Entrevistando Kunihiko Aizawa
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Caetana Britto: Como o senhor pensa que os museus de arte contemporânea podem aprimorar a interpretação conceitual das obras, de modo a melhor conservá-las e apresentá-las ao público?
Kunihiko Aizawa: Acho que é um problema difícil. Por exemplo, ao fazer escolhas importantes tais como a interpretação de obras em um museu de arte contemporânea, pode ser eficaz considerar tanto quanto possível uma visão interdisciplinar, em uma perspectiva de longo prazo. E discutir com pessoas de fora da área especializada, inclusive visitantes, dependendo da situação.
CB: A partir de sua menção a Edward Said (“a preservação pode levar à exclusão”), de que forma o senhor considera que os conservadores participam do processo de “seleção” operado pelos museus?
KA: Depende das características, escala e estrutura do museu, mas, uma vez que o conservador é um membro da equipe do museu, acho que há um certo grau de envolvimento. Por exemplo, as observações do conservador sobre os materiais e técnicas da obra, a robustez ou fragilidade, ou sobre a própria obra, parece ter mais ou menos influencia na escolha da obra.
CB: Como o senhor entende o dever de conservar os objetos para as futuras gerações utilizando medidas que restringem ou impedem a fruição de obras no presente (caso das proteções em material plástico ou vidro que impedem a visão integral do objeto)?
KA: Acho que esta é uma questão que deve ser cuidadosamente considerada, individualmente para cada trabalho. Prevenir acidentes irreversíveis tanto quanto expor a obra em um ambiente adequado pode quase sempre ser contraditório mas, de qualquer forma, acho importante encontrar uma maneira de atingir esses dois objetivos.
CB: Frente à rápida obsolescência técnica, o senhor sugere a possibilidade de “desistir” temporariamente de uma intervenção ou reformatação e aguardar as evoluções técnicas do futuro. Isso não contradiz as funções sociais do museu de conservar para dar acesso no presente?
KA: Mesmo que a obra não esteja disponível para exposição e não possa ser restaurada, deveria ser possível estudar, registrar e publicar os achados sobre a obra, e penso que esse também é um papel importante dos museus. Hoje, existem muitos meios de divulgação de informações, como a Internet e SRS. Ao que parece, não são poucas as pessoas hoje completamente impossibilitadas de visitar museus e ver objetos de arte reais. Além disso, se houver a menor dúvida sobre a restauração de uma obra ou a substituição de suas partes, acho que é necessário "desistir" ou "parar" pelo menos antes de cometer um excesso.
CB: A conservação historicamente se ocupa da materialidade de obras e objetos. Na sua visão, os textos teóricos clássicos que orientam intervenções no patrimônio, se aplicam às obras contemporâneas, conceituais e efêmeras?
KA: Eu não acho que é possível aplicá-los totalmente. Isso porque o modo como a “arte” e a “expressão” são percebidas e a natureza da obra e dos bens culturais (tradicionais) são muito diferentes das obras de arte contemporânea. No entanto, deve haver muitas coisas que podem ser referenciadas, e acredito que é essencial reunir informações e expandir o conhecimento cruzando os domínios, não se limitando aos métodos de conservação e restauração tradicionias do patrimônio cultural.
CB: A abordagem “caso a caso” pressupõe recursos, humanos inclusive, gigantescos dada a quantidade de obras e a complexidade específica de cada uma. Neste contexto, como o senhor considera que deveria ser uma equipe de conservação interdisciplinar?
KA: Quando estamos diante de um trabalho de arte, é importante trabalhar interdisciplinarmente com múltiplas pessoas, mas mesmo que o conservador tenha que trabalhar sozinho, acho importante também trabalhar a partir de uma perspectiva interdisciplinar. Para (tratar) obras de arte contemporânea, diversas e complexas, acho que seria útil adicionar o conhecimento não apenas de historiadores da arte, estudiosos de arte, especialistas em conservação e materiais, mas também especialistas em sociologia, ciência política e filosofia política. Isso porque, na sociedade moderna, vários elementos que devem se estabelecer como "obras" e "expressões" são intrincadamente ligados a ela e podem ser consideradas intimamente relacionadas à "política" no sentido amplo.