a sopa CCC em metz. grupo empreza
[por Grupo Empreza, 2005].
Estação de Metz, três brasileiros pouco cosmopolitizados chegaram e saíram pela cidade em fila, como as vacas, levando sobre suas cabeças cinco litros de cachaça e um de mel, um kit-macumba completo, e aproximadamente um quilo e meio de explosivos. O Grupo Empreza fora convidado por Edson Barrus para O Açúcar Invertido na França.
Quando nos aproximávamos da galeria Faux Movement, um homem abraçado a um enorme ramalhete de ervas frescas cortou nosso caminho. Vaca não resiste a um mato, e nos deixamos levar por aquele mar de aromas e luzes verdes. O homem entrou na galeria e nós entramos atrás. Formamos uma só comitiva, agora com um abre-caminhos irresistível a nossa frente.
O Cão, como se sabe, é um catlaisador de desejos. Ele cria zonas de exercício da libido e as propõe como vivência, para depois propo-las como arte. Isto tem tradição na arte brasileira, pelo menos desde Hélio Oiticica e Lygia Clark. Estas zonas de desejo coletivo se transformam em momentos de impressionante potencia que recuperam para a arte esta alegria presencial e integral do artista e do público. Esta é a essência do Açúcar, e para isto estávamos ali. Mas quem nos recebeu com o bando de ervas foi Cecilia Cotrim, de avental, meio descabeladaa, com uma faca enorme entre pilhas de legumes a serem picados, e emoldurda pelo ramalhete de ervas como uma pintura que Courbet jamais pintara. Naquele instante soubemos que ela seria nosso Virgílio.
À noite teve sopa CCC, chama sopa Pollock [ela não gosta da comparação, mas juro que lembrva Ritmo de utono]. Não é absurdo. Os rituais corporais, os gesots com natural precisão, ora suaves, ora rudes, os equilíbrios intuitivos, as sinestesias são semelhanças entre as duas alquimias. Mas as semelhanças param por aí, a sopa CCC é a celebração coletiva no Açúcar, feita à vista do público, comida aos poucos, antes mesmo de ficar pronta, por nossos olhos e narizes. Comer a sopa CCC é consumir um ser que foi criado para ali mesmo esgotar-se, no ato de ser comido, quando então todos os prazeres de que é portador, e que se entrega ao nosso apetite arrastando para nossos estômagos um universo de metáforas fágicas...
Pela sopa CCC vivencia-se uma poética da saciedade, daquele saciar-se inigualável que apenas alcançamos através do outros, abrindo-nos para o prazer que o outro nos oferece. Comi três boas porções [estava faminto]. A sopa foi um sucesso. Eu reparei em um homem que eu não conhecia [suponho que seja da cidade]. E ele estava levando a coisa a sério. E comia com gosto. Ao ver que eu o olhava, ele, com a boca cheia de cogumelos apenas uniu o polegar e o indicador próximos à orelha e fez expressão de que ia desmaiar de prazer. Eu, com meus próprios cogumelos na boca, apenas pensei. Demorô, monsieur, demorô.