Introdução ao catálogo da VI Bienal de São Paulo
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Mário Pedrosa (1961)
Fonte: Catálogo da VI Bienal de São Paulo. São Paulo, Brasil, 1961.
Texto original em português
Em outubro de 1951, Francisco Matarazzo Sobrinho, fundador do Museu de Arte Moderna de São Paulo, considerou que, “uma vez fundado o Museu”, se tornava “imperativo um encontro internacional periódico de Artes Plásticas” na capital paulistana. Dessa ilação, nasceu a Bienal naquele mesmo ano e, até hoje, prosseguida sem desfalecimentos.
A VI Bienal é resultado de dez anos de esforço e sacrifícios vitoriosos para a promoção desse Festival Internacional de Arte, e foi, desde que planejada, concebida como a Bienal do balanço desses anos de realizações. O caminho percorrido é significativo. Partiu-se com uma espécie de improvisação milagrosa, para cujo êxito contribuíram 19 países, dos quais um da Ásia e cinco da América. Na segunda, que foi a das comemorações do IV Centenário de São Paulo, tivemos a participação de 33 países, dos quais já 9 da América Latina e 4 asiáticos. Ainda na II Bienal, iniciou-se uma prática, que se foi tornando habitual através dos anos, até expandir-se, nesta última, em verdadeiro setor de importância equivalente ao das expressões artísticas contemporâneas: refiro-me às salas ditas especiais, às mostras de caráter histórico e museográfico.
Com efeito, se na II Bienal, um dos grandes fatores dela foram mostras dos grandes movimentos coletivos passados, mas deste século, como cubismo, futurismo, neoplasticismo, além de salas individuais de grandes artistas contemporâneos, vivos ou mortos, e de salas de caráter histórico brasileiro, como a retrospetiva de Eliseu Visconti e a grande mostra de Paisagens Brasileiras até 1900, excelentemente organizada por Rodrigo de Mello Franco de Andrade, eminente diretor do D.P.A.H.N.; nos seguintes festivais a mesma prática prosseguiu, de modo que, hoje, é já um dos traços típicos de nossas bienais.
A VI Bienal consta com representações de 50 países, de todos os continentes, inclusive, pela primeira vez, os nossos jovens e ascendentes vizinhos africanos. Tornou-se, pois, sem favor, na atualidade, na manifestação artística de maior universalidade do mundo. Essa universalidade não se traduz apenas no plano geográfico ou político, isto é, no espaço; mas se traduz, também, no tempo, isto é, sai da contemporaneidade artística para acariciar as profundezas do passado. Com efeito, nela estão presentes formas artísticas representativas dos mais diversos graus de civilização, de culturas primitivas ou complexas, vivas ou já mortas. Esse traço de universalidade é cada vez mais característico do ângulo de visão do jovem mundo americano de que somos parte. Daqui, de nosso quadrante, não distinguimos períodos históricos e artísticos privilegiados, pois todos, mesmo os de maior nobreza e tradição para a cancha mediterrânea (arte clássica greco-romana, Renascimento, etc.) são caldeados, absorvidos, mesclados aos de épocas mais remotas ou de culturas mais primárias. Todas as expressões artísticas, do passado ou do presente, sejam do Ocidente ou do Oriente, entram para a formação de nossa sensibilidade e de nossa arte. As nossas bienais vão refletindo, de mais a mais, essa força aglutinante da arte de nossos dias.
Na mostra de agora, o público terá ocasião de apreciar uma das mais altas expressões da arte oriental, como a retrospetiva da caligrafia sino-japonesa, a partir do século VIII, simultaneamente com a gloriosa arte mural de Ajanta, na Índia, ou os não menos gloriosos afrescos bizantinos da Macedônia, Iugoslávia.
No polo oposto, temos algumas mostras de arte de culturas menos polidas, mas do mais alto poder expressivo, tais como a sala de pintura em córtex de árvore dos aborígenes australianos, ou a sala de escultura negra da Nigéria ou da Costa do Marfim. Mais perto de nossa própria formação histórica, mas, ainda assim, de profunda originalidade, é a sala dedicada às imagens saídas das mãos virgens dos índios paraguaios, da época das missões jesuíticas.
Fora dessas expressões coletivas de caráter histórico-museográfico, apresenta-se uma série de salas individuais de grandes artistas, de contemporaneidade evidente, mortos ou vivos, representantes das expressões culturais mais diversas. E citamos a sala de Tomioka Tessai, o grande mestre revolucionário japonês, morto em 1924, e cuja obra representou, para a arte japonesa do início do século, um impulso de renovação equivalente ao de Cézanne ou Gauguin, na Europa; a de Orozco, que nos traz a presença da grande experiência artística social mexicana, de tanta repercussão na pintura latino-americana; e a de Schwitters, um dos maiores e mais autênticos protagonistas da revolta Dada, ao termo da Primeira Guerra Mundial, e cuja obra se revela, agora, aos olhos de uma geração mais tarde, como a de um grande artista severo pelo calor de suas construções e a surpresa plástica que nelas se contêm. E não falamos na sala de Figari, que os uruguaios nos trouxeram, ou na da formosa coleção de Boudin pertencentes ao nosso Museu Nacional de Belas Artes, ora sob a direção renovadora de José Roberto Teixeira Leite, enriquecida de colecionadores, privados, do mesmo pintor ou de artistas de sua época e de seu meio e com ele ligados.
A Seção Brasileira é um reflexo bastante fiel do que existe no país. Todas as tendências que assinalam a arte contemporânea estão aqui representadas: desde os primitivos e figurativos até as últimas manifestações abstracionistas, de geométricos, concretistas, neo-concretistas, tachistas, informais e signográficos e até neofigurativos e neodadaístas.
Mas é preciso chamar a atenção para as salas especiais, constituídas por retrospetivas ou coleções importantes de obras dos grandes laureados das três primeiras bienais, sobretudo no domínio da pintura, do desenho e da gravura. Infelizmente os grandes laureados na escultura não puderam, por motivos de ordem pessoal participar da nossa mostra, como os seus colegas de outras seções.
Através dessas salas, pode-se avaliar bem a obra desses artistas, seu início e sua evolução, e sua posição atual no conjunto da situação. É no exame dessas mostras, seguidas pela sala geral dos brasileiros, que melhor se poderá apreciar o balanço das bienais passadas, do acerto de suas distinções, dos efeitos que por acaso tiveram sobre a evolução da arte no Brasil. Do exposto se verá se o saldo foi positivo. É nossa convicção que foi.