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O Conservador como um Performer

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Rita Macedo - PhD - Professora assistente, Departamento de Conservação e Restauração, Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências e Tecnologia / Pesquisadora, Instituto de História da Arte, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova Lisboa - Portugal

Andreia Nogueira - Pesquisadora, Instituto de História da Arte, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova Lisboa, Estudante de Mestrado (b), Departamento de Conservação e Restauração, Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências e Tecnologia - Portugal

Hélia Marçal - Estudante de Mestrado, Departamento de Conservação e Restauração, Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências e Tecnologia –Portugal

Tradução: Kamila Vasques

 

Resumo

 

É impossível compreender plenamente a Conservação da arte contemporânea sem considerar a subjetividade das ações do conservador. Este artigo reconhece o conservador como um performer. Para explorar este conceito, são apresentados vários estudos de caso do artista português Francisco Tropa.

Francisco Tropa vem ganhando reconhecimento, especialmente após sua nomeação para Embaixador de Portugal na Bienal de Veneza em 2011. Os estudos de caso incluídos neste artigo são instalações com fortes características performativas. As obras deste artista reúnem tempo, espaço e diversas mídias definindo quatro autoridades principais como performer: o artista, o ator, o espectador e o conservador. Enquanto o artista executa ele mesmo uma performance, o ator acaba por seguir as diretrizes do artista. Os espectadores são convidados a uma participação ativa, tornando-se assim co-criadores de significado. Finalmente, e talvez surpreendentemente, o conservador, ao reinstalar as obras, torna-se um criador, um performer. Nesta perspectiva, ao contrário da visão tradicional da conservação, que perpetua as obras de arte em um único estado, sugere-se uma visão dinâmica, que considera a trajetória de uma obra de arte, onde a mudança é desejada e esperada como parte da própria obra.

O conservador tem um papel central nessas mudanças.

A subjetividade é inerente ao processo e contribui para a natureza precária intrínseca a qualquer ação performativa. Tais observações impõem a necessidade de se submeter o papel do conservador a uma revisão crítica.

 

Abstract

It is impossible to fully understand the conservation of contemporary art without considering the subjectivity on the conservator’s actions. This paper acknowledges the conservator as a performer. To explore this concept, several case-studies of the Portuguese artist Francisco Tropa are presented.

Francisco Tropa has been gaining recognition, especially with his nomination as the Portuguese ambassador to the 2011 Venice Biennale. The case-studies included in this paper are installations with strong performative features. This artist’s oeuvre brings together time, space and various media, defining four main authorities as performers: the artist, the actor, the spectator and the conservator. While the artist plays himself a performance, the actor ends up by following the artist's guidelines. Spectators are invited to an active participation, thus becoming co-creators of meaning. Finally, and perhaps surprisingly, the conservator, while re-installing the works, becomes a creator, a performer. In this perspective, unlike the traditional view of conservation, that freezes artwork’s trajectory, where change is desired and expected as part of the work itself.

The conservator has a pivotal role on those changes.

Subjectivity is inherent to the process and contributes to the precarious nature intrinsic to any performative action. Such observations impose the need to submit the conservator’s role to critical review.

 

Introdução

 

Apesar da desmaterialização do objeto artístico nos anos 60, as doutrinas que orientam a prática da conservação ainda não estão totalmente adaptadas à realidade da arte contemporânea (Laurenson, 2006). Isto é especialmente crítico em relação às obras de arte complexas, tais como aquelas que se inserem no âmbito da arte da performance uma vez que estas desafiam o caráter perene dos objetos tradicionais.

Problemas similares são levantados pelas instalações artísticas, pois elas compartilham com a arte da performance a intenção de “to be a process or action”1 (Jadzinska, 2011: 21).

A prática da conservação baseada no material (ou seja, na conservação clássica) foi teorizada pelo conservador Cesare Brandi nos anos 60, em torno dos conceitos de originalidade e autenticidade, argumentando que o escopo primário da conservação deveria ser a integridade física, estética e histórica de um determinado objeto. Salvador Muñoz Viñas (2005) expressou reservas a esta teoria afirmando que apesar da conservação científica poder permitir uma maior objetividade, não se pode confiar apenas na materialidade das obras para conservá-las adequadamente (Muñoz Viñas, 2005).

 

As teorias clássicas da conservação não podem ser aplicadas à arte da performance devido à natureza imaterial da própria obra de arte. Para além disso, a aplicação de tais teorias à arte da performance ou da instalação iria de fato contra o propósito central da obra de arte e seu processo criativo que é, por natureza e intenção do artista, precário, efêmero e dinâmico – sendo as obras propositalmente projetadas para serem reinterpretadas a cada apresentação ou mesmo por cada espectador individual. A performance é intrinsecamente adversa à manutenção do material e à mercantilização. Claramente, dado o caráter único e transitório da performance, congelá-la em um determinado período de tempo iria contra tudo o que ela representa. Eleonora Fabião afirmou isto claramente em Precarious, Precarious, Precarious: “How can we think about performance in historical terms, when the archive cannot capture and store the live event?”2 (Fabião, 2008: 23).

A resposta a esta pergunta certamente requer uma ampla e profunda abordagem interdisciplinar das teorias contemporâneas da conservação. Esta nova visão interdisciplinar foi consolidada pela marcante tese da communicative turn teorizada por Salvador Muñoz Viñas no seu livro Contemporary Theory of Conservation (Muñoz Viñas, 2005). Nesta abordagem, ele sugere uma mudança da teoria tradicional da conservação, baseada nas propriedades materiais de um objeto, para uma teoria contemporânea de conservação que reconhece e incorpora perspectivas (Muñoz Viñas, 2005). Anteriormente, em 1999, Renée van de Vall já havia sugerido uma abordagem aristotélica para lidar com obras de arte contemporânea, baseada em jurisprudência, onde a inteligibilidade é estabelecida sob uma perspectiva casuística. Este conceito opõe-se ao paradigma Platônico, baseado, em “universal and unshakable principles"3 como os adotados pelas teorias clássicas de conservação (van de Val, 2005: 197). De fato, esta autora tinha já definido o conservador como é um gestor de mudança, cuja principal responsabilidade passa por decidir a quantidade e a qualidade da mudança que é aceitável.

Vivian van Saaze argumenta que a arte da instalação tensiona os limites das “long-accepted certainties”4 na teoria da conservação, impondo ao conservador de arte contemporânea a necessidade de deixar que tais certezas se dissolvam, dando assim origem a uma forma criativa de preservar este tipo de obras de arte. Estruturar a base desta complexa conservação exige o reexame de vários procedimentos comuns. Um dos pontos altos deste reexame é a necessidade de se passar a acomodar o caráter transitório e efêmero das instalações, entendendo e aceitando que tais obras de arte não existem em um único estado, mas sim comportam uma trajetória. Esta trajetória não se faz em linha reta, mas por meio de um trajeto cheio de variações e opções (van de Vall et al, 2011; van Saaze, 2009).

Na verdade, uma obra não para necessariamente de mudar quando entra em uma coleção museológica. Quando as obras de arte da instalação estão armazenadas na reserva técnica, elas permanecem fragmentadas, transformando-se em obras de arte apenas quando reinstaladas ou expostas. Isso significa que a sua preservação depende da reinstalação, executada pelo conservador de acordo com um conjunto de instruções dadas pelo artista (van de Vall et al 2011). Portanto, a preservação das obras de arte da instalação "may allow for the ideia that each rendition or ‘performance’ of a piece may be different.”5 (Real, 2001: 215). Nesta perspectiva, é da responsabilidade dos conservadores abraçar o transitório, e fazer da ação de conservação uma ação dinâmica, moldando-se às particularidades que a obra de arte oferece e exige. Assim o conservador é definido por van Saaze (2009) como um actant: palavra usada para designar o conservador como alguém/algo que pode mudar a trajetória de uma obra de arte, mesmo que dentro de limites (van Saaze, 2009).

Esta nova perspectiva está repleta de desafios. Neste artigo abordamos especialmente as questões: como é que o conservador preserva obras de arte que dependem da performance e que, portanto, não podem ser capturadas ou armazenadas? Como é que este administra a mudança que lhes é inerente? Na procura por uma resposta, as obras de Francisco Tropa são utilizadas como estudos de caso à luz e uma reflexão que parte da seguinte afirmação de Eleonora Fabião na busca por uma nova abordagem:

 

As performance and body both keep recalling, there is no stable ground, no static archive, no frozen document, no full and homogeneous subject – one cannot repeat a move but only make it over, make it other while being permanently remade by it. In the same way, performances and bodies cannot be historically reproduced but only historiographiphically presented in and as language”. (Fabião 2008: 48)6

 

 

Francisco tropa e sua obra

 

Francisco Tropa (1968, Lisboa) é considerado atualmente um dos artistas portugueses mais importantes da sua geração. Embora exponha regularmente desde o final dos anos 80, foi nos anos 90 que viu reconhecido o seu trabalho, principalmente através da sua participação com Lourdes Castro na 24ª Bienal de São Paulo (1998) (Melo, 2007). Este também participou da Bienal de Veneza de 2003 e foi o embaixador oficial de Portugal na Bienal de Veneza de 2011, onde apresentou Scenario.

Desde o início da sua carreira, Francisco Tropa tem-se dedicado consistentemente a uma reflexão sobre o papel do artista e a natureza do processo criativo (Mah, 2011). Neste processo, ele evita deliberadamente o uso de um único meio ou técnica, e utiliza uma variedade de materiais e técnicas. Os materiais que utiliza incluem areia, água, som, madeira, pedra, metal, pó, moscas, caracóis, luz, sombra, etc e as técnicas variam do desenho, escultura, fotografia, filme, projeção de slides, gravura, instalação, à performance, e assim por diante (Melo, 2007). Todos estes elementos são articulados em um tempo e espaço específicos, explorando "the enigmatic phenomenological field of sensitive experiences, while turning themselves into an observatory of artistic creation"7 na sua conexão com a natureza e com a vida (Marques, 2002:122).

Notavelmente, as obras evocam momentos, histórias, situações ou referências que frequentemente implicam a construção de dispositivos visuais complexos, fortemente alegóricos, que exigem, do espectador, uma teia interminável de interpretações (Marques, 2002). O artista afirmou que este apenas cria "recipientes vazios” projetados para serem preenchidos pelas próprias experiências do espectador. Francisco Tropa descreve as suas obras como enigmas indecifráveis, cuja interpretação conduz os espectadores através de uma imensidão de perspectivas diferentes e imprevisíveis.

Alexandre Melo (2007: 210) afirmou que as obras de Francisco Tropa são "before all, situations in process which achieve their own sense through perception and experience”8. Para além disto, as obras de arte deste artista existem em algum lugar entre a performance e a instalação, sendo que o artista convida o espectador a interagir e assim se tornar parte do trabalho artístico (Melo, 2007).

 

Monte Falso (1997/2001)

 

A obra Monte Falso de Francisco Tropa está em exposição permanente no Parque da Fundação de Serralves desde 2001 (vide Figura 1). Esta obra corresponde à rematerialização do Monte Falso apresentado anteriormente no âmbito do projeto Casalinho9. Neste projeto, Francisco Tropa apresentou sequencialmente, mas sem um cronograma rigoroso, três modelos baseados na mesma construção em madeira de pinho, acompanhados da exposição permanente de outro modelo – Monte Falso – representando uma falsa elevação de terreno a sudoeste dos demais.

Subindo à pequena elevação, os visitantes podem observar a paisagem através de uma janela no topo da mesma, embora a paisagem percebida seja aquela que figura imediatamente nas suas costas. Esta experiência é produzida por meio de um efeito de espelho semelhante ao do mecanismo da câmera reflex, baseado no conceito de espelho de Claude Lorraine (Sardo, 2008). Em outras palavras, esta obra de arte apresenta um determinado enquadramento da paisagem escolhido pelo artista e percebido pelo espectador através de uma janela (Silvério, 2008).

Esta instalação proporciona aos espectadores a oportunidade de passar por uma miríade de experiências diferentes. Francisco Tropa usa deliberadamente uma analogia com a fotografia como metáfora enigmática do processo criativo em sua relação com a natureza e com a vida. Pode-se tentar experienciar a imagem enquadrada escolhida pelo artista, mas esta não existe. Dependendo da altura do espectador, a paisagem percebida é sempre diferente. Por outro lado, a paisagem também está sempre em constante mudança. Isto é, como a natureza e a vida, a obra de arte também vive. Para além disto, como se pode verificar pela Figura 1, esta instalação é feita não apenas de um prisma trapezoidal de ferro e de um espelho, mas também de terra. Portanto, requer alguma manutenção. Quando o prisma trapezoidal aparecer sob a terra, o conservador tem de se certificar que o prisma é coberto novamente para manter a falsa elevação do terreno. O espelho também tem que ser limpo frequentemente.

Todas estas ações e o papel do espectador são manifestações vibrantes da vida deste monte, que está sempre em constante alteração devido às suas características performativas. Portanto, esta instalação vai adquirindo novos significados, tonando-se um enigma ainda mais indecifrável ao longo dos anos.

 

Une table qui aiguisera votre appétit - le poids poli (2003)

 

Com a conclusão do projeto Casalinho, Francisco Tropa começou a trabalhar em outro grande projeto: L’Orage10, apresentado no Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian (CAM, 2003).

O espectador foi convidado a tecer uma narrativa através de quatro espaços construídos no museu. Cada espaço representa diferentes salas em diferentes andares de um edifício imaginário: r/c, je connais tous les fromages; 1st pelicano; 2nd FC; e 3rdtea box (CAM, 2003). No andar térreo foi possível observar a obra Une table qui aiguisera votre appétit - le poids poli, uma mesa e um banco suspenso ligados por um perfil metálico apoiado sobre um espigão em bronze.

Une table qui aiguisera votre appétit - le poids poli (vide Figura 2) tornou-se uma obra de arte autônoma após a sua exposição em L'Orage. O estudo de caso apresentado consiste numa mesa coberta com um cobertor, onde se encontram expostos uma garrafa e um copo com vinho, pratos, uma tigela, uma faca, queijos, várias cabeças de alho, folhas de louro, um guardanapo, maçãs, uvas e grãos de pimenta. Conectado à mesa está um banco suspenso, sobre o qual é exibido um conjunto de pesos. Os espectadores são assim convidados a refletir sobre a percepção que têm de si mesmos, através de uma natureza morta. De fato, o presente estudo de caso representa uma versão diferente da obra apresentada no âmbito do projeto L’Orage. Tais diferenças são, elas mesmas, parte do trabalho artístico como evidências do caráter "vivo" da obra de Francisco Tropa. No entanto, estas mantêm similaridade suficiente para permitir que ambas representem um observatório da vida cotidiana humana, através de um cenário de equilíbrio e desequilíbrio. Esta obra foi exposta várias vezes desde que foi adquirida pela Fundação Caixa Geral de Depósitos - Culturgest em 2005. A cada reinstalação, os materiais orgânicos têm de ser substituídos. Para além disto, durante a exposição, vinho, maçãs, queijos, uvas e grãos de pimenta têm de ser substituídos pelo conservador quando apresentam sinais de deterioração.

Assim, devido às suas características performativas, e tal como acontece com o Monte Falso, esta é uma obra viva, que envelhece, muda e evolui. Nesses casos, o papel da conservação também muda, passando a centrar-se não apenas na materialidade, mas também na imaterialidade, permitindo que o material original pereça a fim de preservar as características intangíveis da obra de arte.

 

O artista, os atores e os espectadores como performers

 

As obras de Francisco Tropa presentes nas coleções de vários museus fazem parte dos seus principais projetos: Casalinho, L’Orage e A Assembleia de Euclides, incorporando performances conduzidas pelo artista, atores e finalmente espectadores.

Como é habitual na arte da performance, o artista assume o papel de performer. No caso de Francisco Tropa, ele tornou-se um performer ao executar três tiros de flecha no contexto do projeto Casalinho.

Em L’Orage, a performance é realizada por atores no segundo espaço da instalação. Dentro de um cenário construído, uma performance entre uma solicitadora e um maquinista à espreita se desenrola. A solicitadora está sentada em uma cadeira e debruçada sobre uma escrivaninha em um plano inclinado, assinando com um pantógrafo. O maquinista intercepta os seus movimentos com um conjunto de holofotes. Estes atores são absolutamente essenciais para a significação deste espaço, ao transmitirem uma mensagem de equilíbrio e desequilíbrio: enquanto a solicitadora faz uma ação repetitiva e ensaiada e permanece em um plateau (convidando o espectador a assumir a sua posição na plateia), o maquinista tenta interceptar a sua ação permanecendo em outro plano. Embora esta performance seja definida mediante as diretrizes do artista, onde este explica os movimentos e as posições pretendidos, a subjetividade e a alteração estão presentes em cada ação, movimento ou expressão e, portanto, cada performance é única.

O papel dos espectadores tem sido considerado indispensável para a construção e compreensão da arte contemporânea. Seguindo a perspectiva de Yves Michaud, as obras de arte, e particularmente as obras de arte da instalação e da performance, permanecem em um estado evanescente, isto é, em um “gaseous state”11 até que sejam experenciadas pelo espectador (Michaud, 2011). Isto torna-se especialmente tangível no caso da arte da instalação, uma vez que o sujeito tem de interagir com a obra de arte para que esta possa existir.

Nas suas obras, Francisco Tropa considera a recepção dos espectadores como parte da construção do significado da obra de arte. Na perspectiva de Abulad, interpretação significa uma colisão entre o autor e o Outro (Abulad, 2007). Neste caso particular, os horizontes colidem quando os espectadores entram nas obras de Francisco Tropa e as alteram com sua experiência. Assim, em relação aos estudos de caso apresentados, é possível considerar que o espectador assume o papel de performer quando aceita o convite para subir a obra Monte Falso, ou para experimentar qualquer uma das ações descritas acima.

 

 

O conservador como um performer

 

Seguindo esta linha de pensamento, a quarta entidade que intervém na trajetória da obra de arte é o conservador. Esta autoridade já foi considerada como um "interpreter and executer"12 na conservação da arte contemporânea, (Jadzinska, 2011: 28). Partindo da perspectiva da apresentação historiográfica de Eleonora Fabião, podemos argumentar que o conservador pode ser entendido como um performer (Fabião, 2008).

A arte da performance “has been considered as a way of bringing to life the many formal and conceptual ideas on which the making of art is based”e ao mesmo tempo, “has become a catch-all for live presentations of all kind”13 (Goldberg, 2001: 7, 226). Neste contexto, o conservador pode ser entendido como um performer, uma vez que este reinstala e documenta as obras como um método para sua preservação. De fato, ao apresentar historiograficamente as obras de arte, o conservador tem de aceitar, explorar e avaliar a sua subjetividade como um sujeito atuante.

Ao contrário das reproduções históricas, que se baseiam principalmente na memória, as apresentações historiográficas implicam uma perspectiva crítica, um foco predominante no significado e na interpretação e não na materialidade, mantendo um apoio metodológico. De fato, estas características e competências, são semelhantes àquelas utilizadas pelos conservadores na produção de documentação sobre a obra de arte contemporânea. Neste processo, os conservadores são historiadores na medida em que exercem um julgamento crítico nos processos de seleção entre as fontes de informação disponíveis, bem como nos processos de validação dessa mesma informação.

Da mesma forma, pode ser argumentado que enquanto apresentam ou expõem as obras, os conservadores se envolvem na reinterpretação da historiografia dessas obras. Em outras palavras, a reinstalação das obras de arte de acordo com a documentação produzida estará, sem dúvida e intrinsecamente, vinculada à subjetividade do conservador. Consequentemente, as obras serão apresentadas como linguagem (pela documentação) e em linguagem (com sua apresentação). Esta estrutura conceitual, onde o conservador tem que assumir a subjetividade da sua performance, desafia ou até mesmo se opõe à suposição de que o conservador é um mediador neutro.

O conceito de reprodução histórica, como aplicado a outros campos da conservação, nunca poderia encontrar expressão apropriada na conservação de obras da arte da performance ou da instalação. A reprodutibilidade depende basicamente da capacidade de algo ser copiado ou, pelo menos, preservado sem alterações (vide Fabião, 2008). Evidentemente, na performance, nenhum gesto, nenhuma forma, nenhuma posição relativa ou circunstâncias são exatamente reprodutíveis. Isto também se aplica no caso das instalações artísticas. Isto significa, em última análise, que estas obras só podem ser apresentadas como uma versão diferente da ação original.

Este paradigma da apresentação-em-e-como-linguagem é observado na prática da conservação de várias formas (vide Fabião, 2008). Alguém que reinstala uma obra de arte baseado na documentação produzida por outra pessoa, certamente executará uma ação com resultado diferente daquele imaginado pelo conservador anterior. Obviamente, cada nuance introduzida na ação causará um resultado diferente e, consequentemente, uma versão diferente da obra. Em cada escolha (subjetiva, mesmo se informada) que o conservador fizer, um detalhe diferente aparecerá e, obviamente, um resultado diferente é de se esperar. Em outras palavras, ao aceitarmos que uma ação de conservação é subjetiva e contextual, estamos também a reconhecer que essa ação implicará a introdução de vários impactos sobre a ação, o evento, o processo ou a performance que pretende conservar.

Cristina Oliveira14 descreve tal experiência com a obra O Canavial: memória metamorfose de um corpo ausente (1968), do artista português Alberto Carneiro, uma instalação composta por várias canas, produzindo um canavial que o espectador deve explorar. Esta afirmou que o resultado era diferente cada vez que reinstalava a obra, apesar de seguir estritamente a mesma documentação.

Em relação às obras de Francisco Tropa, é interessante notar as significativas mudanças que estas vão sofrendo ao longo dos anos. Na obra Une table qui aiguisera votre appétit - le poids poli (vide Figura 2), por exemplo, o artista claramente dá liberdade ao conservador para definir o número de maçãs, de pedaços de queijo e de cabeças de alho ou, até mesmo, para retirar o guardanapo. Embora estas mudanças alterem a materialidade da obra, não se pode sugerir que haja um impacto significativo sobre a intenção do artista de representar a vida cotidiana ou a dicotomia entre o equilíbrio e o desequilíbrio.

Este entendimento do conservador como um performer é claro na reinstalação das obras de Francisco Tropa em exposições temporárias, mas não está ausente quando se considera as suas obras em exposição permanente. Tomando em consideração o caso do Monte Falso (vide figura 1), é óbvio que a percepção do espectador sobre a obra está inevitavelmente relacionada com o ambiente. Neste caso, em relação à manutenção da obra, cabe ao conservador decidir a quantidade de terra que deve ser colocada sobre o monte falso. Esta performance influenciará a experiência do espectador quando este sobe o monte e observa a paisagem enquadrada.

Em conclusão, ao apresentar historiograficamente as obras, o conservador é um historiador ao produzir documentação e um performer ao apresentar e reinstalar as obras. Este reconhecimento transforma a prática da conservação, dando-lhe a liberdade de realizar atos únicos e irrepetíveis que podem ter um impacto significativo sobre as obras de arte.

 

 

Observações adicionais

 

Esta análise, ao sublinhar a natureza performativa das ações do conservador enfatizou a necessidade de um estudo sobre o papel e a percepção do espectador em relação a obras de arte com características performativas. De fato, há poucos estudos dedicados a este elemento essencial - aquele que, em última análise, dá sentido à obra de arte, experienciando-a. Em pesquisas posteriores, seria útil compreender a percepção do espectador e explorar como e até que ponto ela é alterada por diferentes decisões da conservação.

 

 

Agradecimentos

 

Este artigo só foi possível com o apoio da Fundação Portuguesa para a Ciência e a Tecnologia (FCT - MCTES) no âmbito do Projeto de Documentação da Arte Contemporânea (Documentation of Contemporary Art): PTDC/EAT-MUS/114438/2009.

As autoras gostariam de agradecer a Francisco Tropa pelo seu tempo e esforço em discutir as suas obras através da perspectiva da sua conservação. Gostaríamos também de agradecer o acesso ao material escrito e fotográfico fornecido pelo Museu de Arte Contemporânea de Serralves e pela Fundação CGD - Culturgest. Finalmente, gostaríamos de agradecer à nossa colega Cristina Oliveira pela sua valiosa colaboração.

 

Tradução: Kamila Vasques

 

 

 

Bibliografia

 

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Francisco Tropa Monte falso, 1997 2001 001

Figura 1. Francisco Tropa Monte Falso, 1997 - 2001 Prisma trapezoidal em chapa de ferro, espelho 110 x 650 x 650 cm Col. Banco Privado Português, S.A. - Em Liquidação, em depósito na Fundação de Serralves - Museu de Arte Contemporânea, Porto. Depósito em 2001.15

Fotos © Filipe Braga.

 

Sem T°tulo (1)

 

une table...le poids poli

Figura 2. Francisco Tropa Une table qui aiguisera votre appétit - le poids poli, 2003 Banco e mesa de madeira, varão em ferro, agulha em bronze, pesos de balança, manta, garrafa com vinho, copo, pratos, tigela, faca, fruta, queijo, cabeça de alho, folhas de louro, guardanapo e grãos de pimenta 146,5 x 485 x 83 cm Col. da Caixa Geral de Depósitos - Culturgest. Fotos © Daniel Malhão.

 

Notas

1 Tradução: “ser um processo ou ação”

2 Tradução: “Como podemos pensar sobre a performance em termos históricos, quando o arquivo não pode capturar e armazenar o evento vivo?”

3 Tradução: “princípios universais e inabaláveis"

4 Tradução: “certezas estabelecidas”

5 Tradução: "pode permitir a ideia de que cada apresentação ou ‘performance’ de uma peça possa ser diferente”

6 Tradução: “Como a performance e o corpo continuam se lembrando, não há solo estável, nenhum arquivo estático, nenhum documento congelado, nenhum assunto cheio e homogêneo - não se pode repetir um movimento, mas apenas fazer de novo o outro enquanto é permanentemente refeito por ele. Da mesma forma, performances e corpos não podem ser historicamente reproduzidos, mas apenas apresentados historiograficamente em e como linguagem”

7 Tradução: "o campo enigmático fenomenológico das experiências sensíveis, enquanto se transforma em um observatório de criação artística"

8 Tradução: "são, antes de tudo, situações em processo que atingem seu próprio sentido através da percepção e da experiência"

9 Para mais informações sobre o projeto Casalinho, por favor consultar Tropa, F. (1998). [Francisco Tropa]. Porto: Fundação de Serralves, Teatro Nacional de S. João.

10 Para mais informações sobre L’Orage, favor consultar Molder, J. & da Fonseca, C. S. (2003). L’Orage. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

11 Tradução: “estado gasoso”

12 Tradução: “intérprete e executor”

13 Tradução: “tem sido considerada como uma forma de dar vida às muitas ideias formais e conceituais nas quais se baseia a criação da arte” e ao mesmo tempo, “tem abarcado apresentações ao vivo de todos os tipos”

14 Marçal & Nogueira (2012). Entrevista com Cristina Oliveira em 15 de março, FCT-UNL.

15 Nota Explicativa: A legenda da Figura 1 está conforme acordado com a Fundação de Serralves em português de Portugal. No português do Brasil a palavra “liquidação” significa “comodato” da obra.

Periódico Permanente é a revista digital trimestral do Fórum Permanente. Seus seis primeiros números serão realizados com recursos do Prêmio Procultura de Estímulo às Artes Visuais 2010, gerido pela Funarte.

 

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