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GeCAC entrevista Salvador Muñoz Viñas

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Caetana Britto: O senhor não considera que a conservação preventiva ou a não intervenção do profissional, para além de não trazer benefícios, pode igualmente induzir a alterações?

 

Salvador Muñoz-Viñas: A conservação preventiva não implica mudanças semánticas ou estéticas, mas sim prolonga a vida do objeto. Isto, em si mesmo, pode ser considerado um beneficio, uma vez que mais pessoas podem desfruta-lo ou usa-lo.

Por outro lado, sim: a conservação preventiva pode introducir mudanças , tanto pequenas alterações físicas (por exemplo, fixando um pergaminho em uma posição determinada) como a nivel fenomenológico ou comunicativo, quer dizer, pela maneira como a obra é percebida ou interpretada. Por exemplo, Por ejemplo, por causa da conservação preventiva a acessibilidade a muitos objetos pode se ver drásticamente reduzida (como, por exemplo, quando se coloca um objeto dentro de uma vitrine atrás de um vidro ou em uma reserva. Do mesmo modo, as condições de observação podem não ser adequadas (como, por exemplo, quando a iluminação sob uma gravura é reduzida a 100 ou até 50 luxes).


CB: Para a conservação das obras, o senhor defende um compromisso entre os envolvidos. Quando pensamos em obras contemporâneas, concebidas para serem efêmeras e até mesmo autodestrutivas, como o senhor analisa o enorme investimento (humano, econômico, ambiental) das instituições para preservá-las, contra a intenção do próprio artista?

SMV: Esta é uma questão complexa. Analisei-a parcialmente em um texto que intitulei “The artwork that became a symbol of itself”, publicado em 2010. Ali eu sugeria que as obras efêmeras ou ativas, as obras pensadas para fazer coisas (o que eu chamava de “obras performativas”) não podem conservar-se reduzindo ou limitando sua performatividades sem que haja perda estética.

 

Esta é uma questão complexa. Nos casos em que se faz assim , a obra “congelada”, não funciona como foi previsto. A obra que não faz o que deveria fazer para ser uma obra de arte se converte em um ícone de si mesma. Passou-se uma década mas eu continúo pensando assim: no caso das obras efêmeras ou performativas há que escolher entre desfrutar a obra efêmera, ativa, em funcionamento durante um período relativamente breve, ou conservar pelo menos um ícone, um símbolo estático dessa obra durante um período mais longo. Nenhuma opção é adequada, e é difícil — não, é impossível satisfacer a todos; mas há que se ter a coragem de escolher.

 

CB: O senhor poderia exemplificar em que medida considera que o conceito japonês do kintsugi pode ser assumido como um modelo ético na prática da conservação de arte?

 

SMV: O kintsugi nos serve para manter um objeto em estado funcional, sem pretender ocultar a sua história. Responde, de certo modo, ao princípio de discernibilidade, porém adiciona a ideia de que não é necessário ocultar o trabalho do restaurador: o restaurador passaria a ser considerado como mais um agente na história do objeto. Na atualidade, pelo contrário, o restaurador tenta ver-se a si mesmo como um elemento neutro ou transparente, como um não-agente, algo que, eu suspeito poderia ser um erro estratégico a longo prazo.

 

CB: Considerando a alta complexidade da natureza transacional da conservação, envolvendo grande diversidade e quantidade de agentes, valores e temporalidades, que competências o senhor considera essenciais para um profissional de conservação?

SMV: Certamente, as capacidades técnicas, que são as que definem a profissão. Mas ademáis, a capacidade de comunicação e persuasão. Eu temo, entretanto, que estas habilidades são muito difíceis de ensinar, porque dependem da personalidade de cada um. Espero estar errado, no entanto.

CB: Estendendo a pergunta anterior, como seria a formação desse profissional e como seria a composição das equipes de trabalho?


SMV:  As capacidades técnicas se pode ensinar, como está se fazendo agora em quase todos os centros que conheço: mediante uma boa combinação de teoría e prática. Entretanto, como dizia antes, não sei como poderia se formar alguém nas artes da persuasão. Claro que poderia se fazer algo, mas na minha opiniãoa maior parte dessa destreza está determinada pela personalidade ou pelo talento de cada um.

 

CB: No processo de decisão orientado pela análise de custo-benefício, a valoração dos ganhos proposta se assenta em índices subjetivos como a “felicidade” proporcionada pela apreciação de um objeto bem conservado. Se o senhor mesmo assume a impossibilidade de quantificar este índice, na prática como poderia ele servir a este modelo transacional?

SMV: É um erro acreditar que só aquilo que se pode medir de maneira objetiva debe ser levado em conta em uma tomada de decisões. “Objetividade” não é sinônimo de “equilibrio” ou “sensatez”. Que se tome uma decisão baseando se em critérios objetivos não quer dizer que ela seja justa ou inteligente, e ao contrario, que se tome uma decisão subjetivamente não quer dizer que seja injusta ou absurda. De fato, a maior parte das decisões de nossas vidas são tomadas baseadas em fatores subjetivos, tanto as mais importantes (escolher casa, escolher trabalho, escolher parceiro, escolher amigos, decidir se terão filhos etc.), quanto as mais triviais (sair para jantar ou não, comprar um livro ou outro, desculpar-se por algo ou esperar etc.)

Mais que isso, estas decisões (que igual às que se baseiam em critérios objetivos podem ser mais ou menos acertadas) só podem ser tomadas apoiando-se em fatores subjetivos: não poderiam ser tomadas de outra maneira. Na restauração ocorre igual: as decisões mais importantes (o que restaurar, quanto recurso empregar, o que expor e o que reservar etc.) se baseiam principal ou exclusivamente em fatores subjetivos. De fato, acredito que o modelo transacional que apresento neste texto é o que aplicamos rotineiramente na restauração, ainda que o façamos de maneira inconsciente, meu texto só o coloca em destaque. Acho que ele pode ajudar os resturadores a tomarem melhores decisões e a fase-lo de maneira mais consciente. Eu gosto de pensar, por exemplo, que ser consciente da “alteração causada pela restauração” (em inglês “C-IA”) quer dizer ser consciente de que a restauração altera o objeto restaurado, pode fazer com que nós restauradores trabalhemos de maneira mais realista, sem perseguir esse impossível que seria, literalmente, “conservar” a obra na qual interviemos: uma intervenção não-interventiva é um contrassenso.



Periódico Permanente é a revista digital trimestral do Fórum Permanente. Seus seis primeiros números serão realizados com recursos do Prêmio Procultura de Estímulo às Artes Visuais 2010, gerido pela Funarte.

 

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