Perspectivas para refletir sobre a reinstalação de obras de arte complexas
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por Kamila Vasques
Pensar a Conservação da Arte Contemporânea é, sem dúvida, uma questão difícil, principalmente quando se trata de obras instalativas, performativas, processuais e/ou efêmeras, pois são obras de natureza complexa que devem ser pensadas de maneira individual quando exibidas, reexibidas e conservadas dentro de uma instituição. Com base nessas informações, foram selecionados para esta curadoria os artigos “The Conservator as a Performer”, de Rita Macedo, Andreia Nogueira e Hélia Marçal, e “Pensar a documentação no âmbito da conservação da arte contemporânea”, de Joana Teixeira. Coincidentemente, as autoras são pesquisadoras da área de Conservação e de nacionalidade portuguesa.
Embora os dois artigos discutam a questão da subjetividade na atuação do conservador e a quem cabe a atribuição de intérprete dessas obras, eles seguem pensamentos distintos sobre o papel do conservador na preservação da Arte Contemporânea. O artigo “The Conservator as a Performer”, publicado anteriormente, em 2012, pela Athens Institute for Education and Research (ATINER) e traduzido especialmente para esta edição do Periódico Permanente como “O Conservador como um Performer”, parte da colocação de que o papel do conservador é, em princípio, subjetivo, e que, mesmo seguindo estritamente as instruções do artista e a documentação da obra, cada reapresentação será interpretativa e única. Ao colocar essa questão, as autoras atribuem ao conservador uma atuação semelhante à de um performer ao reinstalar as obras, ou seja, o papel de um intérprete que opera a partir da mudança inerente e inevitável ao reapresentar obras com caráter performático e instalativo.
As autoras utilizam como estudo de caso as obras do artista português Francisco Tropa, apresentando questões sensíveis de como expor e conservar o trabalho de um artista performático extremamente processual e, por isso, em constante transformação. Além disso, o artigo também coloca a questão de outros geradores de significado na performance, que são, além do próprio artista, os atores que muitas vezes a executam e o público que reage a ela e com ela interage. Por todas essas peculiaridades, conservar um ato performático é uma tarefa ainda mais desafiadora.
Em contrapartida, o artigo inédito “Pensar a documentação no âmbito da conservação da arte contemporânea”, de Joana Teixeira, traz o entendimento de se pensar a conservação a partir da documentação realizada de modo interdisciplinar e contínuo. Documentação que, para ser eficaz, deve ser constantemente revista a fim de diminuir a subjetividade e garantir que a obra seja exposta mantendo seu conceito e a intenção do artista. Dessa forma, segundo Joana Teixeira, o conservador atuaria como mediador das várias equipes responsáveis pela instalação da obra e o curador como intérprete, sempre com base na documentação (documentação essa que terá como fonte primordial as informações dadas pelo próprio artista, seja pelas instruções para montagem, seja pelas referências obtidas na entrevista1).
Para aprofundar as questões levantadas, Teixeira aborda obras dos artistas Cildo Meireles, Anish Kapoor, Nam June Paik, Gary Hill e Tino Sehgal, dando ênfase ao desafio de documentar e reapresentar obras sonoras, com elementos eletrônicos e com materiais orgânicos, sem perder sua imaterialidade conceitual. Além disso, ela procura destacar a importância de atentar e registrar a relação entre a instalação e o espaço expositivo.
Com relação à documentação das obras, Teixeira se debruça sobre os padrões internacionais, apresentando-nos um amplo panorama atualizado e também plataformas específicas que podem auxiliar as instituições nessa questão.
É interessante observar que são pensamentos distintos, até certo ponto díspares, que instigam outros questionamentos. Nesse contexto, as entrevistas com as autoras possibilitaram aprofundá-los e compreendê-los dentro de uma visão ampliada. Apesar das posições divergentes, existe concordância quando colocam que as obras contemporâneas necessitam de uma nova abordagem por parte do conservador ou da equipe de conservação.
Os artigos também convergem no entendimento de que a conservação dessas obras deve respeitar o que foi determinado pelo artista, mantendo o seu significado acima de sua materialidade. Eles não trazem respostas definitivas – nem poderiam, diante da relatividade das possibilidades –, mas suscitam o debate de ideias dentro da área da Conservação e apresentam novos caminhos para que se possa repensar o papel do conservador. Este, mais do que nunca, deverá se colocar de maneira crítica, com o objetivo de preservar as obras para a sociedade presente e a futura buscando, nesse percurso, manter vivo o legado dos artistas.
1 A realização de uma entrevista com o artista, para compreensão mais aprofundada de sua produção e da sua poética, é um protocolo utilizado em diversas instituições. As entrevistas são gravadas e documentadas, e servem de suporte para a tomada de decisão na conservação das obras.