Palacete, Hospital Real, Subsistência do Exército, Museu Casa das Onze Janelas, Belém, Pará
por Mariana Lorenzi
Este projeto, estruturado em forma de anotações, é um exercício de deriva que parte da vontade de se traçar uma narrativa não-oficial sobre a história da Casa das Onze Janelas, construção localizada em Belém do Pará, que hoje abriga o mais importante museu de arte contemporânea da região Norte do Brasil.
De forma livre, são misturadas informações sobre a história da casa encontradas em sites oficiais, com as raras menções que identificam a construção como um lugar de tortura durante a época da ditadura civil- militar.
Mais do que tentar trazer afirmações, o projeto é uma provocação de como os lugares que detém a narrativa oficial da história, silenciam deliberadamente o lado daqueles que, estando do outro lado, foram vítimas de opressão.
Não se trata aqui de desmerecer o trabalho que vem sendo feito pelo Museu Casa das Onze Janelas, que dentro de suas possibilidades faz um enorme esforço para difundir a arte e dar espaço aos artistas, mesmo estando em uma região que se encontra à margem da produção artística brasileira assimilada pelo circuito de arte oficial. Mas sim, de convidar
à reflexão sobre como é possível criar fissuras nas narrativas oficiais, garantindo que histórias que foram silenciadas possam emergir.
I.
O Museu Casa das Onze Janelas é uma instituição de Belém localizada na Cidade Velha e gerida pelo governo do Estado do Pará através de sua Secretaria de Cultura. Desde 2002 funciona como espaço cultural para a cidade paraense, se dedicando a mostras de arte contemporânea, além de contar com um acervo de mais de 300 obras de artistas brasileiros. É considerado o primeiro museu de arte contemporânea da região Norte.
O edifício data de meados do século XVII e era originalmente chamado de Palacete das Onze Janelas, nome que vem do fato óbvio de possuir onze janelas em sua fachada. Foi construído para servir de residência para o senhor do engenho de açúcar Domingos da Costa Bacelar, e funcionava como sua propriedade de final de semana, já que nos outros dias ficava no interior onde estavam localizados seus engenhos.
Em 1768, o edifício foi vendido para o governador do Grão-Pará, Francisco Ataíde Teive, e após reformas feitas pelo arquiteto italiano Antônio José Landi, se tornou um hospital militar chamado “Hospital Real”.
O hospital militar funcionou no local até 1870, quando o prédio começou a ser usado para outras atividades militares, abrigando o Corpo da Guarda e a Subsistência do Exército até o final do século XX.
(...)
Em dezembro de 2001, o Governo do Estado do Pará assinou um convênio com o Exército Brasileiro. Em 2002 a Casa das Onze Janelas ressurge com um perfil museológico definido: ser um museu de difusão de arte contemporânea, se tornando em pouco tempo um dos mais relevantes da região Norte. O museu faz parte de um projeto de revitalização da cidade antiga de Belém, chamado Feliz Lusitânia.
II.
Durante a época da ditadura civil-militar, a Casa das Onze Janelas foi utilizada como local de encarceramento e tortura de presos políticos, era chamada de a 5a Companhia da Guarda. Nos poucos relatos encontrados, pessoas que ali ficaram presas dizem que as torturas ocorriam no espaço onde hoje está localizado o restaurante do museu.
Em todas as narrativas oficiais encontradas sobre a Casa das Onze Janelas – site de turismo de Belém, site do Museu, entre outros –,não aparece qualquer referência sobre o envolvimento do local com a ditadura. Há um desconcertante silenciamento sobre esse pedaço da história que, podemos presumir, se deve ao fato do casarão ainda pertencer ao Exército. Aliás, para que essa relação não seja esquecida, uma corveta militar fica atracada em frente ao museu, um grande memorial ao silêncio daquilo que não interessa ser contado.
III.
Uma breve linha do tempo da Casa das Onze Janelas
ou
O (não) dito
Século XVIEngenho [escravidão]
Século XVII Palacete [colonialism]
1768 Hospital [controle]
1870 Corpo da Guarda [repressão]
1964 Subsistência do Exército [ditadura] [tortura]
2000 Núcleo Feliz Luzitânia [gentrificação]
2002 Museu [narrativas não-oficiais]
IV.
Contra-circuito
Criar um trabalho, em formato de audioguia, que conte as diversas camadas de história da Casa das Onze Janelas. Destacando as transições do casarão de um poder a outro, e dando especial ênfase ao período que a construção funcionou como local de tortura durante a ditadura. Com este artifício em mãos, o visitante poderá conhecer o Museu para além de seu belo acervo e áreas de lazer. O restaurante, onde os presos políticos garantem que era o local das torturas, ganhará um novo significado. A corveta atracada terá um peso muito maior.
Pelo fato do casarão ainda pertencer ao Exército (é bom lembrar que o Museu existe por conta de um convênio com a instituição), esse audioguia nunca seria aceito para integrar oficialmente a mediação do Museu com o público. Por isso, o trabalho deve ser clandestino, fazer parte de um contra-circuito da instituição. Algo divulgado no boca a boca. Um arquivo digital que se viraliza nas redes e se materializa no passeio solitário de um visitante, que, munido de um fone de ouvido, poderá finalmente ter acesso às histórias não contadas daquele lugar, criando assim fissuras nas narrativas oficiais.