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General Intellect, Bárbaros Tecnizados

Sobre o possível “encontro impossível” entre o Antropólogo e a multidão

Em seu ensaio de antropologia simétrica,

Bruno Latour apresenta sua crítica ao que chama de constituição moderna,

para em seguida nos apresentar uma outra perspectiva:

jamais fomos modernos!

Usa a expressão anti-moderna ou a-moderna para caracterizar

“esta atitude retrospectiva, que desdobra ao invés de desvelar,

que acrescenta ao invés de amputar, que confraterniza ao invés de denunciar.”

Em suma, é não moderno “todo aquele que levar em conta, ao mesmo tempo,

a Constituição dos modernos e os agrupamentos de híbridos que ela nega.”

E de fato, a perspectiva de Latour é das mais interessantes.

Mas, pensando bem, pouco importa a nós, bárbaros tecnizados,

saber que as ciências naturais, as ciências sociais e políticas e as ciências humanas

foram incapazes de apreender isso que se chamou modernidade.

Assim como pouco nos adianta saber que,

por parte de notórios intelectuais, há dúvidas acerca de sua existência.

Pois se para eles é possível afirmar que “jamais fomos modernos”,

nós afirmamos que “sempre fomos modernos”!

Certa modernidade – fascista, nazista, racista, colonialista

entre outras formas da modernidade hegemônica sendo a mais atual a capitalista – ,

nós, bárbaros tecnizados, a sofremos na pele.

Nos é portanto impossível negá-la.

Mas dela não nos consideramos vítimas pois sempre lutamos.

Sob o capitalismo de hoje, consumimos o consumo.

Do colonialismo de ontem, por exemplo,

talvez seja injusto afirmar que o antropólogo foi cúmplice,

mas muitas vezes dele foi um observador um tanto distante, quase frio.

Como então acreditar que

“o mais racionalista dos etnógrafos, uma vez mandado para longe,

é perfeitamente capaz de juntar em uma mesma monografia

os mitos, etnociências, genealogias, formas políticas, técnicas, religiões,

epopéias e ritos dos povos que estuda”?

A extensão do seu estudo e a profundidade do seu entendimento

jamais cobrirá a expressão da nossa língua e a intensividade da nossa pele.

A antropologia jamais será simétrica

se não considerar a hipótese de se des-antropologizar.

Não nos consideramos pré-modernos, nem pós-modernos.

Nem anti-modernos nem a-modernos… e sim modernos, altermodernos!

Mas, claro, concordamos com a proliferação dos híbridos que o antropólogo aponta:

híbridos que a modernidade hegemônica sempre produziu

mas sempre arranjou um jeitinho de tornar impensável.

Ora, a emergência de “terceiras Luzes” onde a antropologia seria guia não faria,

desses híbridos, não-pensadores?

Mas aí é outra história pois nosso interlocutor já não é mais o antropólogo da Gália

e sim o Super Antropólogo de Pindorama.

Não estudamos ou pensamos os híbridos,

e sim nos constituímos e vivemos na nossa hibridação,

na diferença enquanto diferença no corpo e na fala.

Do Leviatã já muito se falou, do Caliban podemos aqui lhes falar:

ao se liberar física e psicologicamente da monstruosidade

– subdesenvolvimento, subcompetência, subpensamento, sub … –

que lhe fora atribuída pelo colonizador,

a figura de A Tempestade de Shakespeare se transforma

pelas mãos do poeta Aimé Césaire

(quase índio de tão negro e de tão branco,

de tão martiniquenho e de tão francês)

em símbolo da resistência anti-colonial no Caribe do século XX.

E eis que, em pleno século XXI,

o colonizador ressurge sob a forma do intelectualizador.

Contudo, mais do que figuras híbridas

– Calibans, Golens, Cyborgs entre outras potências criadoras

que se movem além da oposição entre modernidade e anti-modernidade,

mas que, de fato, sempre correm o risco de recair na dialética sujeito versus objeto – ,

interessam-nos seus monstruosos processos.

Ora, deixemos para trás os subterfúgios da retórica acadêmica

e vamos de papo reto:

se ao Antropólogo neo-colonizador incomodam as revoluções

(processos que supõem concepções tidas por ele como demasiado modernas),

falemos pois de nossas monstruações.

Do Oiapoque ao Chuí, nós, bárbaros tecnizados, monstruamos por toda parte:

nas aldeias e nas cidades, nos quilombos e nas quebradas,

nas lan houses, nos moto taxis e nos róseos salões de beleza black,

nas redes e nas ruas, nas universidades e nas lutas, sejam elas rurais ou urbanas.

Sujeitos, objetos e cacarecos; animais, vegetais e minerais;

índios, negros e brancos; velhas e novas tecnologias:

gambiarras de nós mesmos, hibridamos por toda parte e desde a noite dos tempos.

Não contemplamos românticamente a morte,

isso é coisa de quem vive em Cronos.

isso é coisa de quem tem passado, presente e futuro.

isso é coisa de quem tem café da manhã, almoço e jantar garantido.

Não morremos de amores; vivemos nos afetos.

Nosso tempo é Aion. E, quando decidimos, é Kairòs!

Diante de Belo Monte, não hesitamos… exodamos.

Queremos um monte de “Amarok, Hilux, L 200, F 4.000, caminhões,

carros de passeio, ônibus, motos, barcos, contas gordas no banco

e mais 1,3 mil cabeças de gado – de preferência, 500 delas da raça Nelore.”

E queremos muitos i-phones, i-pads e outros “i”s de A a Z.

A saída não é um exit pois do império não há fora.

A saída é êxodo. Éxodo com os melhores produtos de consumo em nossas mãos!

Sim, queremos discutir a relação.

Sim, queremos pensar você e pensar a nós mesmos.

Que o “ão” de multidão não o leve a nos confundir

com macro sujeitos adoradores do Estado ou de governos

ou com o modelo de identificação majoritária

“homem branco-ocidental-macho-adulto-razoável-heterossexual-habitante das cidades”

do qual o Antropólogo – gaulês ou tupiniquim – não escapa.

Minoritariamente devimos multidão.

Nem Uno, nem Número: multiplicidade.

Nosso nome é Bárbaros Tecnizados.

Nossa monstruação é o General Intellect.

(“Oh, Céus!” escandaliza-se o Antropólogo diante do conceito marxista

sem perceber que já o devoramos, o deglutimos e o devolvemos)

Nosso atuação – corpo&mente – é a do materialismo da imaterialidade.

Nós, sem terra, sem teto, sem trabalho, sem universidade, sem mídia, sem consumo,

queremos tudo!

Nesse SEM desejante que não é ausência,

nos COMstituímos e afirmamos nossa potência.

Muito prazer, estamos apresentados!

Para além da tua antropologia extensiva,

o nosso consumo intensivo.

Sob a tua antropologia simétrica,

a nossa antropofagia subterrânea.

Ao lado da tua constituição moderna (na qual você ainda crê),

a nossa monstruação altermoderna.

Mas que fique o Antropólogo sabendo que,

quando se despir de sua arrogância e se libertar de sua histeria tuíteira,

será muito bem vindo.

Deixe de ser o Messias que anuncia as terceiras Luzes

e venha conosco molecular por aí, nu e cru,

nas lutas da nossa vida Sub!

 

Publicado originalmente em www.revistaglobalbrasil.com.br/?p=1236

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