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31a Bienal de São Paulo, Como (...) falar de coisas que não existem?

31a Bienal de São Paulo, Como (...) falar de coisas que não existem?

sept 6-dez 7 de 2014

por Julia Buenaventura

 

1. Vista da área Rampa, com os projetos "Línea de vida", De Giuseppe Campuzano, "sem título" de Éder de Oliveira e " Dark Clouds" de Prabhakar Pachpute. 
Registro da abertura oficial da 31a Bienal.
São Paulo 06/09/2014. 
© Leo Eloy / Fundação Bienal de São Paulo.

 

Da 31a edição da Bienal de São Paulo – curada por Charles Esche e a equipe conformada por Paulo Lafuente, Nueria Enguita Mayo, Galit Eilat e Oren Sagiv – não gostei do títulos. Geral e incerto, e mais ainda, carente de posicionamento.

De fato, na coletiva de imprensa, ocorrida no dia 1o de setembro, uma das perguntas consistiu em que coisas eram estas que não existem, e a bola rebateu de um curador ao outro. Ora, tratava-se de coisas que na verdade existiam, mas das que ninguém falava, ora eram coisas que estavam por serem criadas, assuntos potenciais. Devo confessar que não compreendi. De igual forma, a definição de educação no guia distribuído ao público resulta incerto. Cito: “Educação é uma forma de compreender toda relação”. Também não compreendi. Geral demais para concordar, e mais ainda para discordar.

Porém, essa vacuidade no título e na forma de abordar a educação não entra em sintonia com a proposta da mostra, que é específica. Uma exposição que, de um lado, consegue brindar um panorama da conjuntura global hoje, encarnando uma discussão entre política e religião, entre Culto e Estado Nacional, lei e dogma, assunto que envolve temáticas de marginalização; e de outro lado possibilita que, durante o percurso, freqüentemente encontre-se peças dialogando entre elas. Peças que, em um outro contexto, não teriam a possibilidade de estabelecer conversas.

Essas duas características são essenciais, pois afastam a Bienal do Museu, trazendo o problema da conjuntura atual; e tiram da exposição qualquer semelhança com uma feira de arte, desde o ponto em que ao invés de aglomerar e dividir, o espaço encarrega-se de traçar pontos de encontro.

 

Arquitetura

 

2. Panorâmica com " Dark Clouds" de Prabhakar Pachpute. Sem créditos

 

Desta vez os 25.000 metros quadrados do pavilhão foram concebidos em um jogo entre a necessidades das obras e a arquitetura. Assim, surpreende, primeiro, o trabalho com os espaços vazios, os intervalos; segundo, a capacidade de aproveitar a luz natural, e o cuidado com a sombras; e, terceiro, a proposta de percurso em fluxo contínuo, sem bloqueios que impeçam a passagem. Nesta edição, o visitante não fica atrapalhado, nem te de ir pulando de cubículo em cubículo.

Para conseguir isso, o prédio foi dividido em três grandes ambientes, cuja especificidade escapou da saturação e, mais ainda, da homogeneização do espaço. O hall de entrada faz as vezes de praça, onde uma estrutura em madeira e metal escalonada, além de oferecer uma biblioteca, convida o público a se sentar, descansar, ler ou conversar. A forma da estrutura, sinuosa, sem copiar Niemeyer, joga com ele, com as ondulações do interior do prédio e a própria marquise do Parque Ibirapuera. Depois vem a área da rampa, conformada pelos três andares do pavilhão; aqui a proposta é justamente oposta, isto é, trata-se de um lugar para ser percorrido, que abre espaço ao visitante, convidando-o caminhar. Finalmente, está o setor das colunas, com secções para acolher as obras, mas com a característica específica da luz (natural ou artificial) ter um papel central, sendo a encarregada de estabelecer as fronteiras. Igualmente, é uma área que recusa converter-se em cenário, teatro, pois deixa ver as estruturas da montagem, os bastidores. Dessa forma, os vácuos entre uma parede e outra, ao invés de serem anulados ou fechados, são expostos, deixando passar a luz natural das janelas. Detalhe belíssimo da montagem.

 

3. Vistas da 31a Bienal, Área Parque, com destaque para a Plataforma. 09/09/2014. © Pedro Ivo Trasferetti / Fundação Bienal de São Paulo.

 

A rigor, é evidente que o trabalho com o espaço surgiu de um estudo prévio do lugar, não antecedeu nem se impôs* sobre ele, em uma proposta na que a passagem entre as obras é tão importante como as obras nelas próprias.

Do mesmo modo, a área das rampas, maior dos três segmentos por abranger os três níveis da mostra, tem uma distribuição das obras que segue um padrão, isto é, há eixos ou coincidências na localização das peças, por forma e por tamanho, padrão que faz claro o percurso e, ainda, permite leva-lo na memória.

Nesse sentido, o mural “Dark Clouds” de Prabhakar Pachpute – artista também encarregado da ilustração do cartaz –, serve de ponto de referencia. O mural atravessa os três andares, vai de um para o outro, como se os costurara. Trata-se de um desenho figurativo, em carvão, que consegue ser olhado como um todo desde a entrada principal deste setor, mas também em partes separadas em cada um dos níveis. Pachpute é um artista jovem, nascido na Índia, que trabalha o problema de seu lugar de origem, cujo carvão sustenta a produção de energia elétrica do país enquanto envenena seus trabalhadores. (O único que eu não posso deixar de dizer, é que a influencia de William Kentridge é evidente demais em sua obra. Os objetos personificados de Kentridge, viram pessoa em Pachpute, o que termina por eliminar justamente a capacidade associativa do artista sul-africano, capaz de nos fazer ver numa cafeteira uma senhora solene, ou em um compasso um homem com muita pressa. E devo dizer que não sou contrária imitação; nada melhor do que ver Van Gogh copiando flagrantemente a Millet, mas porque cada cópia é uma reinvenção. Pachpute, ainda haverá de reinventar a Kentridge. Contudo, o mural articula o espaço de uma forma contundente, além do mais, o visitante, cada vez que encontra ele, estabelece sua localização, sabe sua coordenada nesse edifício imenso.

Por outro lado, como assinalei, os três níveis seguem um padrão que articula as obras, assunto que se evidencia, especificamente entre o primeiro e o segundo andar, com as peças dos fundos – a parte oposta à rampa de aceso –, obra que, divergindo em forma e tamanho, foram dispostas de maneira tal que ocupassem espaços equivalentes. Estou me referindo, no primeiro andar, a “Errar de Dios” de Etcétera-León Ferrari e “Spear and other Works” de Edward Krasinski; e no segundo, a “Inferno” de Yael Bartana e “Nosso Lar, Brasília” de Jonas Staal. Obras que, no planeamento geral da mostra, fazem as vezes de pontos de chegada do percurso; operam como estações.

 

Diálogo entre as obras

Quatro obras que, por compartilhar coordenadas e estarem arranjadas em condições equivalentes, acabam por estabelecer convergências de sentido, agudos pontos de encontro; em resumo, mantém uma conversa entre elas.

 

4. Público visita o projeto " Errar de Dios", do grupo Etcéctera-León Ferrari. Registro da abertura oficial na 31a Bienal.
São Paulo 06/09/2014. 
© Leo Eloy / Fundação Bienal de São Paulo.

 


5. Vista panoramica da sala Edward Krasiński. 28/08/2014. © Pedro Ivo Trasferetti / Fundação Bienal de São Paulo.

 

Configurada pelo coletivo Etcétera, “Errar de Dios” é uma instalação criada a partir do livro, publicado em 1967, Palabras ajenas de León Ferrari (1920-2012), colagem de textos onde o artista argentino mistura fragmentos de meios de comunicação e a Bíblia. Após trabalhar com Ferrari durante quinze anos, e depois de sua morte, o coletivo criou a instalação para esta bienal, uma escalinata redonda com telefones, nos quais é possível escutar falas do Papa, Monsanto, Deus e o grupo de investimentos Goldman Sachs, entre outros, para finalmente solicitar ao  visitante gravar sua própria mensagem. O ambiente é carregado, os textos são agressivos, enquanto os quadros misturam imagens de El Bosco e a Bolsa de Valores. De fato, os telefones referem esse lugar, especificamente a Bolsa da década de 80, ápice e regularização do roubo através de investimentos inflacionados.

Como indiquei, do lado desta obra, encontra-se “Lança e outros trabalhos” (“Spear and other Works”) de Edward Krasinski (1925-2004) com fotografias de Eustachy Kossakowski. Objetos-escultura realizados entre 1963 e 1965, nos quais o artista, ao invés de levar a tridimensionalidade ao plano, faz da bidimensionalidade ou a simples linha uma questão espacial. Isto é, a linha sai ao espaço, invade-o e percorre, seja como fita, seja como lança. Coisa que Krasinski consegue com uma sutileza excepcional, e que nessa montagem específica é sublinhada pelo aproveitamento da luz na sala, onde as sombras e os contrastes entre vermelho, cinza e preto das figuras geométricas assumem um papel preponderante.

Os curadores são um pouco como os cabeleireiros: a gente (ou melhor, o artista) lhes entrega a cabeça e, quando vamos ver, fizeram sua própria vontade. Às vezes o assunto dá certo, às vezes não. Desta vez foi ótimo, é possível perceber o jogo dos tons de Krasinski, o ritmo temporal que supõe a disposição espacial de seus círculos e suas linhas; porém, a mesma obra montada em outro lugar, o MoMA ou a Tate, é bem diferente, é uma outra experiência.

Mas vou ao ponto. Dispor duas obras da década de 60, de dois artistas estritamente contemporâneos (ambos os dois nascidos na segunda década do século XX e falecidos nas primeiras do XXI), não é um acaso. De fato, a proximidade configurada entre León Ferrari e Edward Krasinski gera um diálogo por oposição. O primeiro na sua obra figurativa, ou melhor, alegórica, carregada de conteúdos políticos; o segundo com uma obra formal, sem figuração nenhuma, aparentemente descarregada. O primeiro na Argentina dos anos pré-ditadura, alçando sua voz contra o imperialismo norte-americano e a Igreja Católica, como fator decisivo na repressão argentina, assim como fora facilitadora do fascismo, durante a Segunda Guerra. O segundo, Krasinski, nascido em uma família aristocrática, agora na Polônia comunista, com uma obra que explora o espaço e a forma, leva o objeto ao puro âmbito da percepção, em um contexto em que o Estado exigia do artista um realismo social. Em resumo, à direita Ferrari e à esquerda Krasinski (espacialmente na Bienal, geograficamente na Terra), a curadoria nos coloca na frente de dois desadaptados, dois rebeldes dos regímenes que implantam a catequeses, seja capitalista, seja comunista. E, então, o bate-papo resulta apaixonante.

Uma outra coisa, se os curadores tivessem escolhido as retículas de Ferrari, esse conjunto extraordinário das peças que está perto do Neoconcreto ou de Gego; isto é, de uma exploração espacial da linha, o foco mudaria radicalmente, teríamos um outro diálogo entre Krasinski e Ferrari, uma conversa diplomática, eu não falo que entediante, mas por coincidência e não por divergência.

Vai daí que seja tão importante a montagem feita por Etcétera; sem o trabalho do grupo não teria sido possível colocar Palabras ajenas – o livro de Ferrari – e a obra de Krasinski em discussão; os tamanhos não estabeleceriam uma relação apropriada, um lado da balança estaria descompensado. Por outras palavras, se o livro estivesse sobre uma mesa a uma determinada distância de Krasinski, seria difícil relacionar os dois artistas, estabelecer todas as coincidências-divergências implícitas entre eles. Com isto quero dizer o seguinte, não é que a curadoria invente as discussões, mas as evidencia, em um trabalho de seleção, organização e também de museografia.

Em síntese, a curadoria vai levando, jogando com os elementos para construir seu roteiro. E, no caso da 31a Bienal, o roteiro é claro, aparecendo na forma de uma pergunta: que opções, caminhos, temos depois da Guerra Fria, depois da queda não só dos discursos mas da capacidade de se opor. Isto é, a justaposição dessas duas obras, mais do que referir a um contexto histórico, está nos trazendo uma situação atual.

No entanto, esse interrogante, essa pergunta tácita neste momento – a impossibilidade de tomar partido, o que nos tem sumido numa situação de fadiga permanente –,  não vai terminar, é claro, no diálogo entre dois artistas mortos. A curadoria explora esta pergunta, introduzindo um outro fator, a religião, mas não mais como aquela coisa condenada por Ferrari, isto é, não mais como Igreja Católica, Apostólica Romana, senão em muitas outras vertentes: como empresas geradoras de capital, como fator excludente, como apocalipses e como esperança de redenção num mundo constantemente à beira do colapso.

 

6. “Inferno”, Yael Bartana. Steal del video.


7. “Nosso Lar, Brasília” de Jonas Staal. Steal del video.


A abordagem da religião por esta Bienal não é moderna, não é aquela de um Estado que clama por ser laico, como os Estados propostos pela Revolução Francesa. É mais uma revisão desse projeto moderno por um Estado laico, algo que não conseguimos de forma nenhuma. Só um exemplo: o dólar continua levando a palavra Deus em cada uma de duas cópias, este “In God we trust” que sustenta as nova guerras santas, as novas cruzadas de nosso mundo.

As obras que referi anteriormente – uma sobre o Ferrari-Etcétera e a outra sobre o Krasisnki – são de um lado, Yale Bartana (1970); do outro, Jonas Staal (1981).

Bartana apresenta o polémico vídeo Inferno. A peça foi realizada em 2013, durante uma residência no Brasil e está baseada no Terceiro Templo de Salomão, projeto da Igreja Universal do Reino de Deus em São Paulo. Dita Igreja neo-pentecostalista decidiu levantar esse templo seguindo sua descrição bíblica, uma construção enorme e, por sobre tudo, ostentosa: as pedras foram importadas de Terra Santa, trazidas em grandes barcos desde o Israel até o Brasil, a área construída é de 74.000m2, tem uma capacidade para 10.000 pessoas e teve um custo de 680 milhões de reais (US$ 301 milhões). Contudo, o luxuoso edifício está localizado em um lugar onde o metro quadrado não é dos mais caros, a antiga zona industrial de São Paulo, em que há centenas de metros quadrados sem uma árvore só, em um panorama desolador.

Bartana realizou o vídeo quando a construção ainda não estava concluída, assim, uma boa parte dele é trabalhada no computador. Entre realidade e ficção, o filme recria uma espécie de festa de apertura enchida de detalhes de turismo religioso, cenas onde as pessoas estão vestidas com roupas de filme de Semana Santa e botas de nossos dias. Depois da comemoração, segue-se a destruição do templo, e, em fim, a visita dos fiéis para render culto aos restos, assim como fazem os milhares de peregrinos no Muro das Lamentações. O vídeo é chocante, o que Bartana consegue com vários efeitos de Hollywood – especialmente, essas novas câmeras lentas com altíssima definição –, mas também com um panorama infestado de kitsch, cheio de suvenires e bugigangas, o que contrapõe a beleza das imagens com um ambiente de falsidade, de teatro, que leva à repulsa.

Há vários aspectos. Primeiro, a obra assinala um tema que é preciso enfrentar: a multiplicação de igrejas no mundo, o capital que estão acumulando e, com ele, o poder. Votos e dinheiro. Somente um dado que a artista não sabia quando terminou o vídeo, a própria Dilma Rousseff foi como convidada de honra na inauguração do templo. Que um mandatário de esquerda assista à inauguração de uma igreja à qual, seguramente, não pertence, dá muito que pensar sobre o novo panorama de nosso mundo. Sobre o como estão sendo reconfigurados os interesses, pois as novas religiões estão arrastando as massas de uma forma só comparável ao futebol, mas enquanto este último não pode dar dica sobre a quem votar, as primeiras sim, e com efeito, estão fazendo-o faz um bom tempo.

Segundo, o vídeo é feito por uma artista judia, com capital judio; uma artista que tem indagado sobre os símbolos de seu povo durante seus anos de criação, e que, nesta obra, entra a percorrê-los, símbolos distorcidos, artificiais, como se deles só ficassem os restos. O título “Inferno” não é nada imparcial nesse quesito.

Por sua vez, a obra vizinha intitula-se “Nosso Lar-Brasília”. Realizada por Jonas Staal, também no contexto de uma residência no Brasil e com o Brasil como tema, está conformada por uma instalação que inclui um maquete, um vídeo e um caderno. Materiais nos que são justapostos, embaralhando história e ficção, o projeto de Brasília e o projeto de Nosso Lar, uma cidade anunciada pelo famoso médium do movimento espírita brasileiro Chico Xavier.

Staal mistura os planos, aparentemente, opostos: Brasília é um projeto realizado, e mais ainda é a capital de um Estado Moderno, laico; Nosso Lar é um sonho não realizado e místico, lugar onde os bons espíritos desencarnariam para preparar sua reencarnação. Porém, um e outro estão carregados de simbolismo: Brasília justamente no centro do Brasil, Nosso Lar em um ponto anunciado pelos espíritos, Brasília com a forma de avião-cruz, Nosso Lar com a forma de estrela de seis pontas. Coincidências que saltam aos olhos no vídeo de Staal e terminam por revelar a Brasília como um projeto místico-moderno ou, melhor, acabam por evidenciar o misticismo próprio da modernidade.

“Inferno” e “Nosso Lar-Brasília” coincidem em uma abordagem da religião muito diferente da década de 60: já não é mais um discurso contra a instituição ou um posicionamento político, mas uma indagação sobre o quão místico, quão carregado de teologia e de teleologia é qualquer projeto moderno e nosso mesmo presente.

 


8. "Dios es marica", de Nahum Zenil, Ocaña, Sergio Zevallos, Yeguas del Apocalipsis, organizado por Miguel A. López.
Registro da abertura para convidados na 31a Bienal.
São Paulo 02/09/2014. 
© Leo Eloy / Fundação Bienal de São Paulo.

 

Para encerrar

Várias obras desta bienal abordam diretamente a discriminação vinda de práticas religiosas, isto é, a condição homossexual e a restrição do livre arbítrio da mulher em relação a seu próprio corpo. Conjunto de obras que dialoga com esse eixo mencionado, religião-política, apontando o choque implícito entre direito e moral, código civil e dogma religioso. As seguintes propostas dão conta disso: “Dios es marica” (1973  a 2002), coletiva composta por Nahum Zenil, Ocaña, Sergio Zevallos e Yeguas del Apocalipsis, e organizada por Miguel A. López; “Línea de la vida, museo travesti de Perú” de Giuseppe Campuzano; e “Zona de tensión” de Hudinilson, organizada por Márcio Harum. No que refere à temática feminina, está a obra do coletivo Mujeres Creando, “Espacio para abortar”, peça pensada para percorrer as ruas das cidades bolivianas, levando uma estrutura de metal que faz as vezes de útero, com a clara mensagem de lutar pela legalização do aborto.

 

 

9. Público visita projeto "Espaço para abortar", do coletivo Mujeres Creando.
Registro da abertura oficial na 31a Bienal.
São Paulo 06/09/2014. 
© Leo Eloy / Fundação Bienal de São Paulo.

 

Igualmente, a discriminação social como tema entra de diversas formas nesta edição. É preciso mencionar o mural de Éder Oliveira conformado por retratos de grandes proporções de homens, com uma paleta cálida, virada ao amarelo-laranja. Novamente, a obra está muito bem localizada, ou melhor ainda, a localização faz parte da obra, que se estabelece como ponto de chegada do percurso pelo térreo, de forma que o visitante colide com ela gerando uma forte relação pela escala: tamanho dos retratos e corpo do espectador. Espectador que, além do mais, sabe, ainda que não saiba mais nada, que os modelos são infratores, marginais. Fato que identifica não pelas roupas, pois os homens estão nus, mas pela raça, o corte do cabelo, o bigode adolescente e a forma de olhar para a câmera, próprio das fotografias de imprensa marrom da que Éder Oliveira tira o material da sua obra.  Em resumo, a contemplação estética joga um papel de identificação social, fazendo evidente o código invisível que pauta as relações humanas.  A poucos passos de distância dessa obra, está o vídeo “Wonderland” de Halil Altindere, realizado com jovens de Estambul que escutam e dançam rap  e fogem da polícia. Na obra, o ritmo das imagens está pautado pela música, criando uma fluidez fantástica. E, novamente, só é preciso um olhar para saber que se trata de marginais, outsiders, desta vez pelas vestimentas e os enfeites.

 

10. “Sem Título” de Éder Oliveira durante a 31a Bienal de São Paulo. 03/09/2014. © Pedro Ivo Trasferetti / Fundação Bienal de São Paulo. © Pedro Ivo Trasferetti / Fundação Bienal de São Paulo.


11. “Wonderland” de Halil Altindere. Steal del video.

 

A bienal comandada por Charles Escher é bastante figurativa, com destaque do desenho, com um agudo trabalho do espaço e de cruzamentos entre as peças. Da mesma forma, é evidente como dominam a exposição, de um lado, as cores negra e vermelha; e, de outro, o cuidado com as sombras (nesse aspecto, a montagem do Voluspa Jarpa é excelente). De fato, é curioso como os tons parecem pautar a seleção das obras, assim como na Bienal passada, a retícula e a sequência dirigiu a seleção: quase tudo era seriado e o que não se encaixava nesse quesito, era organizado de maneira que parecesse deste modo. Por exemplo: Arthur Bispo do Rosário. Fator este que fazia da mostra algo extremadamente homogéneo e formalista, ao contrário da edição atual que propõe a temática abertamente: vamos discutir religião, Estados nacionais, exclusão social e ética, em um mundo que hoje parece estar em algo que poderia ser chamado de Novas Cruzadas. Não é à toa a participação de tantos artistas de Oriente Médio.

Fecho com a obra apresentada por Mapa Teatro, “Los incontados: un tríptico”, instalação na que o visitante comparece aos restos de uma festa, um panorama devastado. É claro que Mapa faz  referencia à Colômbia, mas o retrato serve para a condição do mundo hoje, no fim da festa; sem cair, no entanto, numa concepção apocalíptica, pois é grandiloquente demais continuarmos considerando-nos os últimos executores da história.

 


12. Público visita o projeto " Los incontados: un típtico", de Mapa Teatro - Laboratório de artistas.
Registro da abertura para convidados na 31a Bienal.
São Paulo 02/09/2014. 
© Leo Eloy / Fundação Bienal de São Paulo.

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