Matando com ternura? Os desafios da conservação e acesso para matéria orgânica
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Tradução: Rafael Lima Capellari
Às vezes, o momento mais difícil na vida de uma obra de arte é quando ela entra em uma instituição. Desafiando a autoridade estabelecida, muitas obras de vanguarda e do Fluxus foram criadas para atuar fora dos parâmetros. Elas deformam, enrugam e escorrem à medida que envelhecem, ocasionalmente se deterioram ou até desaparecem completamente. Essas obras são tanto documentos quanto arte, feitas para serem experimentadas e manuseadas mais do que enterradas como tesouros intocáveis. Este artigo discute uma caixa surrealista de acetato de celulose adornada com borboletas e um cavalo-marinho; estabilização da caixa de equipamento Hooked (1980) de Benjamin Patterson após a explosão de uma lata de sardinha; e monitoramento contínuo das edições de Dieter Roth.
Um dos momentos mais difíceis na vida de uma obra de arte pode ser quando ela entra em uma instituição. Na experiência deste autor, colecionadores tendem a não super conservar, muitas vezes mais propensos para a guarda passiva. Alguns dos mais exigentes colecionadores simplesmente desejam apreciar e usufruir de suas obras de arte no dia a dia, o que significa que as obras são, por exemplo, expostas por um longo período com muita luz. Tais colecionadores gostam de viver com arte e eles não se preocupam em estender a vida da obra ou preservá-las perpetuamente. De fato, poderia parecer um pouco pretensioso assumir a responsabilidade de criar uma vida eterna para uma obra de arte.
O colecionismo desenvolve-se de maneira diferente em bibliotecas, arquivos e museus, algumas vezes assumindo o pior sentido de “institucionalização”. Enquanto antigos trabalhos em papel podem se comportar bem por século, outros mais recentes, particularmente século XX avant-garde e obras do Fluxus, apresentam problemas. De fato, muitos foram especificamente criados para desafiar a autoridade institucional, agir fora dos padrões e, dessa forma, intencionalmente não feitos para permanecer. Eles entortam, enrugam, vazam, escorrem ou explodem com o envelhecimento. Estes trabalhos foram criados para ser um estado de processo contínuo. É um fato que eles irão deteriorar e talvez desaparecer por completo, como é o caso das primeiras fotocópias e faxes. Eles existem como documentos quanto como arte. Mais significativamente, eles são feitos para serem experienciado e manipulados ao invés de sepultados como tesouros intocados em caixas. Eu pensei mais de uma vez que se algo não desejado acontece com certos trabalhos, pode até mesmo agradar o artista, que pode não mais estar conosco, mas cujo trabalho está ativo. A incorporação de matérias orgânicas é especialmente relacionada com criar uma arte que não é estática, mas notável por sua tendencia em mudar e decair, efetivamente, como se fosse um organismo vivo.
As coleções especiais do Getty Research Institute incluem obras raras e [únicas que documentam a História da Arte. Até o século XX, eles são, na maioria, trabalhos em papel. Mas artistas modernos e contemporâneos incluíram, ocasionalmente, comida, plantas ou até animais mortos em suas obras. Quando consideramos objetos na coleção especial da GRI que são feitos de materiais orgânicos, é nítido que referenciam a ambos os seus status originais assim como ao seu presente, a condição atual transformada é crucial para a mensagem e para uma experiência – que é direta e não mediada – adequadas e para a apreciação do trabalho. Para a documentação histórica e para substituir a visualização, fotografia e digitalização são ajudas notáveis, muitas vezes revelando mais informações do que podem ser discernidas a olhos nus e documentação de como estes objetos são guardados, conservados e acessados é também importante para a compreensão deles.
As questões importantes incluem: É possível conservar o trabalho com responsabilidade sem interferir com a intenção do artista de que ela envelheça ou se desintegre? A obra inda poder ter uma vida? E deveria? Uma vez que trabalhos se tornam propriedade institucional, devemos preservar eles como uma obra institucional tradicional se isso é uma oposição quanto às intenções do artista? Se o trabalho é feito para ser manipulado e nós apenas expomos atrás de vidros ou em vitrines, nós estamos negando o direito do trabalho de existir e funcionar como o artista desejou? Em certos casos, pelo menos uma dessas questões pode ser simples. Por exemplo, se um livro de artista é feito para ser lido, então nós providenciar formas de fazer isto até certo ponto, assim, permitindo que a crucial experiência da materialidade do livro tenha espaço. Os livros de Dieter Roth, por exemplo, não foram muitos lidos, mas simplesmente visto como livros esculturas, embora sejam cheios de suas palavras, suas poesias. Negar acesso aos textos falha em dar conhecimento de uma faceta essencial do trabalho, que é a interação de palavras e imagens especificamente no contexto da seleção de materiais de Roth.
As características marcantes da arte dos séculos XX e XXI incluem tais apresentações intrincadamente entrelaçadas de textos e imagens, para as quais, deve-se enfatizar, a leitura é muitas vezes crucial. Uma pedra fundamental do gênero é a Caixa Verde (1934, fig. 11.1) de Marcel Duchamp, repleta de documentos quase arquivísticos que apresentam uma explicação de seu Grande Vidro (1915-23). Como Boîte-en-valise de Duchamp, produzida em múltiplas edições como uma caixa ou maleta que apresenta miniaturas de suas obras, a Caixa Verde requer acesso em primeira mão para tocar e ler. Isso se torna difícil quando se trata de obras designadas como obras-primas– obras significativas de um grande artista. Na Cidade do México, no último dia da conferência “Living Matter”, os participantes viram obras de Duchamp, incluindo a Caixa Verde, em caixas de vidro no Museo Jumex como parte da exposição Appearance Stripped Bare (Gioni 2019). As caixas foram exibidas em galerias junto com obras de Jeff Koons e a justaposição era reveladora. A exposição apresentava as caixas de Duchamp em estado de inacessibilidade embalsamada, como livros fechados. A negação implícita de que eles são feitos para serem desembrulhados, manuseados e lidos tirou sua aura e retraiu seu poder. Enquanto isso, as pinturas de cores vivas e as esculturas brilhantes de Koons imediatamente chamaram a atenção dos visitantes. Das fotografias e filmes antigos na exposição, Duchamp sorriu sabiamente e, de alguma forma, com conhecimento da situação.
No GRI, uma de nossas primeiras experiências com a tomada de grandes decisões de conservação relacionadas à matéria orgânica veio com a aquisição da coleção Jean Brown. Embora Brown seja bem conhecida hoje como uma colecionadora de obras do Fluxus, em colaboração com seu marido, Leonard, ela também colecionou um grupo extraordinário de edições dadaístas e surrealistas no final dos anos 1950 e 1960. Os Browns tinham coleções completas das caixas e edições assinadas por Duchamp. Suas coleções dadaístas, surrealista e Fluxus foram adquiridas pelo GRI em 1985, e o primeiro encontro com matéria orgânica envolveu uma pequena caixa de livros (fig. 11.2, fig. 11.3). Esta caixa de acetato de celulose surrealista, cheia de borboletas, penas, um cavalo-marinho e cílios chegou com a coleção Jean Brown em estado grave de deterioração. Atribuída a Duchamp e André Masson, data de cerca de 1939. Um objeto surrealista em si mesmo, a caixa de livros contém edições de 1939 de quatro clássicos literários publicados em Paris por Guy Lévis Mano em sua gráfica GLM na série Biens Nouveaux. Os livros pequenos e elegantes são La Canne du destin (A Bengala Andante) de Lewis Carroll, La chasseur Gracchus (Gracchus, o Caçador) de Franz Kafka, Sonduede de Gisèle Prassinos e Rrose Sélavy de Duchamp. Nas décadas de 1930 e 1940, a GLM publicou centenas de edições surrealistas ilustradas nesses modelos de design de bom gosto em um quarto com capa dura. Embora os surrealistas muitas vezes retratassem variações bizarras de corpos vivos - contorcidos, desmembrados, parte animal, parte inseto -, eles, realmente, não empregavam matéria orgânica em sua arte com frequência. (A principal exceção é, obviamente, o Objeto [1936] de Meret Oppenheim, a xícara e o pires cobertos de pele.) Até o momento, nenhuma documentação foi encontrada sobre a fabricação desta exclusiva caixa de livros, exceto a descrição de um negociante desconhecido. Possivelmente, foi desenhada pela companheira de Duchamp nessa época, a designer de livros e encadernadora Mary Reynolds, em colaboração com Masson, que desenhou as figuras a tinta na capa de chemise. A caixa serve de sobreposição para os desenhos no chemise. Eles são criados como um conjunto, para serem apreciados visualmente enquanto se lê a seleção deliberadamente estranha de textos armazenados neles.
Em meados da década de 1980, quando o GRI adquiriu a Jean Brown Collection, a caixa estava amarelada e empenada, parcialmente rachada nas costuras. O cavalo-marinho dourado, as borboletas e as penas estavam secando. Este livro-objeto assombrosamente belo e verdadeiramente surreal, evocando um outro mundo onírico e o local perfeito para suas obras literárias fantásticas, foi exibido uma vez até o momento em que este artigo foi escrito, na exposição de 1994 do GRI, Sites of Surrealist Collaboration. Foi exposto em uma vitrina de parede com uma cortina de veludo preto para protegê-lo da luz direta.
Nos anos anteriores à construção do novo Getty Center, o prédio de armazenamento de coleções do GRI também abrigou o Getty Conservation Institute. Um dos cientistas do GCI, Jim Druzik, tinha uma experiência considerável com os efeitos da iluminação e expositores em museus. Um dia, ele se interessou pela caixa e seus livros, oferecendo-se para avaliá-lo e fazer recomendações. Em colaboração com um conservador GRI, a caixa foi estabilizada e ligeiramente esquadrinhada para que os livros pudessem caber nela novamente, embora, agora, sejam armazenados separadamente com instruções para tirar do acondicionamento, armazenar e usar e também para limitar a abrasão e o manuseio de ambos os livros e principalmente a caixa, que requer manuseio muito limitado e nenhum movimento brusco. A superfície foi levemente limpa, pois havia sujeira acumulada. Sem que soubéssemos, Druzik era um colecionador de borboletas. Ele identificou as espécies de borboletas e perguntou se queríamos substituí-las. Ele trouxe uma gaveta de espécimes muito semelhantes para que pudéssemos selecionar, se assim o quiséssemos. Mas a decisão foi imediatamente óbvia: substituir as borboletas parecia uma cirurgia estética inaceitável. Seria uma sugestão à qual, talvez, Duchamp teria respondido com seu familiar sorriso misterioso, mas, na época, não parecia uma opção apropriada. Com objetos como esses, há uma vida contínua. Deve ser levado por esse caminho com cuidado, mas o processo não deve ser interferido.
A conclusão dessa decisão anterior é que as asas da borboleta agora estão secando ainda mais, desbotando e virando pó. À medida que esses objetos envelhecem e mudam, os conservadores e curadores podem querer reconsiderar se devem melhorar (ou seja, restaurar) as qualidades artísticas ou continuar a preservar e estabilizar os objetos da melhor forma que podem. Quase inevitavelmente, as obras continuarão a mudar.
Além dessa obra única, Duchamp também criou inúmeros múltiplos – uma nova categoria no século XX, uma espécie de produção artística em massa em pequena escala. O próprio Duchamp foi um dos primeiros a adotar esse formato porque funcionava bem no contexto de seus readymades. Embora os múltiplos comecem suas vidas produzidos em grupos (daí o termo) de objetos idênticos ou muito semelhantes, conforme adquiridos por colecionadores ou instituições, eles passam a vivenciar histórias diferentes. Suas moradas em vários locais com diferentes condições de guarda e exibição resultam em mudanças em suas aparências. O plástico, ele próprio um material potencialmente instável, é frequentemente usado em múltiplos, às vezes como recipiente e às vezes combinado com matéria orgânica, como em algumas caixas do Fluxus. Livros de artistas pós-avant-garde, múltiplos e objetos com texto e imagens geralmente usam plástico para invólucros transparentes, por exemplo, como capas que se tornam as folhas de um livro.
Jean Brown ficou fascinado com as obras de Dieter Roth e adquiriu mais de cinquenta volumes diretamente dele. Ela apreciava particularmente os experimentos de Roth com design de livros e formatos de publicação, como sua combinação de técnicas tradicionais de impressão com materiais contemporâneos que são muito mais instáveis do que os papéis que os editores usaram durante séculos. Brown tinha pelo menos duas cópias da edição especial de Roth do Bok 3c: Wiederkonstruktion des Buches aus dem Verlag Forlag Ed (Reconstrução do livro do Verlag Forlag Ed., 1961/1971, fig. 11.4), que tem uma capa separada oramentada ou por bagels ou croissants pintados. O GRI tem bagels; o Museu de Arte Moderna de Nova York tem croissants (Suzuki 2013, 29). Aqui, a questão é restaurar as partes dos bagels que se desfizeram. Até agora, os bagels estão ligeiramente deteriorados e as migalhas foram cuidadosamente preservadas, carinhosamente recolhidas em um saquinho; por sua fragilidade, as capas recebem apenas uso supervisionado.
O GRI possui cinco cópias diferentes das edições especiais de Poetrie de Roth. Dois são impressos em páginas de plástico. As páginas de um estão cheias de urina, que sabemos com certeza por causa de seu cheiro. Outra edição do Poetrie é recheada com queijo ou pudim. Esta última não foi testado porque estamos hesitantes em perturbar seu aparente equilíbrio. As evocativas páginas de plástico dos poemas de Roth enrugam como a pele. Como tendem a ficar grudadas, foram intercaladas, como é comumente feito com impressões recém-produzidas.1 Uma lombada de plástico suporta o livro; as páginas de plástico enrugam. Em pé, os volumes inclinam-se incertos, como os idosos.
Quase quarenta variações criadas por Roth da estrutura do livro foram exibidas na exposição do GRI de 2018 Artistas e seus livros / Livros e seus artistas (Reed e Phillips 2018; FIG. 11.5). Os volumes cheios de matéria orgânica absolutamente roubaram o show. Parece que a matéria orgânica ressoa especialmente em livros de artistas como os de Roth, que são referências visuais à fisicalidade. As edições da Poetrie (com grafias variantes: Poemetrie, Poeterei) foram expostas, todos embelezados de forma diferente por ele com aquarelas ou tinta, ou versões em que os poemas são impressos em folhas de plástico cheias de urina ou queijo (Roth 1967-68). Parece que Roth não pode fazer o mesmo livro duas vezes. Cada um é uma performance com inspiração variada para ser visto e lido de forma diferente. Mas minhas preocupações na época envolviam tocar especificamente. O manuseio dos livros é importante para o conceito deles, mas o plástico é frágil e as palavras impressas dos poemas poderiam grudar ou cair das páginas. E o cheiro? O cheiro intencionalmente forte e desagradável do livro de urina faz parte da experiência de lê-lo? No momento da exposição, essas questões permaneceram sem solução. Os espectadores não tinham permissão para tocar nos livros em exibição, e o cheiro do livro de urina não penetrava a caixa de vidro.
Outra edição dos poemas de Roth, também da coleção Jean Brown, trazia uma fatia de carne de carneiro inserida. Quando a coleção foi recebida, os conservadores tiraram a carne de carneiro do livro (observando a página em que estava) e a colocaram em um compartimento separado porque estava manchando as páginas. Sem dúvida, essa remoção foi feita com boas intenções; carne de carneiro não tem lugar em um livro. No entanto, ver a mancha de carneiro como um problema a ser corrigido, ao invés de uma intervenção deliberada de Roth, é uma falta de entendimento da obra de arte. O tratamento de conservação interfere na inserção deliberada de um pedaço de carne malcheiroso com a intenção de espalhar uma mancha nas páginas. A ideia essencial de Roth era justamente que a presença da carne de carneiro faz parte da vida deste livro. As instituições podem se opor justificadamente às intenções de um artista?
Comparado a tais gestos de tour-de-force, a edição múltipla de Roth Taschenzimmer (Pocket-Room, 1969/1972, FIG. 11.6) sempre me impressionou como uma peça envolvente que concebe uma vida simples para uma obra de arte. É uma exposição em um modesto container – uma caixa de papelão que se abre para mostrar a impressão de uma mesa com um pedacinho de casca de banana pregado. Dos dois da coleção GRI, um está bastante mofado e o outro está seco. Uma caixa não tem tampa e é possivelmente uma edição variante. A utilização da fatia de banana por Roth é intencional. Quem não conhece o ciclo de vida da banana e o uso frequente da fruta em brincadeiras? Felizmente, várias outras versões em coleções institucionais estão bem documentadas. Todos envelheceram diferentemente de acordo com as condições de armazenamento, ilustrando como é ressonante o uso de matéria orgânica em uma edição em que obras inicialmente idênticas saem pelo mundo e mudam de acordo com suas situações. Deveriam ser limpas as frutas podres e o mofo em Taschenzimmer? Novamente, isso parece contradizer a intenção de Roth, melhor apenas deixar o processo de envelhecimento prosseguir e garantir que o mofo não migre.
Como os livros de Roth, muitas obras do Fluxus são coleções de miscelâneas extraídas da vida, significativamente não compostas para serem imóveis. Encenadas domesticamente e deliberadamente não monumentalizantes, apresentam uma atmosfera acessível de informalidade. Mas eles também são baratos e frágeis. Por exemplo, as dobradiças das frágeis caixas da Fluxus de plástico dos anos 1960 quebram. O plástico fica turvo. Para se envolver com o trabalho, você deve tirar objetos das caixas, alguns dos quais incluem objetos encontrados na natureza, como galhos, nozes, pinhas, fezes e ossos. Elementos em muitas caixas de propriedade privada desapareceram. Como eles devem ser vistos ou manuseados, e quanto é manipulação demais? A falta de acesso os isola e silencia? A visualização em vitrines efetivamente sufoca essas obras. Isso as limita e corta a conexão pessoal essencial. No entanto, como essas caixas podem ser vistas de maneira apropriadamente informal se essa mesma atividade as consome? Os artistas ou proprietários originais podem restaurar ou reconstituir novas obras, como Barbara Moore fez em suas ReFlux Editions?2 Ou as obras originais tornam-se monumentos artísticos e marcadores históricos quando são adquiridas por instituições ou colecionadores, paradas no tempo, precisando ser estabilizadas e preservadas, mas retiradas das intenções para suas vidas? A adição de reproduções de elementos ausentes constitui a restituição de uma nova geração de objetos para outra vida ou inautenticidade? Talvez com edições abertas (impressas ou múltiplas edições sem um número ou data específica), tudo bem.
Uma obra Fluxus de George Maciunas certamente não será considerada para reprodução. Em uma jarra de vidro, não de plástico, o Fluxmouse no. 1 do GRI (1973, FIG. 11.7) é preservado como um espécime em um museu de história natural. Assassinado por Maciunas, aprisionado em uma jarra e embalado em uma caixa de arquivo, este pequeno animal morto está atualmente arquivado em um cofre escuro. Informações completas: os conservadores monitoram este trabalho e adicionaram líquido, então houve alguma intervenção mesmo aqui. Pode-se observar que, embora os artistas do Fluxus tenham feito obras que incluem matéria orgânica, o rato é significativo em grande parte porque não está mais vivo. Tornou-se arte.
Cerca de quinze anos atrás, houve uma verdadeira emergência, na verdade, uma explosão confinada, mas bagunçada, na caixa de pesca do artista e compositor Benjamin Patterson, Hooked (1980, FIG. 11.8). A tampa da caixa mexe para cima e se abre para revelar várias prateleiras; cada compartimento contém um objeto do dia-a-dia com um gancho nele. É uma obra complexa, com muitas partes, algumas delas móveis. A caixa havia sido guardada em uma caixa de arquivo, examinada e estabilizada por um conservador de objetos GRI. Mas quando a caixa foi retirada do depósito, ela estava fedorenta e uma substância pegajosa escorria: uma lata muito velha de sardinha com molho de tomate havia explodido. Os produtos enlatados têm prazo de validade, e este expirou anos atrás. O conservador limpou a bagunça e avaliou se alguma das outras peças estavam danificadas; elas não estavam. Fotos foram tiradas; documentação foi anotada. Mas o que fazer sobre a integridade da obra? Manter a lata velha, mas não na caixa de equipamento? O conservador localizou online uma lata de sardinha muito semelhante e comprou-a. Tal como acontece com as borboletas surrealistas mencionadas anteriormente, a lata deveria ser substituída? Mesmo que isso apenas iniciasse o relógio para outra explosão no futuro?
Patterson havia trabalhado anteriormente como bibliotecário na filial de artes cênicas da Biblioteca Pública de Nova York e, portanto, estava familiarizado com arquivos e práticas de biblioteca. Ele morava em Wiesbaden, na Alemanha, e mantínhamos contato ocasional. Entramos em contato para perguntar sobre sua intenção para o trabalho, mas quando questionado sobre o que ele faria, Patterson respondeu: “Eu não me importo. Agora é de vocês.” Aparentemente, ele possivelmente considerou a velha lata de sardinha como lixo para ser jogada fora. Falando por outros artistas do Fluxus, a maioria dos quais já havia morrido, Patterson disse que achava que eles aceitariam que suas obras se deteriorassem e, portanto, seria inapropriado recriar uma obra que deveria ter uma vida útil limitada. Isso reforçou um princípio de gestão para obras do Fluxus e coleções relacionadas da GRI – ou seja, que Fluxus significa mudança. Os materiais foram selecionados pelos artistas com a ideia de mudança como um dado. Estabilizar o objeto e impedir esse processo nega o espírito das obras, que na maioria dos casos ainda vivem muito depois de seus criadores terem morrido.
Caso você esteja se perguntando, a velha lata de sardinha foi mantida (fig. 11.9); a lata recém-comprada, sua quase gêmea, foi esvaziada, mas tinha um peso próximo da outra e colocada na caixa de equipamentos.
A forma como a matéria viva é tratada é, finalmente, também uma decisão ética do curador e do conservador; é uma questão de respeito, não só pelo artista, mas por toda a matéria viva. Um dos momentos mais perturbadores da minha carreira de curador envolveu encontrar no arquivo do fotógrafo de Los Angeles Charles Brittin uma pequena parte do corpo pertencente a uma mulher que se imolou durante um protesto pelos direitos civis em Los Angeles na década de 1960. Observando os trabalhadores da cidade limpando, o artista guardou o que pôde, encaixotou e esqueceu. Ele havia sido devidamente catalogado quando o descobri nas coleções especiais do GRI. Percebendo que esse local de descanso de arquivo não era respeitoso com a memória da mulher, trabalhei com nosso advogado para colocar o fragmento no necrotério da cidade de Los Angeles, de onde seria devolvido à família.
Este é um exemplo extremo, mas aponta para a verdade de que a conservação da mídia deve sempre retornar e respeitar não apenas o conceito do artista, mas também o próprio objeto. Quando podemos, pedimos conselhos aos artistas vivos. Mas nem todos os criadores ainda estão conosco e, portanto, a questão iminente diz respeito aos cuidados e tratamentos adequados à medida que o ciclo de vida do trabalho segue em espiral. A resposta: conversamos, testamos e conversamos mais um pouco. A comunicação colaborativa entre artistas, conservadores, curadores e cientistas informa nossa administração de nossas coleções.
Notas
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São intercalados com não tecido de poliéster e finas placas microcâmaras contendo zeólitas. Eles agem como armadilhas moleculares para neutralizar ácidos, poluentes e outros subprodutos nocivos da deterioração. Agradecemos a Rachel Rivenc, chefe de conservação do GRI, por esta informação. ↩︎ A
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ReFlux Editions foi fundada por Barbara Moore, uma colaboradora próxima do líder do Fluxus, George Maciunas, como uma forma de continuar a publicação dos múltiplos do Fluxus, mantendo-os impressos indefinidamente. As obras são reunidas a partir de material impresso vintage original de Maciunas ou de sua propriedade. As caixas de plástico são vintage ou de fontes originais. Consulte “ReFlux Editions at Printed Matter, Inc.”, e-flux, 26 de março de 2002, https://www.eflux.com/announcements/43512/refluxeditionsatprintedmatterinc/. ↩︎
Bibliografia
- Gioni 2019
- Gioni, Massimiliano, ed. 2019. Appearance Stripped Bare: Desire and the Object in the Work of Marcel Duchamp and Jeff Koons, Even. London: Phaidon.
- Reed and Phillips 2018
- Reed, Marcia, and Glenn Phillips, eds. 2018. Artists and Their Books / Books and Their Artists. Los Angeles: Getty Research Institute.
- Roth 1967–68
- Roth, Dieter. 1967–68. Poeterei 3/4: Doppelnummer der Halfjahresschrift für Poesie und Poetrie. Stuttgart, Germany: Edition H. Mayer.
- Suzuki 2013
- Suzuki, Sarah. 2013. Wait, Later This Will Be Nothing: Editions by Dieter Roth. New York: Museum of Modern Art.