desenho de De Kooning),[26] à Pop-art autorreferencial (uma estetização dos ready-mades de Duchamp da qual as latas de sopa Campbell autênticas assinadas por Warhol tornaram-se emblemáticas),[27] ao minimalismo e, particularmente, ao movimento Fluxus,[28] do qual um de seus membros (Henry Flint) cunhou o termo “arte conceitual” em 1961.[29] Mais sutilmente seria possível até mesmo incluir Jackson Pollock nesta linhagem, considerando que a força de seu trabalho está na sua decisão de quando interromper o processo de gotejamento – a transferência do processo criativo da ação construtiva à ação crítica. Ainda que a seleção de objetos de Duchamp para seus ready-mades fosse antifetichista e a de Pollock fetichista, é a ênfase no processo seletivo que os coloca no mesmo continuum. O movimento estadunidense foi em grande medida reducionista (e fetichista), procurando alguma essencialidade na obra de arte, ajustando-se à afirmação de Glusberg de que a informação pura é mercadoria, ignorando, consequentemente, qualquer juízo de valor sobre a informação.[30] Um dos pontos altos nesta direção foi proporcionado pelos poucos exemplos de land-art, formal e conceitualmente redutivos, mas ecologicamente totalitários.[31] Uma importante exceção, no entanto, foi a dos artistas do Fluxus, muitos dos quais tentaram se opor a essa abordagem.
Se pouco claros em seus escritos estéticos e não ortodoxos em relação às análises de Kosuth, os membros do Fluxus eram predominantemente interdisciplinares, antiformalistas e, às vezes, politicamente conscientes, e usaram vários meios de expressão herdados pelos conceitualistas que os sucederam, incluindo as performances, a poesia visual, a mail-art (arte postal) e atividades inter-meios.[32] Foi sintomática a tentativa de Robert Walts, em 1964, de patentear a palavra Pop para depois poder removê-la de circulação. (Fracassou). Assim como foi a disposição pelas colunas do porão do Carnegie Hall de equipamentos de som necessários para um show de Stockhausen. Naquela ocasião, circulou um panfleto acusando Stockhausen de compor música eurocêntrica e racista. E de um ponto de vista formalista, algumas das partituras de 1960 de La Monte Young e as “Event Scores” (partituras de eventos) de 1961-1962, de George Brecht, prefiguram a arte conceitual que estaria por vir.
Uma genealogia europeia mostra um conjunto diferente de conexões, muito mais propensas ao escândalo e à política: o trabalho de René Magritte, os letristas, a Internacional Situacionista, os artistas do Nouveau Réalisme (particularmente o trabalho de Yves Klein), Piero Manzoni, as primeiras obras de Giulio Paolini[33] e as atividades europeias do grupo Fluxus. De um ponto de vista formalista, é interessante que os letristas, como o Fluxus, tenham vinculado seu trabalho ao pensamento musical em seu processo de desmaterialização. A “Opus Aphonistique N.1” de 1959, de Isidore Isou, pedia para sua audiência “pensar em qualquer texto conhecido e recitar de memória, sem fazer barulho, e gesticulando, sem o menor som, em silêncio absoluto”.[34]
Guy-Ernest Debord, um letrista que logo após romper com Isou transformou-se em uma das figuras condutoras do Situacionismo, produziu um importante filme em 1952. A fita deste longa-metragem consistia de filme preto, sem imagens, ocasionalmente interrompido por flashes de luz, com uma trilha sonora proporcionada pelo ruído do projetor e algum diálogo aleatório.
Os letristas, o Fluxus e os situacionistas estavam divididos por questões de militância, não estéticas. Além disso, observavam-se no passado os dadaístas com sua tentativa de desinstitucionalizar a arte, não apenas desafiando o formalismo, mas assumindo como missão a ênfase em questões como o desemprego progressivo para a criação de ócio e assim colher os benefícios das novas tecnologias.[35] Isou quis que o trabalho “alcançasse a sociedade paradisíaca” e muitos conceitualistas estadunidenses trabalharam contra a posse das obras de arte. Por fim, no entanto, o que fica na história da arte tradicional são objetos associados a curiosas anedotas.
Enquanto uma história do conceitualismo latino-americano forçaria uma conexão com esses eventos nos Estados Unidos e na Europa, uma genealogia evita estes vínculos forçados com as vanguardas. Também nos livra de ter que estar sujeitos às restrições técnicas usuais nas discussões tradicionais sobre arte, já que a poesia e a literatura parecem ter alimentado esta história de um ponto de vista formal tanto quanto as artes visuais.[36]
Um dos fios que atravessam o tecido da alta cultura latino-americana é uma certa predominância da literatura sobre as artes visuais. Isto projetou-se internacionalmente pelo fato de que o “boom literário” foi aceito internacionalmente muito antes da pintura e da escultura latino-americanas. A literatura foi o meio em que a América Latina demonstrou ser consistentemente mais articulada, e as atividades de maior ruptura na arte vieram daquelas que estavam intimamente relacionadas com os desenvolvimentos da poesia. Orozco referia-se à poesia como modelo estrutural de sua obra: “uma pintura nada mais é do que um poema. Um poema feito de relações entre formas, assim como outros tipos de poemas são feitos de relações entre palavras, sons e ideias.[37]
A maioria dos manifestos era promovida por revistas literárias e se referia muito mais a questões culturais e gerais do que a tópicos específicos das artes visuais.[38] Podemos apenas especular sobre as razões dessa orientação à literatura, mas é evidente que as palavras parecem ter sido melhores (e mais portáteis) do que as imagens como meio de expressar conflitos e manter tradições. Ou como Deleuze e Guattari dizem:
O campo político impregnou toda afirmação. Sobretudo porque a consciência nacional é “frequentemente inativa na vida externa e sempre em processo de ruptura”, a literatura se encontra positivamente carregada com o papel e a função da enunciação coletiva, inclusive revolucionária. É a literatura que produz uma solidariedade ativa apesar do ceticismo; e se o escritor está nas margens ou completamente fora de sua comunidade frágil, esta situação dá ao escritor uma possibilidade ainda maior para expressar outra comunidade possível e para forjar os meios para outra consciência e outra sensibilidade.[39]
Ao longo dos séculos, tanto em palavras como em imagens, as formas de expressão nativas foram superadas pelas dos colonizadores, primeiro por meio das conquistas militares e depois com as subsequentes invasões via informação. Como costuma acontecer, a arte com conteúdo literário e/ou figurativo teve um apelo popular maior do que a arte totalmente abstrata. Mas mesmo nas ocasiões em que foi utilizada a abstração total, as versões latino-americanas dos movimentos dos centros culturais incluíam, se não um sentido do simbolismo, pelo menos uma atitude hedonista – um populismo sensorial – que as separava de seus pares hegemônicos, que haviam tomado o partido de uma estética completamente destilada.
Em termos formais, pode-se tanto considerar que o conceitualismo latino-americano tenha evoluído dentro da matriz artística euro-norte-americana, ou que tenha sido um descendente consistente de uma tradição literária regional. Em ambos os casos, a arte conceitual marca um cruzamento inicialmente heterodoxo da fronteira entre as artes visuais e textuais. No primeiro caso, pode-se dizer que uma análise modernista do repertório formal, uma vez aplicada à parte “ideia” da obra de arte, levou ao uso das palavras. No segundo caso, que a discussão das coisas relacionadas às imagens finalmente levou à incursão no campo do visual.
A evolução formal da arte latino-americana parece estar aberta a ambos os processos. No entanto, nenhum dos desenvolvimentos é de uma natureza puramente formal. Sem estarem restritos a um molde puramente narrativo, questões éticas e políticas podem permear a expressão cultural, mesmo quando intentam especulações formalistas.
Muitos dos elementos que caracterizam formalmente o conceitualismo latino-americano, particularmente a “espacialização da linguagem”, apareceram na poesia antes de entrarem nas artes visuais. Portanto, uma análise do conceitualismo latino-americano requer tanto uma compreensão da visão periférica quanto da tradição poética. O “conteúdo” é a dobradiça que as liga e geralmente define a fronteira precisa na qual a imagem se cruza com o texto ou o texto se cruza com a imagem, justificando-se mutuamente na obra finalizada. Alguém seria tentado a chamar o conceitualismo latino-americano de algo como “conteudista”, mas isso simplificaria demais as coisas. Aqui “conteúdo” deve ir além de mero argumento para integrar a consciência da periferialidade e do colonialismo e como ambos permeiam a totalidade do esforço artístico, tornando frágil a relação “forma versus conteúdo” e não completamente funcional. Como dissemos no caso de Borges, o artista visual latino-americano usa a visão periférica para fazer arte. Isso não quer dizer que a tautologia esteja ausente do conceitualismo latino-americano. No entanto, seu papel não é buscar a verdade última do processo artístico (como na obra de Kosuth), mas um papel mais modesto de servir como um recurso lúdico e humorístico. Em caso extremo, é uma ferramenta secundária que garante a possibilidade do artista de analisar o processo artístico enquanto faz parte dele. É o equivalente de uma pintura que fala de si e, ao mesmo tempo, expressa um tema.
Uma recente exposição na Antuérpia[40] sobre a arte latino-americana recuperou duas pinturas da escola Quito do século XVIII que são premonições do que viria a acontecer na arte latino-americana. Uma delas é O Doce Nome de Jesus, do Convento de Santo Domingo, na qual um batalhão de colonizadores brancos atira em um grupo de demônios de pele escura. A pintura é executada à maneira típica de Quito, mas o que importa é que as armas, seis das quais são visíveis na frente do grupo de soldados, não disparam balas, mas a palavra “Jesus”, misturando assim imagens com palavras.
A outra pintura, também de Quito, embora mais europeia na aparência, é de Manuel Samaniego y Jaramillo. Virtudes e vícios dos europeus: O Holandês[41] de cerca de 1780, pertence a uma série sobre os países europeus “avançados” pintada como um exemplo didático para as colônias. A pintura representa um conjunto de personagens – pessoas e animais – que, segundo o pintor, representa os avanços holandeses. A imagem é cercada por uma moldura pintada na própria tela e feita de declarações exemplares como: “Nas ciências, é eloquente e tecnológico”, “Quando se trata de guerra, é poderoso no oceano” ou, mais surpreendentemente, “O mestre reconhece a união das repúblicas livres”. Imagem e moldura estão, por sua vez, dentro de uma moldura de madeira elaboradamente esculpida e pintada. A moldura real reflete a complexidade da moldura pintada, em uma tautologia que parece vir das décadas recentes. No entanto, é a moldura pintada que literalmente se transforma na “moldura de referência” à qual a peça deve sua existência.
Típicas do século XVIII, essas duas peças permitiam, como costumava acontecer, ser guiadas pela ideologia e não cometeram nenhuma infração aos códigos visuais de seu tempo. No entanto, o que provavelmente era então uma arte relativamente inócua continha elementos que hoje adquirem outro tipo de interesse em nosso contexto. As pinturas contribuíram para o início de um processo que marca uma linha contínua até Simón Rodríguez.
Depois de servir como tutor de Simón Bolívar durante sua infância, Rodríguez sofreu um exílio forçado devido a suas ligações com conspirações independentistas. Ele encontrou-se com Bolívar na Europa e viajaram juntos; Rodríguez foi a única testemunha e cronista do famoso juramento de Bolívar de libertar a Venezuela da Espanha, proclamada ao vazio do topo do Monte Sacro, em Roma.
Desde tenra idade, Rodríguez era obcecado com o ensino de acordo com suas próprias teorias pedagógicas. Suas duas principais influências foram o Émile, de J.-J. Rousseau, e o Robinson Crusoe, de Daniel Defoe. Foi com base neles que aperfeiçoou os sistemas educacionais de Lancaster e Pestalozzi.[42] Desenvolveu sua própria versão da ideologia socialista, não influenciada por outros,[43] e tinha um talento para criar aforismos ácidos (por exemplo, “Se não inventamos, fracassamos”). Rodríguez escreveu muito, mas apenas uma pequena parte de seu trabalho sobreviveu. Seus textos têm em comum uma diagramação fragmentada. As orações raramente fluem linearmente como em textos comuns, são subdivididas por grandes chaves para acomodar opções de ideias ou subcategorias. O tipo muda frequentemente para proporcionar ênfase, às vezes dentro da mesma linha, e o texto pode estar disposto em formas geométricas ou ser organizado por um eixo central formando algo semelhante a um caligrama. No entanto, as composições, que antecipam o poema de Mallarmé “Un coup de dés jamais n’abolira le hasard” (“Um lance de dados jamais abolirá o acaso”) de 1895, nunca são exercícios formais. São maneiras de esclarecer ideias, diagramas de fluxo mental que aumentam a velocidade de compreensão. São aforismos visuais. A beleza é um subproduto não intencional. Como Mallarmé, Rodríguez usava seus recursos para dar ênfase, mas enquanto Mallarmé estava interessado em uma estrutura paramusical que facilitasse o som do poema, Rodríguez se preocupava apenas com a clareza.
Rodríguez sabia que sua maneira de escrever era pouco ortodoxa e expressou no prefácio de sua edição de 1828 de Sociedades americanas:
Este projeto parecerá tão exótico, tão estranho quanto a ortografia em que está escrito. Em alguns leitores, talvez, provocaria riso. Em outros… desprezo. Isso será injusto, já que não há falsidade nas observações, nem absurdo nas proposições. Quanto ao riso, o autor pode declarar (melhor em francês que em latim) Rira bien qui rira le denier.
Esta nota, consistente com o resto do trabalho, é fragmentada em partes curtas, centradas, com mudanças na tipografia. Mais tarde, no tratado sobre as luzes e as virtudes sociais de 1840, ele discutiu de forma mais clara seu enfoque ao discutir “a forma dada ao discurso”:[44]
Não é a importância da palavra, que é conhecida por todo mundo. A importância de sua pintura é conhecida por poucos e muitos talvez nem reflitam sobre ela. No entanto, é possível pintar sem falar, mas não é possível falar sem pintar. Os gestos são um esboço do que a mão não pode desenhar por falta de meios ou de tempo.
Gesticular é pintar no ar.[45]
Sem pintura não há memória, mas ideias dispersas ou amontoadas.[46]
Depois de discutir a ordem requerida para uma boa conferência, aplica à escritura:
O escritor deve organizar suas páginas para obter o mesmo resultado; portanto, a arte da escritura precisa da arte da pintura.
As ideias que se conectam para formar um pensamento não têm a mesma importância que os pensamentos reunidos em uma pintura. Cada um dos componentes é uma abstração e a composição uma abstração de abstrações.[47]
Mallarmé, quase setenta anos depois e respondendo a necessidades totalmente diferentes, introduziu seu “Un coup de dés…” com um prefácio em prosa comum sobre as razões para suas violações formais:
Eu não transgrido o arranjo da página, eu simplesmente disperso seus componentes. O papel intervém cada vez que uma imagem cessa ou se retira da página, aceitando a sucessão de outras; e como não há dúvidas quanto aos padrões usuais e regulares de sons ou linhas, ou melhor de subdivisões prismáticas da Ideia, no momento em que aparecem e enquanto durem em um preciso contexto mental, o resultado é que o texto se estabelece em posições variantes, próximo ou longe da implícita matriz de pensamento, por razões de verossimilhança […] O gênero [de versos livres ou poesia em prosa], se gradualmente tornar-se uma unidade como a sinfonia, ao lado do canto individual, que deixe intacta a velha forma do verso, à qual lhe atribuo os domínios da paixão e do sonho; talvez este seja um meio mais conveniente de manusear (como devem ser) assuntos puros e complexos da imaginação ou do intelecto: não havendo mais motivo para excluir de sua fonte única – a Poesia.[48]
É interessante observar como ambos implicam uma inevitabilidade na escolha formal. Rodriguez, não sendo modernista, não se preocupa em analisar as limitações do formato tradicional. Prescinde dele, ainda que antecipando uma certa irritação. Mallarmé, por outro lado, ameniza sua crítica argumentando seu distanciamento da norma e reafirmando sua contínua fidelidade à poesia. Também é interessante ver a referência de Mallarmé à música (como os artistas do Fluxus posteriormente), enquanto a Rodríguez apenas lhe preocupava a ausência de falsidade e absurdo.
Durante uma vida de enfrentamentos aos estereótipos e à autoridade, Rodríguez chegou ao ponto de nomear seus filhos (nascidos durante sua estadia no Equador) Choclo [milho], Zapallo [abóbora] e Zanahoria [cenoura], para protestar contra a aspiração da Igreja de que todas as crianças fossem batizadas de acordo com o Santoral.[49] Rodríguez viveu na pobreza durante a maior parte de sua vida, recusando-se a negociar seus ideais. As escolas que ele criou durante suas viagens pelo Chile, Peru, Bolívia e Equador nunca tiveram alunos suficientes, de modo que ele teve que ganhar a vida com outras atividades. Mais de uma vez ele combinou o ensino com a fabricação de velas no mesmo lugar, apropriadamente esculpindo sobre sua porta: Luces y virtudes americanas, isto é, velas de gordura, paciência, sabão, resignação, resina forte, amor ao trabalho.[50]
Rotulado como excêntrico por muitos, dizia-se na Bolívia que Rodríguez havia organizado um jantar festivo para o General Sucre, no qual ele teria servido comida em urinóis de hospital. Quando o boato chegou a Rodríguez, ele gostou tanto da história que a contava como se fosse verdadeira (estabelecendo assim a primeira entrada dos mictórios na arte). No entanto, é a estreita relação da forma de sua escrita com o conteúdo de sua comunicação o que mais nos interessa neste estudo. Sua estrutura de página estava próxima do caligrama, mas carecia de suas rigorosas qualidades formalistas e tautológicas que pudessem ter comprometido a força de suas mensagens. Sua escrita estava livre de todo impulso estético, simplesmente ajustando-se ao visionário como ele (corretamente) via a si mesmo. Sua urgência não era a de um artista, mas de um pregador.
Os caligramas podem ser rastreados até o século XVI[51] e foram, na maior parte, uma demonstração agradável de habilidade caligráfica. Somente no século XX eles se tornaram emblemáticos como uma forma da vanguarda modernista. É comum atribuir o revival a Guillaume Apollinaire, cujos primeiros exemplos datam de 1914.[52] Mas Apollinaire foi precedido pelo poeta chileno Vicente Huidobro que fez seu primeiro caligrama em 1911 e foi influente tanto na América Latina quanto na Europa.[53]
Membro de uma família de aristocratas espanhóis (herdeiro de um título de Marquês), Huidobro foi desde cedo influenciado por ideólogos anarquistas. Em 1931, converteu-se ao comunismo. Essa mistura ideológica é refletida em sua vida, suas teorias e parte de sua obra. Em 1916, durante uma conferência em Buenos Aires, ele proclamou o início de um novo movimento estético chamado “Creacionismo” [Criacionismo] com base em ideias que estava desenvolvendo durante os últimos cinco anos; ele resumia o movimento simplesmente dizendo que a coisa mais importante é criar, a segunda mais importante é criar e a terceira mais importante é criar. No entanto, no mesmo ano ele foi mais claro sobre outras questões com afirmações que podem ser lidas como mais próximas do conceitualismo como: “a ideia deve criar o ritmo, não como nos poetas da Antiguidade, onde o ritmo cria as ideias”.[54] Esse também foi o ano em que ele viajou para Paris e tornou-se amigo do grupo de intelectuais que compunham a vanguarda francesa. Nos anos seguintes, ele também viajou para a Espanha, onde em uma de suas conferências sobre poesia, declarou uma de suas crenças mais fortes: “Há uma voz interior em todas as coisas, uma voz latente que está abaixo da palavra que as designa. Esta é a palavra que o poeta deve descobrir”.[55]
Os caligramas de Huidobro de 1911 eram concisos e o texto conformava-se estritamente à silhueta precisa do objeto descrito. Em seu trabalho posterior a estrutura se abriu e em Paisagem, de 1917, as palavras tratavam não só de descrever visualmente o objeto, mas também as evocações poéticas dadas pela linguagem. A lua é descrita pela localização circular do texto “La luna donde te miras” [A lua onde te olhas], exceto pela palavra “donde” que aparece como um diâmetro horizontal, enfatizando o objetivo do olhar do leitor. O poema faz parte de seu livro Horizonte cuadrado, que apareceu pela primeira vez em francês. Em 1925, Huidobro comentou que este título “explica a base de minha teoria poética”, dizendo então que “o que é poético demais para ser criado é transformado em algo criado quando muda seu valor visual já que, se o horizonte era algo poético em si mesmo, se era poesia na vida, ao ser qualificado como quadrado acabaria sendo poesia na arte. Da poesia morta tornou-se poesia viva”.[56]
Neste estado de espírito, Huidobro retornou ao Chile em 1925 e foi candidato à presidência pela Assembleia da Juventude Chilena, uma organização socialista. Apesar da extrema visibilidade que ele recebeu de ser o alvo de duas tentativas de assassinato, ele perdeu a eleição. No ano seguinte, retornou à França, escapando da ira da família de sua amante, Ximena Amunátegui, que tinha quinze anos na época.[57] Voltando ao Chile e à política novamente em 1933 (desta vez como membro do Partido Comunista),[58] reivindicou a criação da República de Andesia, que consistiria em Bolívia, Chile, Paraguai e Uruguai, como uma defesa contra a crescente influência dos Estados Unidos. Ele se juntou aos aliados na guerra, foi ferido,[59] e sofreu um derrame em 1948. Complicado por seus ferimentos, aquilo causou sua morte aos 55 anos de idade.
Durante todo este tempo ele continuou a escrever poesia e, embora ele não tenha feito mais caligramas, apareceram poemas como “La canción del huevo y el infinito” (publicado em 1941), que incluiu peças como “A todas horas del día cae un huevo diferente / Cae un huevo de luz y una luz de huevo / Un huevo blanco/ un huevo azul / un huevo verde / un huevo rojo / un huevo feliz / un huevo triste, un huevo negro / un huevo huevo / Caen uno por uno del arco iris tembloroso / Del arco iris cocoricó a cada kiikiiriikíii”. Com este e outros poemas, Huidobro estabelece um precedente para enumeração como um recurso estético.
Seu próprio epitáfio em sua lápide, em uma imagem ao modo de Magritte, diz: “Aquí yace el poeta Vicente Huidobro / Abre la tumba / Al fondo de esta tumba se ve el mar”.
Há, pelo menos, dois outros exemplos notáveis de poesia caligramática na América Latina. Um deles é a série de poemas publicada em 1920 em Caracas sob o título de Li Po y otros poemas do poeta mexicano José Juan Tablada (1871). Neste trabalho, escrito em grande parte em 1919, Tablada toma Mallarmé como referência e desenha tanto com sua própria letra como com tipografia. O outro é Cinco metros de poemas do poeta peruano Carlos Oquendo de Amat (1905-1936),[60] escrito em 1925. O poema mais impressionante é o “Intervalo de 10 minutos”, no qual uma parte da frase “intervalo de diez minutos”, escrita ao longo de uma diagonal, cruza-se com o resto, colocada ao longo da outra diagonal.
O uso de Tablada e Oquendo dos caligramas (e o de Huidobro reconhecido pelo mainstream) era em parte o produto de uma moda europeia. Mesmo assim, na América Latina este trabalho representa uma maneira de romper com a tradição local, uma liberação do pensamento esquemático existente.
O poeta brasileiro Oswald de Andrade (1890-1954), que tinha ido para a Europa em 1912, retornou marcado pelos movimentos de vanguarda e usou sua experiência de forma mais radical. Pouco tempo depois ele se tornou ambivalente sobre suas experiências. Considerando a influência da arte africana e polinésia em Picasso e outros artistas europeus, Andrade decidiu que “a barbárie é nossa” e propôs o que Jorge Schwartz chama de “carnavalização dos valores”.[61] Andrade definiu o que hoje é chamado de “periferia” como lugar para a ação positiva.
Andrade passou a ser uma figura crucial porque claramente forçou a confluência da vanguarda internacional com a política nacional. As decisões formais de Rodríguez tinham sido (de um ponto de vista estético) ingênuas, seu trabalho foi, em última instância, político. O trabalho de Huidobro, a princípio de importância formal, estava relativamente separado da sua vida política. Andrade tratou de chegar a uma síntese.
Progressivamente mais atento ao Brasil e apartado da Europa, Andrade expôs suas ideias em dois manifestos. O primeiro apareceu em 1924 com o título Manifesto da Poesia Pau-Brasil. Nele, reivindicava uma “língua sem arcaísmos, sem erudição. Natural e neológica. A contribuição milionária de todos os erros. Como falamos. Como somos”. E mais adiante: “Dividamos: Poesia de importação. E a Poesia Pau-Brasil, de exportação”.[62]
Quatro anos depois, em 1928, Andrade publicou seu segundo manifesto, intitulado Manifesto Antropófago.[63] Neste manifesto, que hoje é usado como uma ferramenta fundamental para distinguir o ecletismo latino-americano do pós-modernismo recente do mainstream, Andrade fala de apropriar-se de tudo. Ele diz no parágrafo V: “Só me interessa o que não é meu”, prosseguindo exemplo já dado no parágrafo III: “Tupi or not to Tupi, that is the question”.[64] Claramente, Andrade é mais importante como paradigma da desinstitucionalização do que como poeta. Tudo se torna um ready-made, não apenas os objetos. Tudo se torna matéria para apropriação – como ocorreria com os conceitualistas latino-americanos – e isto acontece com uma intenção culturalmente subversiva.
Trinta anos mais tarde, os poetas concretos brasileiros se referiram a este poema: “amor / humor” como uma peça seminal para o seu próprio desenvolvimento e o admiraram por ser o poema mais curto da língua portuguesa.[65] Quase tão conciso, mas mais preciso, é: “América do Sul / América do sol / América do sal”. Mas mesmo antes, nos anos 1920, os poemas de Andrade souberam como ter uma clareza enumerativa cristalina: “Arranha-céus / Viadutos / Fords / Um cheiro de café / No silêncio emoldurado”.[66] Considerando o barroquismo e o hermetismo da linguagem de Andrade em suas declarações teóricas, esta foi uma proeza considerável.
Cada vez mais envolvido na política real, Andrade fundou a revista O Homem do Povo, em 1931, junto com Patrícia Thiers Galvão. A publicação aspirava ser “do povo para o povo”.[67] Sobreviveu por oito exemplares, atacando o fascismo, a exploração e a repressão, e reivindicando o sindicalismo, os impostos para os ricos e causas feministas, sem adquirir popularidade. Pelo contrário, seu último editorial provocou a ira de alguns estudantes de Direito, que se amotinaram contra a redação. Patrícia Galvão perseguiu os estudantes a mão armada (e foi para a cadeia como consequência), enquanto Andrade chutava a bunda de todos que podia.
A síntese de arte e política de Andrade, instável em seu próprio trabalho, foi ainda mais no de outros. Ambos os elementos, ainda que geralmente presentes, variaram em suas proporções relativas. Um grupo de poetas brasileiros que seguiu Andrade enfatizou mais uma vez as relações espaciais das palavras. Seu trabalho, e a noção de “poesia visual” associada a eles, tornaram-se o antecedente formal mais imediato dos artistas conceituais brasileiros a partir de meados dos anos 1970.
O grupo de “Noigandres”[68] trabalhou no que eles chamavam de “Poesia concreta”. O movimento deve muito a Andrade, mas também ao trabalho de figuras internacionais como Mallarmé, Apollinaire ou Ezra Pound (e prescindiu de julgar as tendências fascistas deste último). Huidobro parece ter sido ignorado; Paris estava mais perto de São Paulo que Santiago do Chile. O movimento começou em 1956, liderado por Augusto e Haroldo de Campos e Décio Pignatari. Com numerosos descendentes e pequenos grupos, pode-se considerar que ele permanece vivo.
O movimento começou com um manifesto de Augusto de Campos intitulado “Poutos-Periferia-Poesia Concreta” publicado no suplemento dominical do Jornal do Brasil, em 11 de novembro de 1956. Afirmava:
A verdade é que as “subdivisões prismáticas da ideia” de Mallarmé, o método ideogrâmico de Pound, a apresentação “verbivocovisual” joyciana e a mímica verbal de Cummings convergem para um novo conceito de composição, para uma nova teoria da forma – uma organoforma –, em que noções tradicionais como princípio-meio-fim, silogismo, verso tendem a desaparecer e ser superadas por uma organização poético-gestaltiana, poético-musical, poético-ideogrâmica da estrutura: POESIA CONCRETA.[69]
Augusto de Campos, em outro artigo, “Poesia concreta”, publicado pouco depois, inverte a máxima de Huidobro e declara: “O poeta concreto (...) vai direto ao centro (das palavras) para viver e animar sua factualidade”.[70] A principal ferramenta para fazer isso era o próprio espaço ocupado pelas palavras em sua presença gráfica, manipulando-o para quebrar a linearidade do discurso.[71]
Enquanto a poesia concreta pretendia concentrar-se na identidade nacional, a principal ambição parecia ser competir no cenário internacional. Era uma busca não tanto de um movimento com raízes nacionais, mas um sistema formal identificável, um ismo, que pudesse estar lá no meio dos ismos dos centros culturais. Obtiveram êxito até certo ponto, e a poesia do grupo finalmente inseriu-se no movimento poético internacional.
Os poetas concretos abriram espaço para o surgimento de alguns grupos mais comprometidos politicamente, especialmente os “neoconcretos” (1959). Este movimento fundado pelo poeta e crítico de arte Ferreira Gullar criticou a fundação da poesia concreta, excessivamente matemática e gráfica, e propôs em seu lugar o não objeto e a nacionalidade da língua. O não objeto seria uma entidade mal definida, que seria “pura aparência”, mas “transparente à percepção”, e estaria “esperando um gesto humano que o atualizasse”.[72]
As revelações formais destes movimentos poéticos tiveram uma forte influência sobre os artistas visuais brasileiros, que em pouco tempo integraram o uso da linguagem em suas práticas artísticas. Particularmente o neoconcretismo foi interpretado como um gerador de eventos e ambientes e proporcionou pontes para as artes visuais de Lygia Clark (1920-1988) e Hélio Oiticica (1937-1980), ambos os quais, durante os anos 1970 e logo após terem estabelecido uma estética com base em Malevich e Mondrian, introduziram seus próprios corpos e experiências de vida em seu trabalho artístico.
Olhando para trás fica claro que, mesmo durante seu período “neoconcreto” por volta de 1960, Oiticica e Clark não foram construtivistas ortodoxos. A série dos “Bichos”, de Clark, que à primeira vista parece se conectar com jogos geométricos inspirados na Bauhaus ou em Ulm, pode ser lida hoje como uma série de seres orgânicos que, ainda que reencarnados em um origami metálico, mantêm-se sensualmente vivos. Os objetos de Oiticica, rigorosos em sua geometria, põem-se em posições que só fazem sentido quando é considerada sua relação com o espectador, mais do que ser uma pesquisa sobre a racionalidade. Ambos parecem ter adotado seu imaginário ultrarracionalista (de forma similar à dos praticantes da Santeria quando usam os santos católicos) para sincretizá-lo com forças consideradas por eles mais fundamentais, encontradas sob a casca protetora do disfarce.
Em meados dos anos 1970, Clark e Oiticica haviam permitido que o corpo deslocasse a geometria. Oiticica tornou-se o principal dançarino de uma Escola de Samba, experiência e atividade que moldaram seu trabalho posterior. Clark deslocou-se para uma forma estética do psicodrama e da terapia e seus objetos (se ainda podem ser chamados assim) se tornaram um suporte para a interação. Uma peça que eles elaboraram em colaboração, “Dialogo de mãos” (1966), resume suas evoluções. Duas mãos (uma de cada um) são mantidas juntas em uma dança e presas por uma faixa de Mœbius. A forma havia sido popularizada no Brasil por meio do trabalho do escultor suíço Max Bill e foi, portanto, uma adequada homenagem ao seu passado.[73] Ao mesmo tempo, eles estavam derrotando completamente os princípios de Max Bill.[74]
Oiticica, talvez mais que qualquer outro, recorreu ao legado de Andrade em sua busca por uma totalidade local. Falando de seus “Parangolés”, que foi para ele o que “Merz” foi para Schwitters – uma palavra-matriz de significados muito particulares –, Oiticica explicou:
O Parangolé seria então, antes de tudo, uma exploração da constituição estrutural básica do mundo dos objetos [...]. Há uma diferença básica aqui, por exemplo, com a descoberta dos cubistas da arte africana como rica fonte expressiva etc. Para os cubistas, era a descoberta de uma totalidade cultural, de um sentido definido do espaço. […]. O “Parangolé” está localizado, digamos, no polo oposto ao cubismo: não toma o objeto inteiro, acabado, completo, mas busca a estrutura do objeto, o princípio construtivo desta estrutura, a fundação objetiva, não a dinamização ou o desmantelamento do objeto.[75]
A experiência de Oiticica de dançar com capa – para ele, uma extensão do ato de vestir trajes do samba – hibridizada com suas experiências espaciais neoconcretas, levou-o à construção de tendas experimentais e à participação experimental do público. De qualquer forma, a própria poesia era uma referência para seus “Bólides”, cuja melhor descrição seria a de pequenos ambientes para a poesia baseados nos ready-mades, incluindo muitas vezes, mas nem sempre, texto. Oiticica também chamou os Bólides de “trans-objetos”. Em 1963, escreveu sobre eles tratando de romper as limitações do ready-made meramente “lírico” – o objeto simplesmente localizado fora da experiência cotidiana. Ao incorporar o ready-made “em uma ideia estética, tornando-o parte da gênese do trabalho, este assume um caráter transcendente, participando em uma ideia universal sem perder sua estrutura anterior”.[76]
O processo de desmaterialização, tanto em Clark quanto em Oiticica, tomou um rumo diferente daquele dos movimentos conceituais mainstream. Os objetos não eram reduzidos e não desapareciam no sentido físico. Foi, antes, uma reversão do conceito tradicional segundo o qual o objeto de arte aloja permanentemente uma essência artística. Para eles, o objeto era um recipiente provisório e transitório, de modo que a essência imediatamente daria forma às inter-relações humanas, deixando para trás uma carcaça vazia.
Psicoterapia ou samba, o processo de desmaterialização estava baseado na interação direta e positiva com o público. Não alimentaram o público com um produto, mas nutriam-no com interação:
O que surge no contato contínuo obra-espectador estará, portanto, condicionado pelo caráter da obra, em si mesmo não condicionado. Há, portanto, uma relação condicionada não condicionada na apreensão contínua da obra.
E mais tarde no mesmo ensaio:
Há, pode-se dizer, um “desejo de um novo mito”, fornecido aqui por estes elementos da arte; eles provocam uma interferência na conduta dos espectadores: uma interferência contínua e de longo alcance, que poderia envolver os campos da psicologia, antropologia, sociologia e história.[77]
Logo após estas afirmações, em 1966, Oiticica deu o último passo:
A antiarte, na qual o/a artista entende sua posição não mais como um criador de contemplação, mas como um instigador da criação […] há tal liberdade de meios que o mesmo ato de não criar já é uma manifestação criativa. Aqui aparece uma necessidade ética de outra natureza […] já que seus meios são realizados através da palavra, escrita ou falada […]: esta é a manifestação social, que incorpora uma posição ética e uma posição política que vêm juntas como manifestações da conduta individual. [Esta posição] está contra toda a opressão, social ou individualmente – todas as formas fixas e decadentes de governo ou as estruturas sociais dominantes – […] é a reconquista da confiança do indivíduo em suas intuições e mais preciosas aspirações.[78]
Embora estes princípios utópicos básicos estavam difundidos na América Latina, o processo de hibridização brasileiro não conquistou imediatamente o resto do continente, e poesia tradicional (bem como as formas visuais tradicionais) continuaram produzindo e desenvolvendo recursos que seriam usados pela arte conceitual. A poesia do chileno Nicanor Parra (1914) dá exemplos de muitas soluções linguísticas que logo se tornaram populares entre os artistas visuais conceituais.
Parra é, depois de Huidobro e junto com Neruda, o poeta chileno mais conhecido. Para este estudo, o interesse de seu trabalho está em seus Artefactos, uma série de poemas de uma única linha. Ainda que tenham sido publicados em 1967, suas origens podem ser rastreadas até 1957, quando Parra, incluído no poema “Versos sueltos”, apresenta linhas como: “Crucifijo de oferta en venta”. Outros exemplos são: “Estados Unidos/donde la libertad es una estatua”, “Ordeñar una vaca / y verter la leche sobre su cabeza”, “Mira, hasta en las cloacas hay un poco de mierda” e “El automóvil es una silla de ruedas”. Parra usou este último também como parte de muitos outros poemas, ou melhor “antipoemas”, outra de suas formas poéticas que vem de 1954.[79]
Os Artefactos, segundo Parra, são o produto da explosão de seus antipoemas. Um artefato “é uma configuração linguística autossuficiente [...] que possui suas próprias leis; que se sustenta a si mesmo, digamos [...] Tem a mesma eficácia de um aviso em um jornal”.[80] Assim, Parra apoiou o formato da manchete, com sua capacidade de se transformar em memória instantânea, posteriormente adotado por muitos artistas conceituais. Na verdade, seu Noticiero 1957 é vagamente construído em torno de manchetes encontradas, ainda que na época isto fosse mais um sinal do espírito que mais tarde se tornaria pop-art do que um recurso conceitualista.
A relação geral de Parra com a forma do texto é muito menos intensa e poeticamente mais tradicional do que a de Rodríguez ou Huidobro. Rodríguez representava a forma de seu pensamento no papel e criava uma forma didática para transmitir seu conteúdo com base em uma calibração da ênfase. Huidobro fazia um uso tautológico da forma para ilustrar e enfatizar visualmente seu conteúdo. Tanto na obra de Rodríguez como na de Huidobro, o leitor é o destinatário e o espelho do trabalho finalizado. Parra, entretanto, embora mantendo a forma, se concentrava no contexto dado pelos significados e forçava o processo pelo qual a forma do poema tomava corpo na mente do leitor. Esta mente é o verdadeiro suporte da poesia de Parra, alcançando – se isto tem sentido aplicado à poesia – uma desmaterialização de sua obra, uma vez que ela não existe completamente no papel.
O processo de desmaterialização de Parra parece contraditório desde o momento em que trata de destruir e criar poesia ao mesmo tempo. O título “Antipoema” para um poema deseja uma aniquilação material, é uma espécie de desejo poético da morte. Sua ambivalência é clara quando ele escreve: “No tengo nada más que decir/ Todo lo que tenía para decir/ Ha sido dicho, no sé qué tan a menudo”.[81] No entanto, a forma como ele se dirige à mente do leitor está intimamente ligada à prática de Magritte, de fazer derivar novos sistemas de ordens aos espectadores a partir de conexões inesperadas. As imagens utilizadas não são importantes, é o vínculo que oferece a nova vida. Assim, Parra reflete – implicitamente – a abordagem sociopolítica da arte do final da década de 1950 e dos anos 1960, em que a criação estava deslocada do artista para o público e que gerou diversos experimentos artísticos de participação.[82] O artista começava a se ver em um papel entre catalisador e diretor cênico. No caso de Parra, a manchete – um ready-made poético – transferiu as habilidades do ato de fazer ao ato de encontrar e, portanto, tornou a poesia acessível a qualquer um, porque a descoberta é uma ação totalmente acessível.
O ready-made, mesmo tendo sua própria presença material, tornou-se, assim, um passo importante para a desmaterialização, não só na poesia de Parra, mas também nas artes visuais da América Latina. O argentino Alberto Greco instituiu seus “vivos ditos” em 1962, apontando o dedo para as pessoas na rua e declarando-as obras de arte. Esta foi uma versão desmaterializada de um período anterior, em que ele ficava assinando as costas das pessoas. Greco afirma ter assinado “paredes, ruas e banheiros em Paris” já em 1954.[83] Em 1962, ele escreveu seu manifesto “Vivo Dito”:
A arte viva é a aventura do real. O artista ensinou a ver, não com uma pintura, mas com o dedo. Ensinou a ver de uma maneira nova o que acontece na rua. A arte viva busca o objeto, mas o objeto encontrado é deixado no local, não é transformado, não é melhorado, não é levado para a galeria de arte.[84]
Em 1963, teve que escapar da Itália para evitar ir para a cadeia; durante uma apresentação ele decidiu urinar nas primeiras fileiras do teatro (ocupadas).
A última obra de Greco foi seu suicídio em 1965, causado por um caso de amor infeliz. Apesar de seu desespero, ele teve presença de espírito suficiente para escrever “The End” na palma da mão. Greco nunca abandonou a pintura e o desenho. Havia sido um dos mais interessantes pintores “informalistas” argentinos durante o final dos anos 1950 e, como dissemos, seus desenhos foram uma parte importante do neofigurativismo argentino do início dos anos 1960. Como no caso de Asger Jon e seu trabalho situacionista, com o tempo a visibilidade de suas pinturas obscureceu a importância teórica de suas outras ações. Durante sua estada na Europa, Greco entrou em contato com os artistas do “nouveau réalisme”. Uma das pessoas que filmou foi o artista Ben Vautier, então no Fluxus, quem em 1962 produziu uma peça intimamente ligada à arte de Greco: uma fotografia de si mesmo segurando uma placa que dizia “Olhe-me, com isso alcança”. Greco, que reconheceu ter sido influenciado por Yves Klein, disse, por sua vez, ter influenciado Ben Vautier e, em 1963, lhe conferiu um certificado ungindo-o como o continuador dos “vivos ditos”.
A obra de Greco influenciou muitos artistas mais jovens. Entre eles, Eduardo Costa, Roberto Jacoby e Raúl Escari produziram em 1966 um happening fictício. Documentaram conhecidos intelectuais argentinos realizando tarefas atribuídas e os puseram em um único evento por meio da informação. Por meio de amigos jornalistas e críticos de arte, o happening foi logo tomado como notícia e objeto de críticas de arte sérias em diferentes publicações, tornando-se um evento da maior importância.[85]
Apesar de sua declaração anterior no Vivo Dito, Greco finalmente trouxe pessoas (“o objeto encontrado”) da rua para a galeria, para depois pintar fundos para eles. Este tipo de trabalho levou à exibição do artista argentino Oscar Bony de uma família proletária em uma galeria em 1968. A obra de Bony precedeu em vários anos a instalação do artista italiano Gino De Dominici na Bienal de Veneza de uma criança com síndrome de Down sentada em uma cadeira em cima de uma parede. Não é a diferença temporal entre a obra de Bony e a de De Dominici que importa, mas a diferença de significado no que parece ser um recurso formal semelhante. Bony procurava impactar com a consciência da dissonância entre a elite artística e a realidade social. De Dominici, por outro lado, envolveu-se em certa forma de confuso terrorismo visual por meio da exploração de uma criança deficiente.
A inter-relação entre a preocupação social e a arte, a ruptura dos muros materiais e formais que separavam arte e vida e o peso que tinha o conteúdo nas formulações artísticas prepararam o terreno para o próximo passo. Só levou algum tempo para que a arte afetasse a estratégia política e a estratégia política da arte. Os artistas foram informados pelas vanguardas europeias e seu impulso foi em direção ao que Burger descreve como uma tentativa de “organizar uma nova práxis de vida a partir de uma base na arte”. Os artistas e militantes de esquerda também entenderam, como disse Burger,[86] que “a arte é a objetivação da autocompreensão da burguesia” e tem funcionado separadamente da práxis de vida.[87] A revisão da arte deveria então encontrar-se com a revisão das classes sociais.
Em 1962 realizou-se no Uruguai a primeira de uma série de ações que, dois anos antes, começaram a aparecer sob a assinatura “Tupamaros”.[88] Estas ações do MLN (Movimiento de Liberación Nacional) realizadas por dissidentes do Partido Socialista e da Federação Anarquista de extração estudantil – incluindo estudantes de arte – não tinham ambições artísticas. Seu papel seria o de “fiscais do povo”, descobrindo a corrupção no governo, nos bancos e na indústria.
A criação do movimento foi provocada não só pela crescente corrupção nas esferas de governo, mas pelas atividades de grupos de direita que tentaram aterrorizar os militantes de esquerda desde 1960 com sequestros, tatuagens de suásticas com navalhas e o assassinato do professor de liceu Arbelio Ramírez. Presumivelmente, as balas que o mataram foram dirigidas a Che Guevara, que tinha dado uma palestra na Universidade (1961). Em seu discurso, paradoxalmente, Che laboriosamente explicou ao público como o uso de armas era impossível e errado enquanto houvesse opções legais disponíveis.[89]
Uma vez que eles tinham que operar em um ambiente urbano, circunstâncias que não ofereciam precedentes de êxito, sua estratégia fora criar operações de guerrilha que não alienassem o público e ainda fossem aceitas por ele.[90] As operações deveriam obter uma reação favorável do público e ter um efeito que fosse além dos resultados funcionais imediatos de uma dada operação. Propaganda e comunicação tornaram-se seus principais objetivos e a consciência destas governou e hibridizou todas as suas outras ações. Em um de seus documentos de estratégia, eles falaram de “propaganda armada”.
A propaganda armada torna-se particularmente importante sob certas condições, por exemplo, para se dar a conhecer no início do desenvolvimento da guerrilha. Também é importante no momento de esclarecer posicionamentos ao povo durante os períodos nos quais devem ser tomadas medidas drásticas que não ilustram claramente os objetivos da guerrilha e que poderiam ser de difícil compreensão para a mente popular.[91]
A teoria geral do grupo era de que “são ações revolucionárias aquelas que levam a situações revolucionárias”.[92] Analisando o movimento em relação a outros grupos guerrilheiros latino-americanos, Régis Debray apontou a falta de viés na organização. Ao fazer isso, ele parece descrever a criação de uma obra de arte: “Não há dogma estrangeiro, não há estratégia revolucionária independente das condições determinadas pelo lugar e tempo, tudo é reinventado a cada vez no lugar”.[93]
E isso nos lembra da introdução de Huelsenback ao Almanaque Dadá: “O dadaísta é o homem mais livre da terra. Ideólogo é todo homem que é enganado pela mentira por seu próprio intelecto: a de que uma ideia, isto é, o símbolo de um instante da realidade percebida, é absolutamente real”.[94]
Os documentos de estratégia escritos pelos próprios Tupamaros são bastante secos e entediantes, como se todo o esforço criativo tivesse sido reservado para as operações. Estas operações eram projetadas pelo movimento para além da eficiência funcional, em um nível estético que levou observadores como Régis Debray a referir-se aos Tupamaros como um “fenômeno cultural”[95] e provocou descrições do uso do tempo e do “timing” mais aplicadas geralmente na realização de filmes.[96] Os primeiros eventos consistiram simplesmente em roubo de armas e dinheiro por meio de invasões em casas. Mas em 1963 eles já desenvolvem seu primeiro grande plano de distribuição de comida: passando-se como membros de um clube político de bairro, encomendaram um caminhão de mercadorias de uma grande confeitaria, incluindo (dada a proximidade do Natal) uma grande quantidade de doces. O caminhão foi direcionado para perto de um bairro periférico, onde, em seguida, foi sequestrado e sua comida distribuída entre os habitantes.[97] Em 1969, o movimento realizou onze operações altamente publicitadas e outras oitenta sem publicidade.
Dentre as operações públicas, a mais elaborada e espetacular é conhecida como “Operação Pando” e envolveu em torno de cem guerrilheiros. Com a desculpa da transferência dos restos mortais de um familiar morto na Argentina muitos anos antes, eles alugaram um cortejo fúnebre de cinco carros e uma caminhonete. O funeral aconteceria em Pando, uma cidade de 20 mil habitantes a cerca de 40 quilômetros de Montevidéu, e a procissão deveria passar por uma série de pontos para recolher mais “parentes”. Os parentes mais próximos estavam apropriadamente tristes e a maioria deles chorando. O caixão estava cheio de armas que seriam usadas mais tarde. Com o grupo reunido, os motoristas foram tomados de assalto pelos Tupamaros e a operação começou. Isto incluiu a tomada da delegacia seccional da polícia, uma base do corpo de bombeiros, a central telefônica, e, finalmente, os três bancos da cidade.
Do ponto de vista prático, a operação fracassou, uma vez que durante o retorno a Montevidéu houve um confronto com a polícia em que três guerrilheiros foram mortos e outros dezoito foram presos.[98] De um ponto de vista estético, no entanto, e em relação à narração da sequência dos fatos, em que cada a tomada de cada local constituía uma complexa história paralela, a operação foi um marco. Ela deu o tom para posteriores representações de caráter teatral em que a cidade e seus habitantes seguiram o script desenhado pelos “atores” da guerrilha. Neste sentido, o movimento foi bem-sucedido o suficiente para provocar, por exemplo, uma proibição pelo governo em 1970 do uso de alguns termos na imprensa: célula extremista, comando, delinquente político, delinquente ideológico, subversivo e terrorista. As palavras que deveriam ser usadas em seu lugar eram: malfeitor, delinquente, criminoso e infrator. Três anos mais tarde chegou-se ao cúmulo do absurdo quando a criatividade do governo atingiu um clímax em um oximoro de proporções clássicas. Em 1973, o mesmo decreto que dissolvia as Câmaras também declarava: “É proibido divulgar […] qualquer tipo de informação […] que direta ou indiretamente atribua intenções ditatoriais ao Poder Executivo devido a este decreto […]”.
No contexto latino-americano, as operações dos Tupamaros podem ser vistas como uma parte da mesma tradição de arte pública e política que fora liderada pelo muralismo mexicano e pelas diferentes escolas gráficas populares latino-americanas. Esta tradição, embora não estivesse direcionada consistentemente à desmaterialização e ao desaparecimento da arte como mercadoria, pelo menos tentava conduzir à subversão da propriedade da arte e a uma análise de questões de classe relacionadas à arte. Era uma tradição que o realismo social tentara dominar, fracassando graças à sua própria rigidez e desejo de institucionalização. O conceitualismo, por outro lado, foi capaz de manter a política ao mesmo tempo em que rompia com todo o resto.
Uma característica notável das operações tupamaras foi seu uso do tempo. O tempo havia sido dinheiro desde que Benjamin Franklin pronunciou sua máxima e, consequentemente, adquiriu um status sagrado que governava a apreciação da arte tanto quanto o resto de nossas vidas. Normalmente uma obra de arte nos pede gentilmente nosso tempo para contemplação e o espectador o oferece a seu critério. Parte da subversão instituída pelos Tupamaros consistiu na sua apropriação do tempo do espectador, envolvendo-o diretamente ou forçando-o a tomar uma decisão concomitantemente ao fato. Esta forma de se relacionar com o tempo é geralmente reservada para as ações disciplinares de exércitos e governos, incluindo educação e prisão. Audiências cativas contra sua vontade geralmente expressam ressentimento, independentemente de o cativeiro ser formado por barras de ferro ou carteiras. Mas houve uma reação favorável pelo público do movimento.
Hoje é impossível discutir a história do movimento tupamaro sem pensar no movimento situacionista europeu que constituía parte da base para as revoltas estudantis de maio de 1968.[99] Ambos os movimentos viam-se como catalisadores para a “libertação do povo” e não se viam como os futuros detentores do poder. Ambos operavam para iluminar o “povo” por meio de suas concepções de criatividade até o momento em que o povo assumisse as tarefas do governo. A revolução, como a poesia de Parra, ocorreria nas mentes das pessoas. No entanto, enquanto os situacionistas eram alimentados em várias ocasiões pelos acontecimentos na América Latina, os movimentos guerrilheiros latino-americanos agiam, em geral, em resposta direta à realidade que os rodeava. Isto foi, de fato, um ponto dos situacionistas em 1961: “A criatividade e participação do povo só podem ser despertadas por um projeto coletivo que esteja preocupado com todos os aspectos da experiência vivida”.[100] Com toda a sua lucidez (e, talvez, limitados por ela), os situacionistas permaneceram em seu papel de críticos culturais. Sendo um pequeno grupo de intelectuais, não puderam, e provavelmente não lhes interessava realizar ações militares (embora tenham reivindicado certas ações menores, como quando René Viénet, baseando-se em um exemplo argentino de 1967, recomendou a tomada de estações de rádio para transmitir slogans).[101] Seu ativismo foi um ativismo de pensamento e esteve limitado à sua própria classe social.
Enquanto os Tupamaros projetavam suas operações com um superávit estético, um grupo argentino de artistas planejava cuidadosamente uma atividade artística com um superávit político. O evento, conhecido como “Tucumán Arde”, foi produto de um ano artístico tenso na Argentina.[102]
Em 1968, o país havia testemunhado uma crescente rebelião de artistas que eram contra os limites impostos à sua liberdade de expressão e à crescente repressão do governo. O artista Roberto Plate havia construído um conjunto de banheiros em uma galeria.[103] As pessoas, vendo que não havia instalações, começaram a usar as paredes para escrever grafite, que logo se tornou um veículo para críticas à ditadura. Em pouco tempo a polícia fechou os “banheiros”, em resposta ao qual os outros artistas da exposição protestaram, retirando suas obras da galeria e destruindo-as na rua. A indignação dos artistas levou a ações adicionais, incluindo uma participação em um espaço onde Jorge Romero Brest, diretor da Galeria Instituto Di Tella, daria uma palestra.[104] Uma declaração, lida pelo artista Juan Pablo Renzi, anunciava:
Acreditamos que arte significa um compromisso ativo com a realidade, ativo porque aspira a transformar esta sociedade de classes em uma melhor.
Consequentemente, declaramos que a vida de Che Guevara e as ações dos estudantes franceses são obras de arte de maior importância do que a maioria das tolices penduradas nas paredes dos milhares de museus do mundo.
Nós aspiramos a transformar cada pedaço da realidade em um objeto de arte que altere a consciência do mundo, revelando as íntimas contradições desta sociedade de classes.
Abaixo todas as instituições, viva a arte da Revolução.
É interessante notar que a maioria dos dez artistas envolvidos no evento tinha sido, há apenas um ano, de artistas minimalistas tardios, derivados do movimento norte-americano de meados dos anos 1960. Seis deles fizeram parte da exposição Estructuras Primarias II, que recebeu este nome de uma exposição anterior do Jewish Museum de Nova York. Todos esses artistas vieram da cidade de Rosário e tinham um ponto de vista mais próprio das províncias do que da capital. Um processo de dupla colonização, em que os valores mainstream primeiro condicionaram Buenos Aires e então se impuseram como cânone nacional, criando uma consciência e resistência intensas.
Vista do interior, a província argentina de Tucumán – um dos maiores produtores de açúcar do país – era um exemplo claro da negligência e hipocrisia do governo. Era a sexta província mais produtiva, mas a décima sexta no analfabetismo, a décima quinta na mortalidade infantil e a décima terceira na evasão escolar. Ao mesmo tempo, a ditadura liderada por Juan Carlos Onganía a tinha escolhido para demonstrar a solidez das políticas do governo, anunciando um programa fictício de industrialização e promovendo o slogan “Tucumán, Jardim da República”. Já em 1964, o FRIP (Frente Revolucionario Indoamericano Popular), grupo de tendências trotskistas e sediado em Tucumán, declarou: “O papel do proletariado rural, com seu avanço, o proletariado do açúcar, é ser o detonador da revolução argentina”.[105]
Tucumán, identificada como um ponto de crise, foi visitada pelo próprio Onganía, que prometeu que a província voltaria ser um “um polo de prosperidade e desenvolvimento, um centro que irradiasse cultura e progresso, um lugar para o orgulho nacional”. O texto foi colocado no momento sob a figura de uma criança que estava, segundo o título, “olhando para o futuro com confiança”.
Em agosto de 1968, artistas de Rosário e de Buenos Aires organizaram a “Primeira Assembleia Nacional de Arte de Vanguarda” para discutir o desenvolvimento de uma forma de arte que fosse totalmente nova ética, estética e ideologicamente.[106] A assembleia, preocupada com a tradicional absorção de todas as formas de arte capazes de perturbar a sociedade, chegou à conclusão de que o desenvolvimento da arte não poderia continuar consistindo na criação de movimentos de vanguarda, que os locais de exibição de arte não poderiam mais se contentar em se dirigir a um público de elite. A arte deveria perturbar a sociedade e obter conquistas semelhantes às das ações políticas, mas mais duradouras e em um nível mais profundo.
O grupo decidiu, solicitando a ajuda de sociólogos, economistas, jornalistas e fotógrafos, começar uma operação de “contrainformação” para contrariar a publicidade do governo sobre Tucumán e revelar o verdadeiro estado da província. Como eles mesmos diziam, alguns de seus objetivos eram “ser publicitários e ativistas nas lutas sociais de Tucumán” e “criar uma cultura paralela e subversiva que desgastasse a máquina cultural oficial”.[107] Em uma entrevista de Carlos Basualdo (Rosario, 21 de fevereiro de 1992), Rubén Naranjo, um dos participantes, explica que eles queriam criar “um espaço que se abrisse a partir da arte, em que a realidade social fosse oferecida em uma dimensão que excedesse o tipo usual de denúncia proporcionada pelas crônicas políticas ou sociais”.
Os artistas de Rosário acabaram cuidando da maior parte do trabalho (apenas dois artistas de Buenos Aires, León Ferrari e Roberto Jacoby, permaneceram na equipe) e a exposição foi realizada na sede da CGT (Confederación General del Trabajo de la República Argentina) de Rosário, Santa Fé e Buenos Aires. O slogan foi, além de “Tucumán Arde”, “Jardim da Miséria”.[108]
Informações foram coletadas em Tucumán com ajuda oficial. Os artistas deram conferências de imprensa, descrevendo seu projeto como uma pesquisa do perfil cultural da província. O truque funcionou e a imprensa deu a eles uma cobertura favorável.
O evento foi divulgado usando meios legais e ilegais. A propaganda aberta usou apenas a palavra “Tucumán” nos cartazes e nos slides projetados nos cinemas. A frase completa “Tucumán Arde” foi grafitada nas paredes. A mostra em si foi publicada sob o nome de “Primeira Bienal de Arte de Vanguarda”. As exposições, instalações que usavam todo o edifício, incluíam entrevistas às pessoas da cidade sobre as condições de vida na província, fotos murais e pesquisas sobre o acúmulo de riqueza por parte das famílias mais ricas. Foi servido café tucumano (sem açúcar) e as luzes eram apagadas a cada dez minutos para indicar a frequência de mortes infantis (isso foi explicado por meio de alto-falantes).
O manifesto distribuído na abertura da exposição em Rosário exigia uma arte revolucionária, ou seja: uma arte total, uma arte que modificasse a totalidade da estrutura social; uma arte que transformasse, isto é, uma arte que destruísse a separação idealista entre obra de arte e realidade; uma arte social, isto é, uma arte imersa na luta revolucionária contra a dependência econômica e a opressão classista. Depois de alguns dias, a pressão da polícia sobre os sindicatos era tão grande que a CGT fechou as exposições.
A repressão policial e militar foi forte o suficiente para fazer com que os artistas se dispersassem. A maioria parou de produzir por vários anos. Alguns foram para a clandestinidade e se juntaram ao movimento de guerrilha, alguns desapareceram e pelo menos um deles, Eduardo Favario, morreu em ação.[109] Uma espécie de greve artística de facto foi o que se seguiu por um período prolongado de tempo e as galerias limitaram-se a exibir pinturas tradicionais inofensivas. Isto foi chamado mais tarde de “Silêncio de Tucumán Arde”. Rubén Naranjo explicou este silêncio como consequência da falta de uma agenda política comum à equipe. Sendo artistas criativos, eles estavam relutantes em simplesmente repetir a estrutura formal que haviam desenvolvido para Tucumán e aplicá-la a outras situações. Ao transformar a arte em política sem fundamentos políticos sólidos, eles se perderam diante de processos sociais que se transformavam sob circunstâncias políticas.[110] Na falta de um pensamento estratégico, deixaram de lado o planejamento de projetos subsequentes enquadrados em uma estrutura mais ampla e, como era frequente na época, não conseguiram transpor as ideias utópicas para as limitações da realidade.[111]
Alguns meses depois de Tucumán Arde, em março de 1969, outro grupo, o Comité Coordinador de la Imaginación Revolucionaria, trouxe à luz um novo manifesto declarando a inutilidade da arte feita à maneira burguesa:
A arte é qualquer mensagem que transforme, crie ou destrua, que rompa os limites de tolerância do sistema. [...] Já não podemos realizar trabalhos individuais, deveríamos projetar e organizar uma estratégia cultural alternativa, que será totalmente independente e sistematicamente de oposição à “arte e cultura” ocidentais, às mídias de massa, à coerção e ao terror. A eficácia é a única estética válida [...].[112]
Tucumán Arde foi um exemplo da arte entrando completamente na arena política enquanto os Tupamaros representavam uma estetização da política. A fusão do entusiasmo político com o pensamento artístico produziu operações estetizadas que permaneceram por mais alguns anos, até que uma série de traições e o aprimoramento de táticas antissubversivas do governo provocaram sua extinção. A arte retornou a seus caminhos formais nas tradicionais vitrines das galerias, ainda que o conteúdo político e o sonho de uma subversão dos regimes exploradores e repressivos continuassem sendo ingredientes. Embora escassos e pontuais, alguns eventos ocorreram ao longo dos anos – particularmente na Argentina – que nos permitem vislumbrar uma influência de Tucumán Arde, mas estiveram mais restritos ao protesto do que orientados a uma mudança social radical. Em 1969, o artista argentino Jorge Carballa secretamente encomendou a várias igrejas de Buenos Aires missas para celebrar a memória de Che Guevara no aniversário de sua morte. Mais de uma década depois, silhuetas de cadáveres desenhadas com giz apareceram nas ruas de Buenos Aires com nomes de pessoas desaparecidas em uma ação anônima e isolada. Uma tradição que se originou em Tucumán Arde foi retomada em 1989 por uma peça de rua relativamente diluída. Sob o título de “Ready-made social”, dois artistas, Fernando Bedoya e Emei, organizaram um evento que incluiu várias ações artísticas em apoio às vítimas de Tiananmen. Uma das ações chamadas “Bicicletas Chinesas” consistia no encontro de dezenas de ciclistas que se encontraram no centro de Buenos Aires para construir “esculturas heroicas” com suas bicicletas.[113]
Do ponto de vista formalista que alimenta o mercado de arte, é possível argumentar que parte da arte conceitual latino-americana é menos bem-sucedida do que a produzida na década seguinte. A visão, hoje em dia, tem sido contaminada pelas conquistas “neoconceitualistas”, uma revisão muito mais voltada para o objeto das ideias conceituais. Desta forma, ainda nos limitando à “arte pura”, podemos certamente dizer que a exagerada e vociferante simplicidade de obras anteriores foi anulada. As obras posteriores a 1970 se prestam mais à exposição no mercado orientado ao objeto que ascendeu durante os anos 1980. Como se dizia abertamente em um catálogo do Withney Museum de 1990: “A desvalorização do objeto levada adiante pela arte conceitual e a concomitante elevação da ideia narrada não podem manter os escultores”.[114]
A exposição Information, no Museum of Modern Art de Nova York, colocou alguns dos esforços anteriores a 1970 em uma perspectiva artística internacional. Naquele momento, todos pensávamos que, ao sermos incluídos, começaríamos a subverter o establishment artístico mainstream. O que ocorreu, na verdade, foi que ele havia traçado, caprichosa, mas precisamente, um mapa de nossas próprias limitações. A fusão de arte e realidade não iria para além das realizações da guerrilha e, neste sentido, a utopia a que aspirávamos já agonizava, ainda que não estivéssemos percebendo.
O que começou a se formar lentamente em 1970 foi um período de arte política “branda”. Alguns artistas latino-americanos, incluindo Cildo Meireles, Antônio Dias, eu e outros, pertencentes à geração que contava com uma obra de caráter político nos anos 1960, nos sentíamos parte, provavelmente, de uma cultura política que estava próxima da arte política “dura”. Este foi um pensamento válido apenas enquanto as manifestações mais radicais aconteciam, como o projeto “Tucumán Arde” ou as operações dos Tupamaros. Quando estas começaram a diminuir ou desaparecer, a arte mais relacionada ao objeto não pôde ser sustentada como padrão de desinstitucionalização.[115] Na verdade, estávamos preparando o terreno para o retorno a uma intensidade menor e mais aceitável, em que a arte e a vida não se confundissem completamente. Um exemplo de uma faceta pseudoextrema (ainda que europeia em grande medida) deste novo nível foi a entrada de Joseph Beuys na política.[116] Na exposição Documenta, em Kassel, 1972, o mesmo ano em que os situacionistas decidiram se dissolver, Beuys propôs um novo modelo de governo baseado em seu próprio conceito de democracia liberal. Em uma entrevista concedida a Heiner Stachelhaus em 1973, Beuys exagerou em suas ideias: “Não há outra possibilidade de ter uma revolução que não seja por meio da arte. É preciso chegar a um conceito totalmente novo de homem e do aspecto que um governo deve ter. Eu concebo o homem do futuro como um escultor do organismo social do Estado”.[117]
A outra expressão do abrandamento consistiu no fato de os artistas se resignarem ao elitismo da arte e de as galerias e museus continuarem sendo vitrines em um futuro previsível. O público a ser politizado, portanto, ficou reduzido àquelas pessoas em contato com a arte no sentido tradicional.[118] Se quisermos usar o termo “pós-conceitualista” na América Latina, esta situação pode ser sua melhor descrição, gerando mais uma forma que sirva como pacote a um conteúdo. A redefinição das ambições de impacto político não necessariamente invalidou a importância política da nova obra, nem significou uma retirada política. Foi uma mudança de estratégia. Um dos líderes de “Tucumán Arde”, Juan Pablo Renzi, declarou mais tarde: “Creio que se a arte é crítica da vida, assim o é por meio da arte, não da vida. Trata-se de fazer obras de arte que se refiram à vida por meio de gestos artísticos, e que se refiram à conexão crítica com a vida por meio de uma conexão estética”.[119]
Com a “retirada” final aos limites da arte, o foco deslocou-se da utopia para a identidade. Foi uma jogada que, paradoxalmente, estava desenhada para se afastar do cânone hegemônico e, ao mesmo tempo, hegemonicamente estimulada pela nova consciência pós-moderna para trazer a arte para o novo cânone “multicultural”.[120] Muitos artistas, e não apenas os conceitualistas, começaram a encontrar inspiração nas tradições locais e a ignorar as aspirações do mercado internacional. O artesanato e as quinquilharias se tornaram moda e a obra de artistas conceituais se rematerializou até certo ponto para acomodá-las. O artista colombiano Antonio Caro tomou a assinatura de Quintin Lame como uma imagem para uma série de obras de 1979. Lame (1883-1967), um advogado ameríndio autodidata que foi preso mais de duzentas vezes por insistir na defesa dos direitos de seu povo, concluía seus documentos com uma assinatura extremamente ornamentada. Caro usou este quase ornamento e pigmentos locais para uma série de obras que são significativas e compreensíveis em sua totalidade somente dentro das fronteiras colombianas. Assim, Caro criou uma peça para um público específico, com uma clara ideia a priori de quem deveria ser o espectador, afastando-se da tradicional falta de definição implícita na palavra “público”. Em um exemplo relacionado a isto, o artista brasileiro Roberto Evangelista conecta os rituais conhecidos da região amazônica onde vive com a destruição do meio ambiente local. Suas instalações, que muitas vezes usam cascas de vegetais secas e cheias de água, embora sejam evocativas, carecem, para quem é estranho a sua comunidade, da força total do impacto que têm sobre esta. Os problemas causados pelas leituras de via dupla – canônicas e periféricas – com as consequentes confusões entre arte como mercadoria e arte como agente cultural tornaram-se ainda mais agudos do que antes.
Na maioria das vezes, a tarefa de fazer arte se reverteu a atividades individualistas, com artistas frequentemente divididos – e isto reflete a confusão – em um conflito entre o mercado e sua própria ideologia. A arte foi re-mercantilizada, preservando a maior carga política possível e ajustando-se a uma nova realidade. A tensão levou a expressões de desespero sarcástico, como quando, em 1970, o artista colombiano Bernardo Salcedo preencheu páginas escolares com a frase infinitamente repetida: “El tiempo es oro”.
Uma espécie de fratura internacional nos muros que separam a arte da “práxis da vida” acabou ocorrendo, mas não com a clareza inicialmente desejada. Como Burger indica (e como Debord analisara antes): “A indústria cultural produziu a falsa eliminação da distância entre arte e vida, e isso também nos permite reconhecer as contradições da realização vanguardista”.[121]
O sonho utópico, para chamá-lo de alguma forma, acabou ganhando forma nos anúncios da Benetton, introduzindo confusão total. A mensagem política infiltrou a propaganda comercial? O comércio está corrompendo as causas sociais? A confusão não está na escolha da resposta. Ela é encontrada na hesitação causada em qualquer artista com inclinações políticas quando confrontado com a oportunidade de usar um destes anúncios como veículo de sua obra, dado o poder associado ao meio. No nível de comunicação dado pelo texto literal, certa conscientização pode ser alcançada. Para um nível de mudanças sociais profundas, o “ethos estético” de Marcuse – a combinação de uma inteligência científica dessublimada e uma nova sensibilidade –[122] encontra mais um obstáculo e fica mais distante.
O processo de distanciamento da realidade foi acelerado por um tipo incorreto de estetização. As séries de televisão incorporam “histórias reais” com velocidade crescente e os noticiários tomam como notícia o desenvolvimento de suas próprias séries.[123] A contínua e crescente globalização da informação leva essa usurpação da vida por parte do espetáculo à periferia. Debord expressou isso claramente quando argumentou que não é apenas a hegemonia econômica, mas também a hegemonia do espetáculo que define a dominação sobre as regiões subdesenvolvidas.[124]
Superbarrio é um ativista social mexicano que salva os inquilinos pobres do despejo. Este vendedor ambulante e ex-lutador escutou, em um dia de junho de 1987, uma dona de casa que exclamou durante seu despejo: “Nós precisaríamos de um Super-Homem para nos salvar dessas pessoas más”. Ele pegou um traje e uma máscara, bordou as iniciais SB no peito e começou a aparecer nos despejos. Ele entrou com objeções legais no tribunal para evitar mais de 1.500 despejos em cinco anos. Como os despejos são publicados com antecedência, o Superbarrio pode estar presente nos momentos críticos. Não se sabe quantas pessoas atuam sob a personalidade do Superbarrio; acredita-se que há, pelo menos, três indivíduos. Em uma entrevista Superbarrio explicou:
O que fazemos é transformar o protesto em uma festa. Temos que abrir as torneiras da criatividade, da engenhosidade popular, da memória coletiva. Temos que batalhar por nossas tradições e nossas formas culturais; temos que reinventar as formas de ação nas quais as pessoas não são espectadoras, mas protagonistas.[125]
Na periferia, a arte produzida com um objetivo cultural imediato e local é levada aos centros culturais e depois devolvida ao lugar de origem no estado de mercadoria. O processo se assemelha ao dos cobertores uruguaios de algumas décadas atrás. Os cobertores eram tecidos no Uruguai com lã do país e enviados para a Inglaterra, onde eram embalados e vendidos. Muitos deles foram depois reimportados pelo Uruguai, carregando a marca inglesa (e o preço aumentado). Tradicionalmente, o artista tem sido considerado alguém que é encarregado pelo domínio da estética. Uma vez que esta função se iguala à mercantilização graças ao processo “cobertor uruguaio”, ela pode contradizer grande parte do que está nas raízes da tradição artística latino-americana. Pode ser, portanto, que chegou a hora de o artista latino-americano agir consistentemente como agente de desestetização, contribuir para que a vida se transforme em vida, em vez de contribuir para que a arte seja arte. A ruptura artística que esta jogada causaria pode parecer próxima ao Dada, mas a América Latina nunca teve uma chance real de ter seu próprio Dada, fora de uma estrutura da história da arte.
A experiência conceitual latino-americana, na medida em que permaneceu em uma tradição de desinstitucionalização, contribuiu para a relativização das restrições impostas pelos meios artísticos e para a ênfase na criatividade ativista como foco cultural mais importante da periferia. É um foco que não exclui a arte que não exclui a arte, mas lhe dá um contexto.
Notas
[1] JAMESON, Frederic. Postmodernism or The Cultural Logic of Late Capitalism. Durham NC: Duke University Press, 1991.
* Nota da tradução para o espanhol: Mainstream – principal círculo de arte, correntes que obtêm o maior reconhecimento. Para entender melhor o conceito, veja o parágrafo de abertura do texto de Camnitzer Access to the Mainstream [Acesso ao Mainstream]: “Planejar o acesso ao mainstream é planejar a questão do êxito no mercado. Por esta razão, este problema sempre suscitou emoções contraditórias – principalmente desejo e ressentimento – e essas emoções têm sido particularmente fortes entre os artistas que não pertencem ao grupo social que produz e apoia o que é considerado arte mainstream. Embora o termo mainstream implique reverberações democráticas, sugerindo uma instituição aberta apoiada por uma maioria, é, de fato, uma configuração bastante elitista que reflete uma classe social e econômica específica. Na realidade, o mainstream pressupõe a existência de um pequeno grupo agindo como porteiro cultural e representa um seleto grupo de nações. É um nome que designa uma estrutura de poder que promove uma cultura hegemônica autodesignada. Por esta razão, o desejo de pertencer ao mainstream e o desejo de destruí-lo frequentemente aparecem simultaneamente em indivíduos que estão ou se sentem em uma situação marginal em relação a ele. Dependendo da origem e dos antecedentes, o acesso individual é mais difícil para alguns do que para outros”. (Traduzido da tradução em espanhol do catálogo da exposição Luis Camnitzer: Retrospective Exhibition 1966-1990, Lehman College Art Gallery, Bronx, Nova York, fevereiro-março de 1991, Nexus Contemporary Art Center, Atlanta, Georgia, setembro-outubro de 1991, Cleveland State University Art Gallery, Cleveland, Ohio, abril de 1992; publicado pela primeira vez em The New Art Examiner, junho de 1987)
[2] Benjamín Buchloh, por exemplo, parece limitar a Arte Conceptual à Europa e à América do Norte. Ver Buchloh Replies to Kosuth and Siegelaub [Buchloh responde a Kosuth e Siegelaub]. In: October, n. 57, verão de 1991, pp. 160-161.
[3] Estou usando como referência a lista da exposição de acordo como ela foi apresentada em Sevilha. A exposição em Nova York tem seu próprio catálogo, diferente, e pode ter mudanças, mas a lista ainda não estava disponível no momento da elaboração deste trabalho. Quando a exposição chegou a Paris, a divulgação na imprensa do Hôtel des Arts menciona que o trabalho de vários artistas “é característico dos anos 1970, quando a especialidade residia em uma produção “conceitual” voluntariamente crítica, nesse caso, da situação sociocultural do continente. “A história latino-americana aparece assim deslocada por toda uma década na epigonia”.
[4] Esta estratégia do CAYC foi acompanhada de uma saturação postal de material promocional dirigida a qualquer pessoa com algum grau de poder dentro da esfera da cultura internacional. Durante os anos 1970, o artista francês Arman realizou em Nova York uma exposição de caixas de acrílico contendo o lixo dos estúdios de diferentes artistas proeminentes. Todas elas continham as típicas folhas de papel amarelo com a borda cortada da propaganda do CAYC.
Esta estratégia também foi usada em outros países. Arte Povera, o livro que lançou o movimento italiano na arena internacional (Gabriele Mazzota Editore, Milão, 1969) inclui onze artistas italianos, dezesseis estadunidenses, três alemães, três holandeses e dois ingleses, buscando validação por parte de artistas não italianos (ou sua incorporação). Em 1985, em “The Knot” [O Nó], uma exposição sobre Arte Povera oferecida em P.S.I., Nova York, os artistas italianos, agora estabelecidos, foram expostos sozinhos, como movimento nacional.
** Nota da tradução para o espanhol: Com algumas exceções, os textos de autores de língua espanhola foram traduzidos da versão inglesa e são, portanto, versões não-literais. Isso inclui os poemas de Nicanor Parra e outros, bem como o decreto do Poder Executivo uruguaio de 1973 e o vocabulário permitido para designar as operações tupamaras na imprensa. Para as versões originais, use as fontes em cada caso. [N.T.: No caso da tradução para o português, a maioria das citações foi traduzida do texto em espanhol, mesmo aquelas de textos brasileiros].
[5] Outro estereotipo é que a arte latino-americana é literária. Ainda que isto seja factualmente correto, o termo tem sido usado negativamente por aqueles formados por tendências artísticas autorreferenciais dos anos 1950. Os abstracionistas de influência francesa, por exemplo, abominavam qualquer abuso de narração no trabalho de seus colegas.
[6] JAMESON, Frederic. Postmodernism or The Cultural Logic of Late Capitalism, op. cit., pp. 157-160
[7] A discussão tinha particular interesse atual e controverso já que um dos antigos professores de escultura da Escola era um dos líderes do movimento.
[8] CAMNITZER, Luis. Contemporary Colonial Art [Arte Colonial Contemporânea]. Paper apresentado no encontro anual da Latin Studies Association, em Washington D.C., 1969. Republicado em: ALBERRO, Alexander; STIMSON, Blake. (ed.). Conceptual Art: A Critical Antology. Cambridge: MIT Press, 1999, p.224-230.
[9] CAMNITZER, Luis. Ponencias: I Encuentro de Intelectuales por la Soberanía de los Pueblos de Nuestra América. Havana: Casa das Américas, 1985, pp. 78-80.
[10] RODRÍGUEZ, Simón. Sociedades americanas In: Obras completas, v. I. Caracas: Ediciones del Congreso de la Republica, 1988, p. 315.
[11] RODRÍGUEZ, Simón. Obras completas, v. II. Caracas: Ediciones del Congreso de la Republica, 1988, p. 134-135.
[12] Blue-Print Circuits: Conceptual Art and Politics in Latin América [Blue-Print Circuits: A Arte Conceitual e a política na América Latina], escrito para o catálogo da exposição Latin American Art of the 20th Century [Arte latino-americana do século XX] do Museum of Modern Art de Nova York, aberta em junho de 1993.
[13] MARCHAN FIZ, Simón. Del arte objetual a arte de concepto. Madri: Ediciones Akal, 1988, citado por Mari Carmen Ramírez. Dentro do mesmo espírito, o poeta uruguaio Clemente Padin compilou uma antologia de poesia visual: De la representation a l'action: Les anartistes. Marselha: Nouvelles Éditions Polaires, 1975.
[14] Seu ensaio foi de fundamental ajuda na hora de clarear minhas ideias para esta genealogia.
[15] Entre 1925 e 1931, Siqueiros esteve em Jalisco, organizando os trabalhadores das minas.
[16] De fato, ainda que esta não seja uma visão amplamente sustentada, o conceitualismo mainstream poderia ser visto como a coroação do processo analítico modernista, focando-se na análise da análise.
[17] RAMÍREZ, Mari Carmen. op, cit. [Assim aparece no original]
[18] Estou me referindo a uma parcela do trabalho de José Guillermo Castillo, Liliana Porter e eu mesmo sob o nome de The New York Graphic Workshop entre 1965 e 1970. Tratávamos, a princípio, de criar “imagens idiotas” carentes de todo significado simbólico, objetos descartáveis e, em última instância, estímulos para que a obra se completasse na imaginação do espectador, transmitidos por meio de instalações e “exposições por correio”. Já em 1968, Castillo recortava reproduções de obras de outros artistas da revista Art News e as assinava sem mudá-las, uma virada nos ready-mades duchampianos que antecipava as apropriações por uma perspectiva conceitual avançada. Para 1969, estávamos tão preocupados pelo fato de que o termo “conceitualismo” estava nos engolindo, que para o catálogo da exposição de arte conceitual de Lucy Lippard em Seattle cobrimos nossa página com as palavras “arte contextual” estampadas com um carimbo de borracha.
[19] Publicado em 1965 por Ediciones Van Riel, Buenos Aires.
[20] Desta perspectiva, a obra de Ernst Trova formava parte da mesma estética que havia produzido a escultura de Tony Smith, apesar de Trova ter mantido a figura humana como motivo central.
[21] Discutindo um rascunho deste texto, Shifra Goldman chamou minha atenção para o fato de que os movimentos reducionistas quando tiveram uma intenção política ou utópica, como o construtivismo russo, recorreram a manifestos para esclarecê-los, depositando a mensagem em um veículo paralelo.
[22] Roberto Jacoby, em uma carta que comunicava sua negativa em participar da exposição Experiencias Visuales 68, no instituto Torcuato Di Tella, em Buenos Aires. Citado em Tucumán Arde por Andrés Sueldo, Silvia Andino e Graciela Sacco, Sacco-Sueldo, Rosário, mimeo, 1987, p. 43.
[23] BUCHLOH, Benjamín. Conceptual Art 1962-1965: From the Aesthetic of Administration to the Critique of Institutions [Arte conceitual 1962-1965: da estética da administração à crítica das instituições]. In: October, n. 55, inverno de 1990, p. 106.
[24] COSTA, Eduardo. Art in the Mind [Arte na mente], Allen Art Museum, Oberlin College, Oberlin, 1970.
[25] KOSUTH, Joseph. Introductory Note by the American Editor [Nota introdutória pelo editor americano]. In: Art-Language, v. 1, n. 2, fevereiro de 1970, pp. 2-3 (em negrito no original).
[26] A exposição da obra inicial de Rauschenberg na sucursal de Soho do Guggenheim Museum incluía uma peça seminal de 1949 This is the First Half of a Print Designed to Exist In Passing Time [Esta é a primeira metade de uma gravura projetada para existir no tempo passageiro], uma série de 14 gravuras em madeira retiradas da mesma peça à medida que esta é talhada até sua desaparição.
[27] Uma variação perversa da ação de Warhol foi realizada uma década mais tarde, quando Joseph Beuys assinou a capa de exemplares de Der Spiegel com sua fotografia.
[28] Kosuth não estaria de acordo, já que todos estes artistas estariam dentro do grupo dos artistas “formalistas” ou “reativos” que baseiam sua atividade em “como” fazer arte.
[29]BUCHLOH, Benjamín. Conceptual Art 1962-1965, op. cit., nota n.1.
[30] Marchán Fiz atribui o processo de desmaterialização nos Estados Unidos à crise financeira que teve seu ponto culminante em 1970. Cf. MARCHAN FIZ, Simón. Del arte objetual a arte de concepto, op.cit., p. 156.
[31]O Spiral Jetty de Smithson, concluído em abril de 1970, compartilha não apenas o mês e ano, mas a ideologia subjacente, com o emblema do esquadrão de soldados estadunidenses de cerca de 3,9 km² de extensão, demarcado com escavadeiras na selva vietnamita como souvenir antes de retornar aos Estados Unidos.
[32] A Art Workers Coalition [Coalizão de Trabalhadores da Arte], uma tentativa de politização dos artistas durante os últimos anos da década de 1970, foi, em última instância, um exemplo de militância “formalista”.
[33]É interessante observar que, historicamente, os conceitualistas italianos parecem começar em 1967, data da primeira exposição com o título de Arte Povera (Gallería La Bastezca, Gênova). A exposição incluía Alighiero Boctu, Luciano Fabro, Janis Kounellis, Giulio Paolini e Pino Pascali. No entanto, a obra mais relevante de Paolini neste contexto – para servir de exemplo – data de 1962. É como se a obra destes artistas tivesse que esperar um crítico cunhar o título para tornar-se importante.
[34]CURTAY, Jean-Paul. La poésie letriste. Paris: Segners, 1974.
[35]HUELSENBECK, Richard. En Avant Dada: A History of Dadaism, 1920. Reimpresso em BRADLEY, Will; ESCHE, Charles (eds.). Art and Social Change. London: Tate, 2007, pp. 61-68. [Assim aparece no original]
[36]O crítico argentino Carlos Basualdo disse, logo depois de ler um rascunho deste trabalho: “Talvez para nós, arte e literatura não estejam tão distantes uma da outra, não sejam universos separados que apenas ocasionalmente se misturam, talvez sejam verdadeiros instrumentos que nos permitam pensar e pensar sobre nós. Talvez [a oposição entre forma e conteúdo] funcione [para nós] apenas como informação, sem corresponder a nenhuma situação real onde possa ser usada”.
[37]CARDOZA Y ARAGÓN, Luís. Orozco. Cidade do México: Fondo de Cultura Económica, 1983, p. 39.
[38] Uma análise dos manifestos de vanguarda latino-americanos deste século podem ser encontrados em SCHWARTZ, Jorge. Las vanguardias latinoamericanas. Madri: Ediciones Catodra, 1991. Ver também DUMOIS, Vent; LESBIA; RIVERA, Hugo; BENIGNI, Lourdes (comp.). Claves del arte de nuestra América, v. 1-16; Casa de las Américas, Havana, novembro de 1986.
[39] DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Kafka: Toward a Minor Literature [Kafka: por uma literatura menor]. Mineápolis/Oxford: University of Minesota Press, 1986, p. 17. Os autores usam esta citação para ajudar a definir o que chamam de “literatura menor”. Assim mesmo sua análise poderia ser aplicada à totalidade da arte latino-americana, caso tal categorização esteja baseada no pressuposto de que esta forma de arte é totalmente dependente de uma forma canônica de expressão que logo é apropriada e reconfigurada. Para se fazer isto, deveria ser discutida (corretamente) a totalidade da arte latino-americana, com enfoque no conceitualismo que é o que se deseja desenvolver aqui. Em um sentido mais estreito, a ocasional aceitação do inglês como linguagem literal canônica para peças conceituais proporcionaria exemplos específicos para o problema em questão, mas estes não seriam suficientes para provar mais do que uma certa necessidade de mimese.
[40] America: Bride of the Sun [América: Noiva do Sol]. Royal Museum of Fine Arts, janeiro/março de 1992.
[41]A pintura pertence à coleção do Museo de Arte Colonial de Quito.
[42] Rodríguez era abertamente pouco favorável ao método lancasteriano, porque não acreditava que os estudantes devessem se educar mutuamente. Não está claro o quanto Rodríguez sabia sobre o método de Pestalozzi quando desenvolveu sua própria aproximação com relação à questão do ensino, embora deva ter tido contato com suas teorias, já que, no momento em que viajou à Europa, as ideias de Pestalozzi eram muito conhecidas.
[43]Em seu livro Sociedades americanas, escrito em 1828, Rodríguez diz: “A propriedade coletiva deveria ser a regra e a privada a exceção...”. In: Sociedades americanas (edição fac-similar), com um prólogo de J.A. Cova. Caracas: Tipografía Vargas, 1950. O fac-símile reproduz uma versão impressa em 1842. No mesmo texto também delcara: “TRATAR CON LAS COSAS/ es la primera parte de la educación/ y TRATAR CON QUIENES LAS TIENEN/ es la segunda”.
[44]Nesta nota, Camnitzer esclarece que a palavra painting, que aparece na versão em inglês desta citação de Rodríguez, refere-se algumas vezes a “pinturas”, em outras a “quadro”, sendo esta última usada como metáfora ou diagrama. Podemos apenas conjecturar quando corresponde a um ou outro sentido. E complementa: “a palavra “abstração” é, obviamente, usada em sentido literal” (Nota da tradução para o espanhol).
[45] RODRÍGUEZ, Simón. Obras completas, v. II, p. 152. [Assim aparece no original]
[46] Ibid., p. 155.
[47] Ibid., p. 157.
[48] MALLARMÉ, Stéphane. Selected Poetry and Prose [Seleção de Poesia e Prosa]. Compilada por Mary Ann Caws, new Directions, Nova York, 1982, pp. 105-106 (tradução para o inglês de Mary Ann Caws).
[49] COVA, J.A. Don Simón Rodríguez: primer socialista americano. Buenos Aires: Editorial Venezuela, 1947, p. 170.
[50] Ibid., p. 141.
[51] Símias de Rodes, 300 a.C. tem algo semelhante a um caligrama em sua Tecmopegnia, e é citado junto à obra de Mallarmé por Décio Pignatari como referência para a poesia concreta brasileira em “Ovonovelo”, publicado em Augusto de Campos, Décio Pignatari, Haroldo de Campos. In: Teoria da poesia concreta: Textos críticos e manifestos 1950-1960. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1975, p. 128. A obra de Símias de Rodes foi tomada por Pignatari de um artigo de Charles Boultenhouse no Art News Annual XXVIII de 1959.
[52] Lettre-océan, em Les soirées de Paris, 15 de junho de 1914, de Apollinare e l’avanguardia, catálogo de exposição, Roma: De Luca Editore, 1980, p. 125.
[53] Capilla Aldeana e Triangulo Armónico, ambos de 1912, publicados em 1913 no Chile na antologia Canciones en la noche. DE COSTA, René. Huidobro Vicente – Poesía, n. 30-31-32. Madri: Ministerio de Cultura, 1989, p. 24.
[54] Ibid., p. 30.
[55] DE COSTA, La Poesía (1921), op. cit. p. 231. É interessante comparar este texto com o [... (N.T.: documento original corrompido)] “nome de tal modo que não possa ser substituído por outro melhor”. (citado em GABLIK, Suzy. Magritte. In: New York Graphic Society, Boston, 1976). Ambas opiniões parecem se opor, a de Huidobro defendendo a permanência da essência e a de Magritte a arbitrariedade da nomenclatura. No entanto, dado o uso que Magritte dá à palavra “melhor”, ambas podem querer dizer o mesmo, enfatizando o processo inacabável de descobrimento.
[56] HUIDOBRO, Vicente. Manifiestos (1925) apud DE COSTA, Huidobro Vicente – Poesía, op. cit., p. 61. [Assim aparece no original]
[57] Voltou a buscá-la em 1928 para levá-la a Paris, raptando-a de sua família. Em seguida se casaram sob o ritual islâmico.
[58] Abandonou o partido em 1940, ao ficar sabendo do pacto germânico-soviético.
[59] Seu troféu de guerra foi o telefone pessoal de Hitler.
[60] Traduzidos para o inglês por David Guss, Turkey Press, 1986, Isla Vista, Califórnia.
[61] SCHWARTZ, Jorge. Las vanguardias latinoamericanas, op. cit, p. 136. [Assim aparece no original]
[62] Ibid., p. 137.
[63] Ibid., pp. 143-153.
[64] Os Tupi são um povo ameríndio brasileiro. Em um poema de 1925, Andrade comentou também que os portugueses chegaram ao Brasil em um dia de chuva, o que os levou a vestir os nativos, especulando a possibilidade de que, se houvessem chegado em um dia ensolarado, os nativos haveriam despido os portugueses.
[65] CAMPOS, Haroldo de. Oswald de Andrade: Obras escogidas. Caracas: Biblioteca Ayacucho, 1981, p. XIII.
[66] “Atelier”, citado por SCHWARTZ, Jorge. Las vanguardias latinoamericanas, op. cit., p. 43
[67] SCHWARTZ, Jorge. Las vanguardias latinoamericanas, op. cit., pp. 276-278.
[68]Uma palavra sem sentido criada por Ezra Pound.
[69] CAMPOS, Augusto de; PIGNATARI, Décio; CAMPOS, Haroldo de. Teoria da poesia concreta: Textos críticos e manifestos 1950-1960. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1975.
[70]“ad – arquitetura e decorado”, n. 20, São Paulo, 1956.
[71] Um exemplo típico desta poesia é um poema de Décio Pignatari de 1957:
beba coca cola
babe cola
beba coca
babe cola caco
caco
cola
cloaca
[72] GULLAR, Ferreira. A Teoria do não objeto apud PADÍN, Clemente. Las vertientes del concretismo In: La Revista del Sur, n. 11, março de 1986, Malmo, p. 22.
[73] Max Bill havia ganhado o Grande Prêmio da primeira Bienal de São Paulo em 1951 e havia se transformado em uma figura influente no Brasil. Como consequência, também foram influentes as ideias da Escola de Ulm e as do esteta Max Bense.
[74] É interessante que um dos antecedentes da Internacional Situacionista, o Movimento Internacional por uma Bauhaus Imaginista, surgiu diretamente em oposição às ideias de Max Bill expressadas na Escola de Desenho de Ulm. Defendiam um desenho antifuncional e antirracional que promovessem a surpresa (Ver STEWART, Home. The Assault on Culture. Stirlin/Escócia: A.K. Press, 1988).
[75]OITICICA, Hélio. Fundamental Bases for the Definition of the Parangole [Bases fundamentais para a definição do Parangolé] In: Hélio Oiticica. Will Center for Contemporary Art, Rotterdam, 1992, p. 86.
[76]OITICICA, Hélio. Bólides, 29 de outubro de 1963. In: Hélio Oiticica, op. cit., p. 66.
[77] OITICICA, Hélio. Fundamental Bases for the Definition of the Parangole, op. cit., novembro de 1964, “Hélio Oiticica”, p. 86.
[78] OITICICA, Hélio, Position and Program” [Posição e Programa], julho de 1966 In: Hélio Oiticica, op. cit., pp. 100-103.
[79] PARRA, Nicanor. Poemas y antipoemas, 1954.
[80] MORALES, Leónidas. Conversaciones con Nicanor Parra. Apêndice de Anejos de estudios filológicos, n. 4. Santiago de Chile: Universidad Austral de Chile/Editorial Andrés Bello, 1972.
[81] Parra também usou enumerações e desenhos caligramáticos em partes mais convencionais de sua poesia, conectado com o trabalho de Huidobro, e também se interessou pela nomenclatura. Em “Mujeres”, 1962, fez uma lista de vinte e cinco mulheres, começando com “a mulher impossível” e terminando com “a senhorita pálida de óculos”, todas as quais “me deixaram louco com seus lábios maiores e menores”. No mesmo livro, em “Cambios de nombre”, anuncia: “o poema não cumpre com sua promessa a menos que mude o nome das coisas”, e decide: “os sapatos chamam-se ataúdes”. Em “Canciones rusas”, 1967, poemas como “Fortuna” terminam com uma escada de palavras: “casi / una / palada / de / tierra”; e em “Mendigo”: “y / me / tiran / una / moneda” (“Antipoemas, Antología (1944-1969)”, compilados por Miguel Ibañez-Langlois (Barcelona: Seix Barral, 1922).
[82] PARRA, Nicanor. Versos de Salón. Santiago de Chile: Nacimiento, 1962.
[83]Tres Poesías e Versos de Salón.
[84] Esta preocupação já estava presente de forma ativa nos últimos anos da década de 1950 entre artistas argentinos de uma equipe dirigida por Julio Le Parc que participou no Groupe de Recherche Visuelle de Paris. Também fazia parte da ideologia dos movimentos por reformas curriculares promovidos por diferentes organizações estudantis na América Latina muito antes das revoltas estudantis internacionais de 1968.
[85] GRECO, Alberto. Catálogo de sua retrospectiva, Museo Nacional de Bellas Artes, Buenos Aires, 1992. p. 224.
[86] Do manifesto Vivo Dito, 24 de julho de 1962, 11.30 A.M., citado em Luis Felipe Noé, ensaio para o catálogo de Alberto Greco, a cinco años de su muerte, Galeria Carmen Waugh, Buenos Aires, 1970.
[87]Conversa com Eduardo Costa, Nova York, fevereiro de 1992. Costa admite influências de Marshall MacLuhan nas ideias do grupo.
[88]BÜRGER, Peter. Theory and History of the Avant-Garde [Teoria e História da Vanguarda]. In: Theory and History of Literarure [Teoria e História da Literatura], v. 4, p. 49.
[89] Ibid., p. 47.
[90] O nome Tupamaros tinha uma tripla referência a Túpac Amaru (o líder rebelde inca executado pelos espanhóis em 1782 em Cuzco), aos gauchos independentistas uruguaios do início do século XIX que se identificavam como Tupamaros em homenagem a Túpac Amaru enquanto lutavam contra a Espanha, e a uma canção de Los Olimareños extremamente popular no momento de crescimento do movimento. Apareceu pela primeira vez em um momento de tensão interna entre as facções integrantes do M.L.N.
[91] [N.T.: Citações 91 a 117 não estiveram acessíveis ao tradutor porque o documento original estava corrompido].
[92] Ibid.
[93] Ibid.
[94] Ibid.
[95] Ibid.
[96] Ibid.
[97] Ibid.
[98] Ibid.
[99] Ibid.
[100] Ibid.
[101] Ibid.
[102] Ibid.
[103] Ibid.
[104] Ibid.
[105]Ibid.
[106]Ibid.
[107] Ibid.
[108] Ibid.
[109]Ibid.
[110]Ibid.
[111]Ibid.
[112] Ibid.
[113]Ibid.
[114]Ibid.
[115] Ibid.
[116]Beuys havia sido membro do Fluxus em 1963.
[117] “Magazine Kunst” n. 50, 2º trimestre de 1973, Mainz, p. 43.
[118] Vinte anos mais tarde, o artista Ronald Jones faz uma boa análise da mesma situação nos Estados Unidos dos anos 1990: “Mas dentro de nosso contexto político e cultural em vigor, não é realista esperar uma reforma repentina nem revolucionária. No momento atual, quando a arte ameaça inspirar um realinhamento fundamental da cultura, o olhar é dispensado. [...] A meu modo de ver, o modelo mais útil para a arte política neste momento é o terrorismo. Não estou defendendo a violência, mas a insidiosidade. [...] O terrorismo foi transformado em uma alternativa para os desprovidos de poder. Os artistas encontram-se entre os desprovidos de poder. [...] Os estilos tradicionais da arte política são as expressões de uma crença na criação da mudança no nível das raízes. Isso é ingênuo e decadente. Creio que uma reforma política contemporânea está nas mãos de uma classe que Lyotard descreveu como “tomadores de decisões”. São eles minha audiência”. (De uma entrevista concedida por Richard Armstrong. Mind over Media [A mente sobre os meios], pp. 97-98.
[119]Carlos Basualdo, texto original datilografado da entrevista.
[120] Isto foi, de certo modo, a inversão do processo da pop-art, no qual uma estética baseada nos temas vernaculares dos Estados Unidos havia sido canonizada no resto do mundo.
[121]BÜRGER, Peter. Theory and History of the Avant-Garde, op. cit., p. 50.
[122]MARCUSE, Herbert. An Essay on Liberation [Ensaio sobre a libertação]. Boston: Beacon Press, 1969, p. 24.
[123]Na série de televisão L.A. Law [Lei de Los Angeles], suscitou-se uma história amorosa inter-racial e, na notícia difundida em seguida, os atores foram entrevistados sobre as implicações de suas atuações. A tentativa de assassinato de Amy Fisher gerou três filmes televisivos diferentes nas semanas próximas ao julgamento, e estes foram analisados nas notícias com participação de todas as partes envolvidas.
[124]DEBORD, Guy. Society of the Spectacle [A sociedade do espetáculo]. Detroit: Black and Red, 1983, ponto 55.
[125]KAPLUN, Mario. Superbarrio contra los desalojos. In: Brecha, 5 de março de 1993, pp. 10-11.