Estudo comparativo dos poluentes gasosos detectados no interior de uma vitrine e na galeria expositiva de um museu em Lisboa
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Karen Barbosa1, Patrícia Moreira1,2 Teresa Ferreira3, e Eduarda Vieira1
1 CITAR, Escola das Artes, Universidade Católica Portuguesa, Rua de Diego Botelho, Porto, Portugal.
2 CBQF, Escola Superior de Biotecnologia, Universidade Católica Portuguesa, Porto, Portugal.
3 Departamento de Química da ECT & Laboratório HERCULES, Universidade de Évora, Évora, Portugal.
Resumo
Os poluentes estão inseridos entre os 10 agentes de deterioração de grande preocupação na conservação do patrimônio. São responsáveis pela corrosão de metais, fragilização de papéis, degradação de fibras têxteis, alteração em pigmentos, eflorescência em conchas, entre outros. Nos museus, quase sempre os poluentes são menos monitorados que os parâmetros de temperatura, umidade relativa (UR) e luz, e por vezes as investigações somente são desenvolvidas após a detecção de um dano. Muitas são as fontes de poluentes no interior dos edifícios, assim como no interior de vitrines ou molduras microclimáticas que só serão detectados após medições realizadas individualmente por cada instituição.
A investigação desenvolvida em um museu1 de arte moderna e contemporânea em Lisboa, teve como objetivo principal analisar a qualidade do ar no interior de uma vitrine contendo uma obra moderna e avaliar os riscos pertinentes ao invólucro. Para isso, o presente estudo se desenvolveu em duas etapas distintas: (a) análise do ar no interior e no exterior da vitrine através de medições dos compostos orgânicos voláteis e (b) análise dos compostos emitidos pelos materiais utilizados na remodelação das galerias para exposições temporárias.
Palavras-chave
COV, qualidade do ar interior, museu, vitrine, monitorar
Abstract
Pollutants are among the ten deterioration agents of great concern in heritage conservation. They are responsible for corrosion of metals, embrittlement of papers, degradation of textile fibers, alteration in pigments, and efflorescence in shells, among others. However, pollutants are almost always less monitored than the parameters of temperature, relative humidity (RH) and light in museums. Sometimes, investigations are developed only after the damage is detected. Many are the sources of pollutants inside buildings, as well as inside showcases or microclimate frames that will only be detected through measurements performed individually by each institution.
The research developed in a modern and contemporary museum in Lisbon, had as its main objective to analyze the air quality inside a showcase containing a modern work and to evaluate the risks pertinent to the enclosure. For this purpose, this study was developed in two distinct stages: (a) analysis of the air inside and outside the display case and (b) analysis of the compounds emitted by the materials used in the remodelling of the exhibition spaces for temporary exhibitions.
Keywords
VOC, indoor air quality, museum, showcase, monitor
Introdução
Os museus, bibliotecas e arquivos, são instituições cuja missão principal é a salvaguarda de seus acervos que, por conseguinte, são parte integrante da história e memória da humanidade. Com o intuito de manter o máximo possível a integridade desse patrimônio ao longo de gerações, a adoção de normas e procedimentos de conservação preventiva é fortemente encorajada pelos órgãos nacionais e internacionais (ex.: ICOM, UNESCO, IBRAM, ICCROM, E.C.C.O.) que visam a preservação dos bens culturais. Avaliar e gerir os riscos pertinentes aos acervos museológicos é considerado estratégia fundamental no âmbito da preservação e implica, entre outros, a identificação dos possíveis agentes de deterioração no ambiente, entre eles, os poluentes do ar (1). No presente estudo, desenvolvido em um museu português, pretendeu-se analisar os poluentes gasosos no interior de uma das vitrines que estava a proteger uma obra e realizar um estudo comparativo com o ar da galeria expositiva onde a vitrine se encontrava exposta. Para complementar a investigação, materiais selecionados utilizados nas remodelações das áreas expositivas foram analisados quanto a emissão de compostos orgânicos voláteis (COVs).
O museu, onde o estudo se desenvolveu, possui um acervo com mais de 1.000 obras (2), predominantemente de arte moderna e contemporânea. É considerado de grande representatividade nacional e internacional, fazendo que seja um dos museus mais visitados de Portugal. Chegou a receber cerca de 1.060.644 visitantes durante o ano de 2019 (3), antes do início da pandemia de COVID-19. No mesmo ano, foram inauguradas dez exposições temporárias, fazendo remodelações sequenciais nos espaços expositivos durante este período. Com a grande dinâmica de visitantes ao longo dos anos, para alguns objetos mais suscetíveis ao contato indevido, foi decidido construir vitrines como meio de proteção física. A atmosfera no interior dessas vitrines nunca foi objeto de estudo ou produto de medições de poluentes. Muitos COVs são emitidos pelos materiais de construção das vitrines ou mesmo pelos próprios objetos ali expostos (4,5) e se esclarece que quanto mais selada for a vitrine, menor será a troca de ar com o ambiente expositivo e maior será a concentração de determinados COVs no seu interior. Além disso, materiais de construção dos espaços expositivos, são considerados fontes importantes de poluentes no interior de museus (5). Adicionalmente, o turismo de massa tem um impacto negativo ao transportar material particulado do exterior do edifício para o interior e ainda libertar calor e dióxido de carbono nos espaços expositivos (6).
O objeto de estudo selecionado foi uma pintura ou uma "escultura de parede" de Léon Tutundjian (artista armênio), conforme é atribuída pela Fundação Tutundjian para esse tipo de obra (7). Trata-se de um relevo cuja técnica é óleo sobre madeira e metal, de dimensão (51 x 60 x 10) cm, datado de 1929, pertencente ao acervo do museu (Erro: Origem da referência não encontradaA). Encontra-se emoldurado e foi inserido em uma caixa de acrílico2 em 2003, anos antes da fundação do museu, pois a obra havia sido foco de vandalismo em exposições anteriores3. A moldura possui fundo de placa fina de aglomerado de madeira e as laterais são confeccionadas em madeira (o tipo da madeira do aglomerado e das laterais não foi identificado). A obra está fixada ao fundo da moldura por quatro pontos de fixação, sendo um na parte superior, um na parte inferior, um na lateral direita e um na lateral esquerda. A moldura está fixada a uma placa de acrílico na parte posterior através de quatro parafusos (Erro: Origem da referência não encontradaB). A caixa de acrílico não é completamente selada e seu fecho se dá pela junção do fundo (placa) com a cúpula, que é feita com o auxílio de dois pinos de acrílico na parte superior e dois pinos na parte inferior. Sua estrutura pode ser vista conforme ilustrado em Figura 1.
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Figura 1. Esquema gráfico da vitrine/caixa de acrílico com a obra em seu interior. (A) Esquema gráfico com medidas da vitrine; (B) Esquema da visão lateral da vitrine e modo de fixação. Créditos: A.P.
Materiais e métodos
Mais de quatrocentos compostos orgânicos e inorgânicos são considerados poluentes do ar interior dos edifícios (8). A seleção dos dispositivos para a medição da qualidade do ar no interior da vitrine se deu pelos compostos passíveis de serem encontrados de acordo com a bibliografia consultada (9–11), o custo dos dispositivos, sua precisão, dimensão diminuta para ser inserido no interior da vitrine, tipo de amostragem, sendo que os dispositivos de amostragem passiva foram escolhidos por serem mais convenientes na amostragem em vitrines, e ainda foram considerados amostradores que fornecessem dados qualitativos e quantitativos, além da realização dos ensaios laboratoriais pelo fornecedor.
Para a amostragem dos compostos voláteis foram utilizados dois tipos diferentes de amostradores passivos difusivos, os tubos de aço com preenchimento de Tenax® TA (polímero de óxido de 2,6-difenil fenileno) para a adsorção dos COVs e os amostradores passivos por difusão molecular dos vapores de ácidos em forma de badge, ambos foram fornecidos e analisados pelo Swedish Environmental Research Institute (IVL). Simultaneamente, a temperatura e UR foram monitoradas através de data logger.
O funcionamento dos tubos Tenax® TA é certificado pela norma ISO 16017-2. Esses dispositivos são amostradores passivos por difusão feitos de tubos de aço inoxidável e preenchidos com o adsorvente sólido Tenax® TA para hidrocarbonetos C6-C9. Os tubos foram dessorvidos termicamente (Markes International, UNITY 1-ULTRA, 5 minutos, 250 ˚C) e analisados por cromatografia gasosa (GC).
Para a detecção dos ácidos orgânicos no ar, foi utilizada a técnica de amostragem passiva por difusão de gases múltiplos, baseada na difusão molecular de gases no amostrador onde são coletadas. Os dispositivos foram expostos no interior e no exterior da vitrine durante 28 dias, conforme indicação do fornecedor. A amostragem de dióxido de enxofre foi realizada por difusão com amostrador IVL, que posteriormente foi analisado seguindo especificações da ISO 10304-1:2007 (Qualidade de água e determinação de ânions dissolvidos por cromatografia iônica). As amostragens de ácido clorídrico, ácido fluorídrico, ácido acético e ácido fórmico foram conduzidas por amostragem difusa, seguidas de quantificação de acordo com SS-EN ISO 10304-1:2009. As análises do acetato e formiato foram realizadas por cromatografia iônica em solução, com um cromatógrafo Dionex (Dionex ICS-6000).4
Os parâmetros de temperatura e UR foram monitorados através de data loggers da marca Testo, modelo 174H, (60 x 38 x 18,5 mm), exatidão de 0,5 ˚C (-20 a +70 ˚C) e resolução de 0,1 ˚C. O sensor de umidade possui capacidade de medir entre 0 e 100 % UR, com exatidão de 3 % UR (2 a 98 % UR) e resolução de 0,1 % UR.
Durante o período integral da amostragem, a obra permaneceu inserida na vitrine e exposta em uma das salas expositivas do museu localizada na galeria 3 norte, no 2˚ piso.
Os tubos Tenax® TA foram expostos durante 7 dias e os difusores de vapores ácidos foram expostos durante 28 dias. Os amostradores foram inseridos no interior da vitrine (IV), pelo que se optou por proceder com as amostragens em tempos subsequentes para que a abertura da vitrine não interferisse no processo de captura dos compostos. Dessa forma, inicialmente foram expostos os dispositivos Tenax® TA e só após os 7 dias de amostragem, foram posicionados os dispositivos de gases ácidos dentro e fora da vitrine. Os data loggers também foram retirados para leitura na ocasião da abertura das vitrines e outros data loggers foram posicionados no local.
Um tubo Tenax® TA foi posicionado no interior da vitrine, no canto inferior esquerdo e um outro foi posicionado suspenso, cerca de 3 m do piso, na área expositiva, onde permaneceram entre os dias 20 e 28 de agosto de 2019.
Os amostradores difusivos de múltiplos gases foram posicionados no IV, no canto inferior esquerdo e outro no canto superior direito sobre a vitrine ao lado de um data logger (Figura ). Ao final dos 28 dias de exposição, os dispositivos foram removidos, colocados nos frascos de embalagem individual conforme chegaram e então foram reenviados para a IVL proceder com as análises.
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Figura 2. Posicionamento dos dispositivos de amostragem passiva na vitrine. (A): Dispositivo Tenax® TA; (B): Dispositivo para gases ácidos; (C): Data logger Testo e dispositivo para gases ácidos IVL posicionados sobre a vitrine.
Resultado e discussão
A amostragem de gases ácidos realizada no IV permitiu detectar valores de concentração acima das concentrações suportadas pela metodologia utilizada. Segundo o fornecedor, os amostradores foram superexpostos ao ácido acético e ao ácido fórmico, pelo que os valores estimados podem estar subestimados (Tabela 1). Desta forma, os valores estimados de 490 µg/m3 para o ácido acético e superiores a 150 µg/m3 para o ácido fórmico, indicam que as concentrações dos dois ácidos se encontram em limites acima dos valores recomendados para acervos que são 100 µg/m3 e 80 µg/m3 respetivamente5 (12). Nas análises do ar exterior da vitrine (EV), as concentrações do ácido acético e ácido fórmico detectadas foram de 13 µg/m3 e 22 µg/m3 respetivamente, indicando que a concentração destes ácidos é consideravelmente superior no IV quando comparada à galeria expositiva.
Tabela 1. Concentração dos gases ácidos detectados no interior e no exterior da vitrine
Concentração (µg/m3 STP*) |
|||
Composto | Interior da vitrine | exterior da vitrine | |
Ácido acético |
>490 |
13 |
|
Ácido fórmico |
>150 |
22 |
|
Dióxido de enxofre |
<0,2 |
<0,2 |
|
Ácido clorídrico |
<0,7 |
<0,3 |
|
Ácido fluorídrico |
<0,2 |
<0,2 |
Nota. *STP: Temperatura e Pressão Padrão (do inglês: Standard Temperature and Pressure) de 20 ˚C e 1013 hPa. O amostrador no interior da vitrine foi superexposto e os resultados podem estar subestimados.
Os vapores de ácidos carboxílicos reconhecidos como os principais gases danosos em ambientes interiores de museus, bibliotecas e arquivos (MBA), são o ácido acético e o ácido fórmico. Estes compostos são considerados tema constante de investigação (13–17), devido ao elevado risco de degradação dos materiais que integram o acervo. A vitrine estudada é construída em acrílico com a junção dos cantos parcialmente selada. A obra inserida na vitrine é uma pintura sobre madeira, assim como a sua moldura. Não foi, no entanto, possível realizar a identificação da madeira da obra e da moldura.
Ao contrário dos vapores ácidos, a concentração do total de compostos orgânicos voláteis (COVT) foi significativamente superior no exterior da vitrine, em comparação com a área expositiva (Tabela 2). No interior da vitrine a concentração medida de COVT foi de 65 µg/m3 enquanto no exterior, alcançou valores de 750 µg/m3. Esta concentração supera os valores-limite de 328 µg/m3 indicados para acervos em geral6(12), assim como os valores de 300 µg/m3 recomendados para o interior de edifícios não industriais, tendo em conta a saúde humana (18). Estes compostos deverão ser analisados separadamente, dado o potencial de risco de danos para os materiais do acervo. O n-hexanal foi a substância que apresentou maiores concentrações (Tabela 2). Também contribuíram para os valores elevados do COVT no exterior da vitrine, as concentrações de n-butanol (30 µg/m3), tolueno (20 µg/m3), m-xileno (12 µg/m3), -pineno (9,8 µg/m 3) e o n-decano (7,6 µg/m3).
Tabela 2. Concentração e tempo de retenção dos COVs detectados no interior e no exterior da vitrine.
Composto |
Concentrações em µg/m3 |
|
Interior da vitrine |
Exterior da vitrine |
|
n-decano |
1,5 |
7,6 |
-pineno |
2,2 |
9,8 |
tolueno |
1,9 |
20 |
n-hexanal |
1,0 |
74 |
n-butanol |
2,2 |
30 |
m-xileno |
2,7 |
12 |
3-careno |
<0,7 |
<0,7 |
limoneno |
<0,7 |
1,9 |
1,3,5-trimetilbenzeno |
<0,6 |
1,3 |
1-octano-3-ol |
<0,6 |
<0,6 |
2-etilhexanol |
4,1 |
<1 |
álcool benzílico |
0,7 |
1,0 |
TMPD-DIB* |
7,7 |
6,9 |
naftaleno |
<0,6 |
0,6 |
benzeno |
<0,9 |
<0,9 |
COVT |
65 |
750 |
Nota. *2,2,4-trimetil-1,3-pentanodiol di-isobutirato (TMPD-DIB).
Parâmetros pré-existentes de qualidade do ar interior no Museu
Com o objetivo de assegurar a adequada manutenção da qualidade do ar interior, desde 1996 que o complexo onde o museu está inserido, efetua periodicamente análises de qualidade do ar nos seus três módulos, incluindo o museu. Seu último relatório se remete a setembro de 2020, onde constam análises referentes a temperatura, UR, partículas suspensas no ar, dióxido de carbono, monóxido de carbono, COVT, formaldeído, bactérias e fungos7. Essa auditoria, realizada em fevereiro e maio de 2020 evidenciou que no interior do museu, o formaldeído foi o composto cujas concentrações se mostraram acima8 dos valores estabelecidos como seguros para a saúde humana (0,1 mg/m3) (19) e que são valores ainda mais elevados do que as concentrações recomendadas pela ASHRAE (12) de 10 a 20 ppb9 para acervos em geral. O resultado foi atribuído, pelo técnico responsável pelo sistema de ar-condicionado do Museu, às remodelações constantes nos espaços expositivos, alteração da disposição de salas de exposições e pintura de paredes.10 Os espaços no museu são interligados, o que dificulta o isolamento da área em fase de remodelação. Entretanto, o sistema de ar-condicionado é desligado na galeria específica durante o tempo em que os trabalhos são realizados, com o objetivo de minimizar a contaminação dos outros espaços expositivos.
O sistema de ar-condicionado no museu tem disponibilidade para funcionamento durante 24 horas por dia e trabalha com filtros de partículas G4 nos pré-filtros e M5 antes das baterias, nomeadamente, na recirculação do ar. Adicionalmente, as unidades de tratamento do ar são periodicamente desinfetadas com o Biocida EQB 91.11
Em Portugal, a portaria de 2021 (20) ao abrigo do Decreto-Lei n˚ 101-D/2020 (21) estabelece que todos os edifícios de comércio e serviços em funcionamento estão sujeitos a requisitos relacionados com a qualidade do ar interior, mediante limiares de proteção e condições de referência. A Portaria n˚ 138-G/2021 de 1 de julho, define especialmente as metodologias de medição dos poluentes (normas CEN ou normas ISO e que as medições devem ser realizadas por laboratórios acreditados ou que detenham um sistema de gestão de qualidade implementado), os limiares, avaliação, critérios de conformidade e a metodologia a adotar na fiscalização do cumprimento das normas aprovadas. Os poluentes abrangidos pela Portaria n˚ 138-G/2021 são os PM10, PM2,5, COV, monóxido de carbono, dióxido de carbono, formaldeído e radônio, além dos poluentes microbiológicos, bactérias e fungos.
Parâmetros de temperatura e UR
Os dados de temperatura e UR apresentados neste estudo de caso, são referentes às medições realizadas no interior da vitrine (IV) e na galeria, exterior da vitrine (EV) no período entre os dias 20/08/2019 e 24/01/2020.
O Museu possui um sistema de ar-condicionado que é mantido em funcionamento durante 24 horas por dia, como mencionado anteriormente. Entretanto, o grande fluxo de público, abertura de portas, interligação entre os vários espaços e andares do museu, tendem a dificultar sua climatização. As medições realizadas com os data loggers na galeria (EV), mostraram uma oscilação de UR entre 27 % e 73 % (Figura ), enquanto a temperatura oscilou entre 18,6 ˚C e 25,2 ˚C durante os cinco meses de monitorização. Os gráficos referentes aos dados coletados no IV, evidenciaram a eficiência da vitrine para a estabilidade da UR, mesmo que esta não esteja completamente selada. A UR oscilou entre 46 % e 53 % e a temperatura se mostrou muito semelhante à temperatura da galeria, com registros entre 18,6 ˚C e 24,8 ˚C (Figura ).
Figura 3. Exterior da vitrine: Gráfico de temperatura e UR referente ao intervalo entre os dias 20/08/2019 e 24/01/2020 na galeria 3 norte piso 2 no Museu
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Figura 4. Interior da vitrine: Gráfico de temperatura e UR referente ao intervalo de dias entre 20/08/2019 e 24/01/2020 no interior da vitrine, localizada na galeria 3 norte piso 2 no Museu.
Quando analisado o desvio padrão dos dados coletados, as variações da UR na galeria (EV) tornam-se ainda mais evidentes (Tabela 3). No ciclo diário, observado durante o mês de janeiro (inverno), que foi o mês que se mostrou com maiores oscilações, os registros apontaram que a temperatura foi mais elevada sempre ao final do dia, por volta das 21h e que seu mínimo diário foi registado no início da manhã, por volta das 8h. Quando os dados são analisados em gráficos diários ou mensais, é possível verificar pequenas oscilações diárias de temperatura de 1,5 ˚C tanto no exterior como no interior da vitrine.
Tabela 3. Valores médios e desvio padrão de temperatura e UR comparativos entre o interior e exterior da vitrine entre os dias 20/08/2019 e 24/01/2020
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IV |
EV |
Temperatura (˚C) |
máxima |
24,8 |
25,2 |
mínima |
18,7 |
18,6 |
|
média |
21,7 |
22,0 |
|
desvio padrão |
1,22 |
1,26 |
|
UR (%)
|
máxima |
53 |
74 |
mínima |
46 |
27 |
|
média |
52 |
55 |
|
desvio padrão |
1,28 |
8,33 |
Estudo dos materiais de construção dos espaços expositivos: Preparação das amostras em laboratório
O museu estudado é reconhecido como um museu dinâmico graças às diversas exposições temporárias que são realizadas a cada ano. Para que cada nova exposição receba um caráter e uma imagem que a faz única, os espaços quase sempre são remodelados, as paredes recebem uma cor diferente, por vezes são projetadas bases e vitrines expositivas e algumas vezes, paredes novas e divisórias são construídas, para os quais materiais diversos são usados e inseridos nos espaços. Durante o período que foi realizado o estudo sobre a qualidade do ar no interior da vitrine e na sala expositiva foi detectado que os espaços que eram remodelados para receber uma nova exposição eram interligados com as demais salas de exposição do acervo. Como já mencionado anteriormente, a arquitetura dos espaços dificulta que seja efetuado um isolamento entre as diversas áreas do museu. Partindo dessa observação e das elevadas concentrações de COVT encontradas na área expositiva, considerou-se relevante, a nível experimental, coletar amostras dos principais materiais utilizados em suas remodelações e prosseguir com a análise da possível emissão de compostos voláteis. Para isso, quatro amostras de materiais diferentes foram selecionadas. A coleta se deu diretamente num espaço do museu que passava por fase de remodelação. Os materiais coletados foram: a tinta utilizada para revestir as divisórias de aglomerados, o aglomerado MDF (medium density fiberboard) sem camada de preparação, o aglomerado de partículas com as duas faces revestidas de MDF, que aqui será identificado simplesmente como "aglomerado" e o aglomerado com o revestimento de tinta (Figura). A tinta da amostra foi identificada como tinta plástica na cor branca Ultra-Mat Stucomat da marca Robbialac®. Três réplicas de cada amostra foram inseridas cada uma num vial de 20 mL com tampa. Um vial controle foi fechado no mesmo local que os outros, de forma a permitir identificar e desprezar os compostos voláteis do local em que foi fechado. Para cada vial foram inseridos aproximadamente 1,0 g de amostra, utilizando uma balança Scaltec (Max. 320 g, d=0.001 g). Foi produzida uma amostra de tinta pura, sem adição de água. O MDF foi raspado com uma lâmina, de forma a permitir uma medição mais precisa e deixar expostas maior número de áreas favorecendo a emissão de compostos voláteis. O aglomerado teve suas partículas desconstruídas para permitir a pesagem e facilitar a colocação no vial (Figura).
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Figura 5. Amostras de materiais de construção de exposições temporárias antes e após serem pesadas e inseridas em vials. (A) Tinta plástica Robbialac Stucomat Ultra-mate branca; (B) Vials com tinta; (C) Aglomerado; (D) Vials com aglomerado; (E) Aglomerado pintado (revestimento aplicado há mais de 6 meses); (F) Vials com aglomerado pintado; (G) MDF; (H) Vials com MDF.
Procedimentos e condições do HS-SPME-GC/MS
A microextração em fase sólida (SPME) em headspace (HS) seguida pela análise em cromatografia gasosa acoplada a um espectrômetro de massa (GC/MS) é uma técnica analítica que permite a detecção e quantificação de uma ampla variedade de COVs. O dispositivo SPME inclui uma agulha em cuja ponta é posicionada uma fibra coberta com um polímero ou um adsorvente sólido que extrai os analitos voláteis da amostra recolhida por absorção ou adsorção e que é depois introduzida no GC/MS para dessorção a temperatura elevada e posterior análise (22). Para a extração da amostra em headspace, foi utilizada a fibra revestida com Divinilbenzeno/Carboxeno/Polidimetilsiloxano (DVB/CAR/PDMS) da Supelco, referência 57298-U a 60 ˚C e com pré-incubação de 10 minutos. O tempo de exposição da fibra no vial com as amostras foi de 30 minutos e o tempo de dessorção da fibra no injetor de GC foi de 10 minutos.
Das três amostras de cada material, a amostra 1 foi exposta à fibra do SPME, sem padrão interno, para análise qualitativa. Nos vials que continham as amostras 2 e 3, foi acrescentado dodecano deuterado para a calibração e normalização das variações da técnica. Para cada vial, foi adicionado 1µL de uma solução de dodecano deuterado a aproximadamente 0,7 mg/mL1.
A cromatografia gasosa foi realizada utilizando um cromatógrafo Bruker GC 456 Scion TQ, equipado com uma coluna capilar CP-Wax 58 FFAP (50 m de comprimento, I.D. 0,25 mm e espessura do filme de 0,20 µm), e foi utilizado He (1 mL/min) como gás de arraste. A temperatura do injetor foi de 250 ˚C (splitless: 25 min). O programa de temperatura do forno do GC foi iniciado em 40 ˚C com 3 minutos de espera, aumentado a 5 ˚C/min até 225 ˚C com o tempo de espera de 5 minutos. O espectrómetro de massa funcionou em modo de impacto eletrônico (EI) a 70 eV, Full Scan entre 33-350 m/z. e utilizou-se uma biblioteca de espectros NIST versão 2.3, maio de 2017.
Resultado
A técnica de HS-SPME utilizada para a detecção de COVs emitidos a partir de materiais utilizados nas remodelações dos espaços expositivos, permitiu identificar cerca de 100 compostos voláteis emitidos pelos materiais amostrados. Apesar da detecção de um amplo número de compostos, a técnica não permite a detecção do formaldeído e do acetaldeído. Os resultados obtidos dos compostos detectados estão expressos em µg/g1 e são avaliados de forma comparativa entre eles. Dos compostos detectados pela técnica, os cromatogramas (Figuras 7, 8, 9, 10 e Tabelas 4, 5, 6 e 7) evidenciam sua abundância. O ácido acético foi identificado em abundância relativa, entre o total de compostos detectados, mas não está incluído nos cromatogramas de cada amostra, assim como outros compostos, porque a comparação não é feita entre os compostos do mesmo grupo, ex. ácidos com ácidos, aldeídos com aldeídos etc.12
Os painéis de derivados de madeira são conhecidos como fontes importantes de COVs, já que fibras, partículas ou folheados de madeira são unidos com o auxílio de colas e adesivos, além de receber outros aditivos na sua produção, tais como agentes de cura e solventes (23). Adicionalmente, um revestimento final pode ou não, ser aplicado. O tipo de madeira utilizada na confecção dos aglomerados e sua espessura (24) também proporcionam forte influência na emissão dos compostos desses materiais. Além disso outros fatores colaboram para a emissão dos COVs, tais como a temperatura, UR, velocidade do ar, taxa de troca do ar, fatores relacionados com o tratamento do painel e ao seu processo de fabrico, como o teor de humidade e teor de resina, entre outros (25).
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Figura 1. Cromatograma obtido por SPME-GC/MS da tinta utilizada em revestimentos de aglomerados de madeira nas galerias de exposição do museu. Abundância dos compostos expressa em giga counts (GCps). Os picos 1 a 8 estão representados na Tabela 4. Fonte: Relatório CINATE.
Tabela 4. Identificação e tempo de retenção dos compostos emitidos da tinta utilizada em revestimentos de aglomerados de madeira nas galerias de exposição do museu
Pico |
Nome do composto |
Tempo de retenção (min) |
CAS* |
1 |
éter dibutílico |
6,397 |
142-96-1 |
2 |
1-butanol |
10,876 |
71-36-3 |
3 |
acrilato de butilo |
11,496 |
141-32-2 |
4 |
benzaldeído |
20,883 |
100-52-7 |
5 |
etanol, 2-(2-butoxietoxi) |
27,126 |
112-34-5 |
6 |
etanol, 2-(2-butoxietoxi), acetato |
28,323 |
124-17-4 |
7 |
1,3-pentanediol, 2, 2,4-trimetil-, 1-isobutirato |
28,747 |
77-68-9 |
8 |
2,2,4-trimetil-1,3-pentanediol diisobutirato |
29,052 |
6846-50-0 |
Nota. *Número de registro.
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Figura 2. Cromatograma obtido por SPME-GC/MS dos aglomerados de madeira nas galerias de exposição do museu. A abundância dos compostos está expressa em mega counts (MCps). Os picos 1 a 9 estão representados na Tabela 5. Fonte: Relatório CINATE.
Tabela 5. Identificação e tempo de retenção dos compostos emitidos dos aglomerados de madeira nas galerias de exposição do Museu
Pico |
Nome do composto |
Tempo de retenção (min) |
CAS |
1 |
etanol |
5,809 |
64-17-5 |
2 |
α-pineno |
7,428 |
80-56-8 |
3 |
etanol, 2-(2-etoxietoxi) |
23,167 |
111-90-0 |
4 |
etanol, 2-(2-butoxietoxi) |
27,126 |
112-34-5 |
5 |
ácido hexanoico |
28,19 |
142-62-1 |
6 |
1,3-pentanediol,2,2,4-trimetil-,1-isobutirato |
28,747 |
77-68-9 |
7 |
2,2,4-trimetil-1,3-pentanediol diisobutirato |
29,052 |
6846-50-0 |
8 |
ácido neodecanoico |
32,3 |
26896-20-8 |
9 |
ácido octanoico |
32,511 |
124-07-2 |
|
Figura 3. Cromatograma obtido por SPME-GC/MS do aglomerado de madeira revestido com tinta utilizado nas galerias de exposição do museu. A abundância dos compostos está expressa em giga counts (GCps). Os picos 1 a 9 estão representados na Tabela 6. Fonte: Relatório CINATE
Tabela 6. Identificação e tempo de retenção dos compostos emitidos do aglomerado de madeira revestido com tinta utilizado nas galerias de exposição do museu
Pico |
Nome do composto |
Tempo de retenção (min) |
CAS |
1 |
α-pineno |
7,428 |
80-56-8 |
2 |
limoneno |
12,047 |
5989-54-8 |
3 |
etanol, 2-(2-etoxietoxi) |
23,167 |
111-90-0 |
4 |
α-terpineol |
24,947 |
98-55-5 |
5 |
etanol, 2-(2-butoxietoxi) |
27,126 |
112-34-5 |
6 |
etanol, 2-(2-butoxietoxi), acetato |
28,323 |
124-17-4 |
7 |
1,3-pentanediol, 2,2,4-trimetil-, 1-isobutirato |
28,747 |
77-68-9 |
8 |
2,2,4-trimetil-1,3-pentanediol diisobutirato |
29,052 |
6846-50-0 |
9 |
ácido hexanóico, 2-etil |
30,318 |
149-57-5 |
|
Figura 4. Cromatograma obtido por SPME-GC/MS dos compostos emitido do MDF utilizado nas galerias de exposição do museu. A abundância dos compostos está expressa em mega counts (MCps). Os picos 1 a 11 estão representados na Tabela 7. Fonte: Relatório CINATE
Tabela 7. Identificação e tempo de retenção dos compostos emitidos do MDF utilizado nas galerias de exposição do museu
Pico |
Nome do composto |
Tempo de retenção (min) |
CAS |
1 |
furfural |
19,382 |
98-01-1 |
2 |
etanol, 2-(2-etoxietoxi) |
23,167 |
11-90-0 |
3 |
α-terpineol |
24,947 |
98-55-5 |
4 |
etanol, 2-(2-butoxietoxi) |
27,126 |
112-34-5 |
5 |
ácido hexanoico |
28,19 |
142-62-1 |
6 |
1,3-pentanediol, 2,2,4-trimetil-, 1-isobutirato |
28,747 |
77-68-9 |
7 |
2,2,4-trimetil-1,3-pentanediol diisobutirato |
29,052 |
6846-50-0 |
8 |
ácido neodecanoico |
32,3 |
26896-20-8 |
9 |
ácido octanoico |
32,511 |
124-07-2 |
10 |
ácido nonanoico |
34,524 |
112-05-0 |
11 |
vanilina |
41,508 |
121-33-5 |
Discussão
A emissão de COVs dos mesmos materiais no ambiente real de museu tende a ter forte influência das condições térmicas e de umidade, do design estrutural, da qualidade de construção do espaço, da taxa de troca do ar com o ar externo, do tempo de secagem e dos tipos de revestimentos, entre outros (23), pelo que os valores obtidos deverão ser considerados numa base comparativa e não absoluta.
A investigação conduzida em um museu teve como foco principal o estudo da qualidade do ar no interior da vitrine e sua comparação com o ar da galeria de exposições a partir das medições dos COVs e gases ácidos. Foram detectados os principais COVs emitidos dentro e fora da vitrine e suas possíveis fontes foram investigadas. Para isso, foi necessária a compreensão dos materiais de composição da obra em estudo, da vitrine e dos materiais utilizados na construção e remodelações das galerias de exposição. Verificou-se que a obra de Tutundjian é pintada sobre madeira e em conjunto com a sua moldura, igualmente de madeira, estão inseridas em uma caixa de acrílico. Também foi observado que as paredes e divisórias utilizadas nos espaços expositivos são construídas de aglomerados de madeira pintados e adicionalmente o piso dos espaços expositivos onde a obra se encontra é de madeira. As madeiras e seus subprodutos são conhecidos como fontes de ácidos, nomeadamente o ácido acético e ácido fórmico. Adicionalmente, são fontes importantes de aldeídos e terpenos, além de outros COVs. O formaldeído, entretanto, está entre os aldeídos amplamente investigados em ambientes de acervos (26–30). Sua emissão é proveniente basicamente de três fontes: (a) os compostos de formaldeído provenientes da própria madeira; (b) o formaldeído livre residual das resinas à base de formaldeído; (c) o formaldeído libertado a partir das degradações estruturais de painéis à base de madeira (25). As concentrações elevadas de formaldeído encontradas durante a auditoria13 efetuada no museu em fevereiro e maio de 2020, pode justificar-se pelas paredes em MDF e aglomerado, construídas durante as remodelações das galerias expositivas, sendo que o formaldeído emitido por placas de aglomerados de partículas tende a aumentar com o aumento da UR, parâmetro este que se mostrou elevado na galeria onde as medições foram realizadas. Apesar do composto não ter sido medido durante o atual projeto de investigação, considerou-se pertinente inserir os dados pré-existentes para uma melhor avaliação do contexto.
Entre os aldeídos o hexanal foi detectado em todas as amostras de aglomerados, MDF e na galeria expositiva. É considerado um composto emitido indiretamente pelas madeiras, como produto principal da oxidação do ácido linoleico (31). O n-hexanal foi encontrado em concentrações elevadas de 74 µg/m3 nas análises efetuadas no ar exterior à vitrine, na galeria expositiva, quando comparado com outros compostos.
Análises resultantes das amostras dos aglomerados e MDF evidenciaram a presença de alguns aldeídos e seus respetivos ácidos carboxílicos, como o n-hexanal e o ácido hexanóico, que foi uma ocorrência igualmente observada em estudos anteriores semelhantes (9). É suposto que esses ácidos sejam produtos de emissão secundária resultantes do processo de degradação térmica e oxidativa dos ácidos gordos provenientes dos fragmentos de madeira durante os processos de secagem e prensagem no fabrico dos aglomerados (9).
O ácido hexanóico (C6H12O2) é um ácido carboxílico também conhecido por ácido capróico, devido ao seu desagradável odor de cabra. Foi detectado em concentrações elevadas no aglomerado, aglomerado com tinta e no MDF. O ácido hexanóico é usado na manufatura de uma variedade de produtos, tais como adesivos, selantes, cosméticos, biocidas, ceras, entre outros (32).
Ainda outros compostos foram detectados em concentrações mais elevadas na galeria expositiva em relação ao interior da vitrine, entre eles o n-butanol (30 µg/m3), tolueno (20 µg/m3), m-xileno (12 µg/m3), -pineno (9,8 µg/m3) e o n-decano (7,6 µg/m3). O tolueno é conhecido por afetar borrachas e polímeros modernos (33) e apesar de ter sido encontrado na sala expositiva, não foi propriamente identificado em elevadas concentrações nas análises dos aglomerados e tinta. Os terpenos, como -pineno e o limoneno, detectados nas amostras de aglomerados, no ar da sala expositiva e em menor concentração, no interior da vitrine, tendem a ter relação com a madeira e suas partículas, e não com as resinas e colas (23,31) e são responsáveis por um elevado percentual dos COVs normalmente emitidos diretamente pelas madeiras macias (31).
Entre os COVs detectados através do adsorvedor Tenax® TA, o 2,2,4-trimetil-1,3-pentanodiol di-isobutirato (TMPD-DIB) foi o único composto cujas concentrações (7,7 µg/m3) detectadas foram superiores no interior da vitrine quando comparado ao espaço expositivo (6,9 µg/m3). Como já mencionado, todos os outros COVs detectados apresentaram concentrações mais elevadas na galeria expositiva. O TMPD-DIB é um composto de odor suave normalmente utilizado como plastificante na produção de plásticos, produtos de vinil, uretanos e vários outros polímeros para inclusão de bens de consumo, como pisos de PVC, papel de parede, tintas à base de água e produtos de couro artificial (34) e como ligante em tintas de látex e tintas a base de água (35,36). Foi encontrado em todas as amostras de materiais de construção, contudo, na amostra de tinta o teor foi mais elevado. Oportuno destacar que a tinta amostrada é uma tinta plástica à base de água numa dispersão estireno-acrílica (37).
A concentração de COVT de 65 µg/m3 encontrada no interior da vitrine, sugere o potencial protetivo da caixa de acrílico, quando comparada com a concentração elevada de COVT de 750 µg/m3 encontrada na área expositiva, superando de forma significativa a recomendação máxima de 100 µg/m3 indicada na prevenção de coleções em geral (12) e de 300 µg/m3 recomendada para a saúde humana, valor este referente a ambientes interiores não industriais (18). Este resultado pode ser um indicador de ventilação insuficiente ou deficiente no espaço (18), mas adicionalmente sugere que houve fontes importantes de poluentes no espaço na ocasião da amostragem.
O efeito protetivo das camadas de revestimento sobre os aglomerados não foi explorado nesse trabalho. Contudo, estudos já realizados (25) indicam que os revestimentos aplicados nas placas de aglomerados, tendem a formar uma barreira para o formaldeído e outros COVs, o que atua positivamente dificultando suas emissões. Contudo, Tétreault (38) recomenda que haja critérios na escolha dos materiais de revestimento para que eles não atuem como uma fonte adicional de poluentes.
Conclusão
As análises de compostos voláteis e medições de temperatura e UR realizadas pontualmente no interior de uma vitrine e na galeria expositiva evidenciaram diferenças significativas na qualidade do ar resultantes da colocação de uma obra em vitrine. Apesar dos materiais de construção da vitrine (polimetilmetacrilato) não serem conhecidos como fontes importantes de poluentes, os materiais de constituição da obra, nomeadamente a madeira e seus subprodutos, adicionados a um fechamento de vitrine que permitia a circulação do ar reduzida, provavelmente foram responsáveis pela elevada concentração do ácido acético e ácido fórmico em seu interior. Adicionalmente, os resultados obtidos pelas medições de temperatura e UR mostraram o efeito positivo da vitrine em relação à estabilização da UR, e que pouco ou quase nenhuma diferença foi registrada entre a temperatura do interior e do exterior da vitrine. Apesar das concentrações elevadas de ácido acético e ácido fórmico detectadas no interior da vitrine, não foram observadas alterações na policromia da obra ou da moldura, através dos exames analíticos previamente realizados14 no âmbito deste trabalho. As análises realizadas com os materiais de construção utilizados nas remodelações das galerias expositivas no museu evidenciaram a emissão de uma grande variedade de COVs, assim como as análises realizadas na galeria da vitrine resultaram em concentrações elevadas de COVT (750 µg/m3). Entretanto, maiores investigações seriam necessárias para atribuir uma possível conexão entre os COVs encontrados na galeria analisada, os COVs emitidos pelos materiais de construção da própria galeria ou os COVs emitidos durante a remodelação de uma galeria no próprio museu. Além disso, os compostos encontrados em concentrações elevadas necessitarão ser analisados individualmente quanto ao seu potencial risco de dano para o acervo.
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1 Não foi autorizada a divulgação do nome do museu estudado. Aqui, ele será apresentado apenas como "museu".
2 A caixa de acrílico aqui será identificada como "vitrine".
3 Dados fornecidos oralmente pelo registrar do museu.
4 Informação complementar fornecida pela IVL.
5 Na publicação da ASHRAE de 2015 é mencionado que "muito pouco se sabe sobre o ácido fórmico em várias concentrações" e na publicação do Getty Conservation Institute (11) é sugerido a concentração máxima de 38 µg/m3 para acervos em geral.
6 Valor convertido de 100 ppb (Brasil) a considerar uma pressão atmosférica normal ao nível do mar de 1013 hPa e uma temperatura de 20˚C. COV: M=78,9516 g/mol1.
7 Dados adaptados do webinar da rede temática sobre a QAI-MBA, apresentado por Sérgio Caeiro, em 21/12/2021. A gravação encontra-se disponível no site da rede temática: https://m.porto.ucp.pt/pt/qai.mba.
8 Concentrações não reveladas no webinar da rede temática. Os resultados que constam no relatório das análises de qualidade do ar do museu não são de livre acesso.
9 Valor convertido de 10 a 20 ppb (Brasil) a considerar uma pressão atmosférica normal ao nível do mar de 1013 hPa e uma temperatura de 20˚C. Conversão: 12,4 µg/m3 a 24,8 µg/m3.
10 Dados adaptados do webinar da rede temática sobre a QAI-MBA, apresentado por Sérgio Caeiro, em 21/12/2021, onde é citado parte do relatório de auditoria realizado em 2020. A gravação encontra-se disponível no site da rede temática: https://m.porto.ucp.pt/pt/qai.mba.
11 Dados adaptados do webinar da rede temática sobre a QAI-MBA, apresentado por Sérgio Caeiro, em 21/12/2021.
12 Joel Pereira, CINATE, comunicação feita pessoalmente.
13 Dados adaptados do webinar da rede temática QAI-MBA, apresentado por Sérgio Caeiro, em 21/12/2021, onde é citado parte do relatório de auditoria realizado em 2020
14 No âmbito deste trabalho de investigação, as camadas de revestimento da pintura e da moldura foram analisadas por meio de múltiplas análises nos Laboratório HERCULES, Évora, Portugal.