Frente à euforia
Por Fábio Zuker, Isabella Rjeille e Mariana Lorenzi*
Do mesmíssimo modo que nossos melhores planos, disse Austerlitz, como me lembro, sempre se convertem no seu exato oposto, quando postos em prática.
W. G. Sebald
Ao compreender as projeções em relação ao futuro como produtos imaginários e efêmeros, Frente à Euforia indaga sobre os modos de se atribuir sentido à História em momentos de intensas transformações sociais, econômicas e políticas. Abordando uma produção artística das últimas duas décadas no Brasil e na Colômbia, o projeto busca aproximar elementos dos contextos destes dois países como em um jogo de espelhos: o que está próximo é colocado em perspectiva, ao ser confrontado pelo que está distante.
Com foco em um período iniciado em meados dos anos 1990, os projetos de caráter (neo)desenvolvimentista, tais quais experimentados por alguns países da América Latina, permitiram a emergência de um imaginário em que expectativas sempre reservadas ao futuro por fim se cumpririam. Diante de um iminente desenvolvimento econômico e de suas consequentes transformações sociais, o futuro é visto com otimismo, atribui ânimo ao presente, que impulsiona a economia, tanto ao crescimento quanto a sua falência. Na esteira de contextos de crescimento e crise, passado e futuro surgem como categorias de disputa, tendo o presente como momento de reticências, assim, o futuro deixa de existir como o lugar da redenção, apontando para uma mudança na maneira de apreender a História.
A crise chega tão veloz quanto a euforia que acompanhou as promessas de transformações. O chamado país do futuro1 teria enfim trazido para o presente as esperanças depositadas no porvir, com ganhos como a redução da pobreza baseada em um crescimento econômico através da distribuição de renda. Porém, quando tal situação deixa de se sustentar surgem indícios de falência desse imaginário, muitos dos quais já se faziam sentir mesmo em meio ao otimismo. Dúvidas acerca desse processo ganham força com as manifestações de junho de 2013, atingindo o seu ápice com as decepções causadas pela Copa do Mundo – desde a sua preparação megalomaníaca com projetos de infraestrutura nunca concluídos, à simbólica derrota do Brasil. Assim, as dúvidas dão lugar a uma crescente sensação de crise nos mais diversos setores políticos, econômicos e sociais.
Uma nova narrativa sobre a Colômbia é construída com base no argumento do “pós-conflito” e da “pacificação”, impulsionada pelo desejo de internacionalização da economia do país. Após tantos episódios sangrentos, o país estaria pronto para ter um papel maior no comércio e nas relações políticas exteriores. Discursos que se tornam evidentes em locais de visibilidade internacional como na feira de arte ARCO Madri, onde o embaixador colombiano Fernando Carrillo afirmou: “(…) nos últimos 25 anos, o país vem tratando de se libertar de seus fantasmas do passado, criando uma agenda ilimitada de inovação e de transformação (…)”2.
Tais projetos, demasiado convictos de si mesmos e calcados no apagamento violento do que se coloca em seu caminho – inclusive da própria memória da violência –, não podem se sustentar como duradouros, trazendo em si o gérmen de sua ruína.
Assim, este recorte curatorial busca tensionar criticamente, através de trabalhos artísticos, de filmes e de pesquisas teóricas, o cenário construído por esses projetos macropolíticos, trazendo à luz o lado obscuro desses discursos e apontando para a inerente falência nesses processos. Frente aos imaginários criados em momentos de intensas transformações sociais, o passado é resgatado por novas narrativas, e o futuro aparece à espera de projeções e expectativas outras – que oscilam com facilidade, sem ponderamentos, entre a euforia e o pessimismo extremo.
1 Brasil, País do Futuro é o título do livro de Stefan Zweig, imigrante judeu austríaco radicado no Brasil fugindo do nazismo. Lançado em 1941, o título do livro tornou-se epíteto nacional.
2 OSPINA, Lucas. “Arco Colombia: cuando el estado del arte es el Arte del Estado”. Disponível emhttp://esferapublica.org/nfblog/arco-colombia-cuando-el-estado-del-arte-es-el-arte-del-estado/