Prestidigitação da beleza
A sensibilidade pelo belo como realização formal e harmônica se desenvolve com maior força quanto mais o homem se aproxima da felicidade. É na beleza que ele também encontra sua razão de ser, seu equilíbrio interno e sua justificação integral. Não podemos conceber algo belo a não ser tal como ele é. Um quadro ou uma paisagem nos encanta a tal ponto, que não podemos representá-lo enquanto o contemplamos a não ser na forma em que se apresenta. Ver o mundo sob o signo da beleza vale afirmar que este mundo deveria ser assim como é. Numa tal visão, tudo se funde em harmonias e brilha em esplendor, enquanto os aspectos negativos da existência só fazem intensificar a graça das harmonias e o brilho dos esplendores. A beleza não salvará o mundo, mas aproximará mais rápido da felicidade quem se envereda por esse caminho. Será que, neste mundo de antinomias e paradoxos, o belo está isento dessas anomalias? O belo – e é justamente esse o seu encanto e sua natureza particular – só constitui um paradoxo do ponto de vista objetivo. O fenômeno estético exprime o paradoxo de representar o absoluto em forma e o de objetivar em formas limitadas um Infinito. Pois o que significa a realização total, sem a possibilidade de conceber outra modalidade de realização a não ser apresentar um absoluto ao nosso sentir? Nos momentos de contemplação do belo, não percebemos a impossibilidade real desse absoluto, nem sua contradição essencial e orgânica, mas vivemos na mais ingênua participação um absoluto que objetivamente se revela impossível. O absoluto em forma, o absoluto materializado em expressões limitadas, é possível no espírito de quem se deixar dominar pela emoção estética, no momento da visão do belo, constituindo porém uma contradictio in adjecto [contradição em si] de uma outra perspectiva que não a do belo. Por isso existe tanta ilusão em qualquer ideal de beleza, a tal ponto que sua extensão é indeterminável. Mais grave é o fato de que a premissa fundamental de todo ideal de beleza, com base no qual o mundo deve ser tal como é, não resiste à análise mais elementar. O mundo deveria ser de qualquer modo, mas não como é.
Emil Cioran
Fonte: CIORAN, Emil. Nos cumes do desespero, trad. Fernando Klabin. São Paulo: Hedra, 2012.