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O Anti-museu

O museu é um templo ou um showroom? Construindo um espaço sagrado ou recorrendo a soluções inovadoras de arquitetura, o museu tem “conservado” ou servido de palcos a obras de arte, instalações e eventos múltiplos. Contrapondo e rearticulando concepções de modernidade, Martin Grossmann discute as funções do espaço museológico, analisando iniciativas pioneiras e propondo um anti-museu.

Por Martin Grossmann

publicado originalmente na Revista de Comunicações e Artes,São Paulo, v. 24, p. 5-20, 1991

 

Desenhos em post-it de Clara Ianni

 

Liverpool, Junho de 1989

 

It is always a question of proving the real by the imaginary, proving truth by scandal, proving the law by transgression, proving work by the strike, proving the system by crises, and capital by revolution, as for that matter proving ethnology by the dispossession of its object (The “preservation” of the Tasadays tribe in the Philippines in 1971) – without counting:

-        Proving theatre by anti-theatre

-        proving art by anti-art

-        proving pedagogy by anti-pedagogy

-        proving psychiatry by anti-psychiatry, etc… etc… (…)

To seek new blood in its own death, to renew the cycle by the mirror of crises,

negativity and anti-power: this is the only alibi of every power, of every institution

attempting to break the vicious circle of its irresponsibility and its fundamental

non existence of its déjà-vu and its déjà-mort.

 

Servindo-nos da lógica de Baudrillard[1], como podemos imaginar a razão de ser do Museu? Que conceito de anti-museu poderia ser formulado visando a manutenção e a continuidade do que entendemos por museu? Os museus, como praticamente todas as instituições que nos cercam, estão vivendo em um permanente estado de crise. O Museu vem se debatendo entre dois pólos opostos desde que suas portas foram definitivamente abertas ao público, como Muschamp coloca em seu artigo ‘Chez Muse’, The American Museum Scene: “a dúvida da musa”: subir o escadario de mármore para o Olimpo ou estender definitivamente suas mão para a rua? [2], ou como Levin sugere em relação ao seu design: museu templo ou como showroom?[3]

Se acatarmos a sugestão de Piaget, ao afirmar que contradição é a máquina do desenvolvimento (não no sentido de progresso, mas como necessário elemento na construção de novos esquemas que irão estabilizar novamente o balanço entre os fatores positivos e negativos)[4], ainda poderemos sugerir – apesar da visão apocalíptica que Baudrillard tem de nosso tempo (que muitas vezes é notavelmente pertinente) – que o Museu vem tentando sobreviver.

A forma em que o museu historicamente vem tentando sobreviver – como um espaço aberto ou como instituição pública – pode ser considerada como a razão de sua sobrevivência.

O Museu vem a ser definitivamente considerado como instituição pública na segunda metade do século XVIII, quando a configuração de uma consciência social dava seus primeiros sinais. Sendo assim, o ato de abrir as portas do Museu para o grande público pode ser considerado, o ponto de partida do Museu Moderno. À parte alguns poucos casos, este simples e generoso ato (a abertura de portas para a grande maioria) foi – e ainda é muitas vezes – considerado suficiente para manter o Museu como uma instituição social e também como cumpridora de suas responsabilidades educativas.

Infelizmente, esta não foi a melhor maneira de se iniciar um novo estágio de vida, isto porque, desde o início, o principal dilema desta nova situação – “estar relacionado ao Olimpo versus estar relacionado à rua” – esteve sobrepujado pela tradição de uma desdenhosa consciência social. Usando a Revolução Francesa como ponto de referência, pode-se dizer que desde então, com o desenvolvimento de uma consciência social e a subseqüente emergência das Ciências Sociais, “a alta cultura” vem sendo alvo de permanente revisão e análise. No entanto, uma significativa pressão crítica enfocando a noção tradicional de Museu ou, de uma maneira geral, questionando os valores da cultura tradicional, ocorre somente um século depois com a jovem crítica de arte francesa e com as novas manifestações artísticas na segunda metade do século XIX. Isto é, com os ensaios de Baudelaire e com os primeiros movimentos de vanguarda, aqueles que forneceram as necessárias bases para o surgimento do que denominamos como Arte Contemporânea, como o Realismo, Naturalismo e Impressionismo.

Em outras palavras, uma crítica de peso em relação ao Museu e o que ele representa, apenas floresce com a consolidação de uma consciência moderna – Modernidade.

Modernidade é um conceito que flutuou entre atitudes, pensamentos e obras dentre as mais polêmicas celebridades da nossa História Moderna. Berman[5], por exemplo, associa este conceito a autores como Goethe, Marx, Nietzsche e Dostoievsky: no entanto, foi Baudelaire quem definitivamente introduziu: “La Modernité, c’est le transitoire, le fugitv, le contigent, la moité de l’art, dont l’autre moitié est l’éternel et l’immuable”.[6]

Em Frisby encontramos uma sucinta e esclarecedora maneira de pontuar o que se entende por modernidade:

 

Qualquer leitura das teorias sociais, que considere a sociedade moderna que elas delineiam como sendo um estado fixo e definitivo (desenvolvimento e “progresso” apenas existindo até o presente) irá falhar em notar a natureza transitória do “novo”, e muitas vezes até em reconhecer o considerado “novo” como já condenado. Assim, é importante lembrar que esta natureza transitória do novo em relação às noções de modernidade esteve associada a mudanças cruciais na consciência temporal e principalmente como desafio à noção linear de progresso de maneira que o estudo da modernidade tornasse a ser “o reconhecimento de um domínio desconhecido, que traz consigo o risco do imediato, do imprevisto, de confrontações conflitantes” (Habermas). Uma possível implicação foi a de observar a sociedade e as relações sociais em um estado de fluxo, em movimento, em contínua ação.[7]

 

A existência do Museu não sofreu grandes questionamentos entre o decreto francês de 30 de agosto de 1792 – que declara os museus propriedades da comunidade – e o testamento definitivo de uma consciência moderna com Baudelaire por volta da metade do século passado. Este período de aparente estabilidade, em nome do museu como fonte de informação, certamente foi beneficiado pelos ideais românticos apaixonadamente proclamados e adotados durante este período histórico. Os especialistas ligados à instituição Museu – historiadores, connoisseurs, e assim por diante – concordavam, cinicamente, que os museus em geral deveriam ser acessíveis ao grande público, mas por outro lado mantinham o entendimento da arte como um produto de uma sensibilidade especial, passível de ser adquirida somente por via de um conhecimento a priori e certo grau de educação. Ainda que se concorde em parte com essa idéia, é importante enfatizar que praticamente nada foi feito para reduzir essa lacuna existente entre dois estados distintos de conhecimento (o da considerada alta cultura e o da genérica idéia de comunidade). Em outras palavras, nenhum esforço educativo específico foi efetivamente aplicado durante este período. “Portas abertas” por si só já era considerado suficiente como propósito educativo. Como resultante direta deste pensamento, os museus preservaram, por um longo período, suas organizações e apresentações originais, mantendo seu privilégio distinto, considerado o mesmo quando estes pertenciam a uma identificável elite. Museus com políticas culturais indefinidas, ausência de programas educativos, exposições em permanente desordem; em resumo, um ambiente estático: nada mais que o depósito da “riqueza do passado”. Estavam ali à disposição, no entanto não de uma maneira simpática ou atrativa: um benefício apenas para poucos.

Atualmente, apesar de algumas dramáticas mudanças, os museus ainda apresentam problemas no seu relacionamento com o público. Os seus “sagrados” espaços arquitetônicos (palácios?) estão sendo visitados como nunca o foram anteriormente, porém a ausência de entendimento ou até de compreensão da arte e a consideração do papel educativo do museu continuam praticamente os mesmos. No entanto, para analisar apropriadamente a atual condição do Museu de Arte se faz necessário primeiramente rever algumas das mais importantes tentativas visando fortalecer uma imagem e ação em sua moderna existência.

 

O Novo Museu

O nascimento do “Novo Museu”, na primeira metade deste século na América, é uma reação das mais significativas contra a “trajetória do museu para a morte”. A América modernizou a condição do museu de arte: é aqui que a conservadora idéia do “Museu como Tempo” vem a ser substancialmente revisada.

O projeto O Museu do Amanhã, de Clarence Stein, reflete o glorioso momento desta manifestação de vanguarda. Mesmo que este projeto siga ainda a idéia iluminista do museu como enciclopédia[8], claramente objetivada pela magnitude de seu design, ele demonstra, com propriedade, o interesse dos americanos em adaptar o museu para a sociedade moderna. Searing está absolutamente certa quando afirma que o Museu do Amanhã ainda se mantém fiel aos padrões da arquitetura clássica[9] mas, de qualquer forma, a novidade se apresenta na maneira em que o arquiteto aborda a questão do design do museu baseada numa intenção educativa.

 

Clarence Stein, The Museum of Tomorrow, Plan, 1929 | How to plan, Museum,  Clarence

O museu do amanhã, projeto de Clarence Stein 1929

Clarence Stein Museum of Tomorrow_Elevation_1929__alta

Stein faz uso da concepção de que o Museu do Amanhã deve continuamente incrementar suas facilidades principalmente no que tange ao desenho interno, tendo em vista a satisfação do visitante casual, como ele mesmo comenta:

 

O museu hoje em dia possui um número sem fim de coisas a serem vistas. Quando por fim encontramos a saída, as recordações que nos envolvem são as de infinitas vistas através de marcos de portas; da seqüência sem fim de galerias e paredes lotadas de antagônicos objetos estéticos: séries e séries de molduras douradas e quadros, exércitos de brancas estátuas, milhares de vitrines empoeiradas, um quarto de milhão de cerâmicas, e todas as cadeiras que o Mayflower trouxe em centenas de travessias – e nunca nem sequer uma vista para um pedaço de natureza. O museu do amanhã, por sua vez, exibirá ao visitante um limitado e selecionado número de suas posses. Cada objeto estará cuidadosamente localizado visando acentuar a sua beleza individual. O visitante irá ver o quanto e o que ele quiser, e encontrará o que procura sem nenhuma dificuldade.[10]

 

O “museu-ideal”, de Stein, confirma a maturação de uma nova visão, que se concretiza em outro ambicioso projeto americano: O Museu de Arte Moderna (MoMA) de Nova York.

O MoMA em Nova York, fundado em 1929, é, sem dúvida, o paradigma da era do “Novo Museu”, um projeto de vanguarda, não apenas em relação ao seu design moderno (de acordo com Levin, o primeiro projeto arquitetônico de museu de arte a incorporar a idéia do “museu como showroom”), mas também no que se refere à sua organização e conceituação. É o primeiro a injetar significativas modificações e novidades na tradicional concepção museológica, como Searing comenta:

 

Orientado pelo seu influente primeiro diretor, Alfred H. Barr Jr., o Museu de Arte Moderna trouxe formas de arte antes rejeitadas, como fotografia, filmes, e desenho industrial contemporâneo, para o interior do “sagrado bosque da musa”. As suas econômicas exposições itinerantes não apenas colocaram os americanos de todas as partes do País em contato com os mais sofisticados exemplos de Arte Contemporânea, como também requereram ao já impaciente  “museu recipiente” espaços próprios para exposições temporárias. Mesmo que estas exposições itinerantes fossem relativamente modestas se comparadas às mostras espetaculares de hoje, elas foram importantes na formulação de novas idéias de planejamento. O Museu de Arte Moderna estendeu as atividades sociais e culturais dos museus mais longe do que nunca através de conferências, debates, filmes, programas radiofônicos e uma estonteante sucessão de chiques e memoráveis “vernissages”.[11]

 

Sendo assim, o museu já não é mais considerado apenas como mero depósito, mas também como um agente cultural, provocando e representando a produção das artes contemporâneas. O MoMA é um marco na história dos museus: o fim de uma passiva absorção e indiscriminada coleta e início de uma dinâmica pesquisa e ativa participação no mundo cultural e artístico. Ele é, portanto, um paradigma; todos os novos museus de arte moderna na América, Europa, América Latina, no Continente Africano e nos países do Oriente que emergiram desde sua inauguração vêm seguindo seus princípios.

MoMA's Plan to Demolish Folk Art Museum Lacks Vision - The New York Times

O novo edifício do MoMA inaugurado em 1939 em Nova Iorque

Da mesma maneira, é impossível ignorar este “efeito americano” no desenvolvimento da Arte Contemporânea. Grande parte da produção de arte de pós-guerra nasceu sob a influência deste museu, ou então, ao redor do mesmo Zeitgeist que o originou.

Se a Arte ainda pode ser caracterizada , entre outros modos, como uma poderosa expressão de seu tempo[12], Expressionismo Abstrato, Pop Art, Hiper-realismo, Arte Conceitual e Minimal Art são perfeitos testamentos da condição “pós-1945”.

A matéria dos drippings, de Pollock, demonstra não só a vigorosa contraposição entre a interioridade do artista e a exterioridade da pintura (um dos grandes debates da arte moderna), mas também representa uma tentativa de entendimento frente à crescente descaracterização da sociedade contemporânea. As “repetições” e os “duplos” de Warhol absorvem, ironicamente, a falência do ideal da arte como alguma coisa especial à parte do sistema, neste sentido, provando que a arte depende inevitavelmente do mercado (capital), isto é, os “objetos” de Warhol (difíceis de serem encaixados dentro das tradicionais concepções de “pintura”a ou “escultura”) asseguram que não há mais espaço para a ingenuidade no mundo contemporâneo. Se por um lado a “cadeira” de Kosuth indica a relatividade na conceituação da arte, por outro ela demonstra que as tentativas de entender a arte, mais do que nunca, necessitam do suporte de um conhecimento específico, o conhecimento da arte (a arte dependente das potencialidades intelectuais e abstratas). Em outras palavras, a arte também está vivendo, como a nossa sociedade, em um constante dilema/luta existencial: a descaracterização das referências versus a sobrevivência e preservação das singularidades. Minimal Art, a “realização total” da previsão de Greenberg para a Arte Moderna: “(...) cada arte deveria tornar-se ‘pura’ e em sua ‘pureza’ encontrar a garantia de seus padrões de qualidade, bem como de sua independência[13] – e o colapso da mesma. Neste momento o “projeto moderno” mostra quão finito ele é, um cul-de-sac. Finalmente, o Hiper-realismo e todos os “ismos” americanos são simplesmente representantes do ambiente em que foram originados:

 

No fundo os Estados Unidos, com todo seu espaço, seu refinamento tecnológico, sua boa consciência brutal, inclusive nos espaços que eles abre para a simulação, constituem a única sociedade primitiva atual. E o fascínio está em percorrê-los como a sociedade primitiva do futuro, a da complexidade, da hibridez e da maior promiscuidade, a de uma ritual feroz, mas belo em sua diversidade superficial, e de um fato metassocial total de conseqüências imprevisíveis, cuja eminência nos empolga, mas sem passado para refleti-la, portanto fundamentalmente primitiva.... A primitividade é transmitida a esse caráter hiperbólico e inumano de um universo que nos escapa, e que supera de longe sua própria razão moral, social ou ecológica (...) A América não é  sonho nem tampouco realidade. Ela é uma hiper-realidade. Hiper-realidade porque é uma utopia que desde o início foi vivida como realizada.[14]

 

A América é o primeiro país a alcançar a Modernidade em peso e a responder, além de confirmar, a “era eletroeletrônica” traçada por McLuhan.

De acordo com McLuhan[15] o desconforto, a tensão, as confusões e indecisões tão naturais à atual sociedade, pertencem a um período de grandes mudanças, problemáticas interações e culturas contrastantes. Este período de tempo em que vivemos, de complexo entendimento – o que certamente depõe a favor do conceito de Modernidade realçado há pouco -, pode ser considerado como uma passagem entre dois modos diversos e singulares de se “experienciar o mundo”. Em outras palavras, a contemporaneidade provavelmente se encontra entre duas eras principais (ou civilizações?): a tipográfica e mecânica e a eletroeletrônica[16], ou talvez, mais próxima da segunda. A primeira baseia-se integralmente na ordem tipográfica: a linha reta, a folha impressa. Pode ser considerada como um sistema fechado, metódico, cartesiano, simétrico: a literatura e o livro; o ponto de fuga renascentista; a música compassada e melódica. Ou, de modo alternativo, a representação em seu mais completo sentido: imagem/espelho de uma “realidade ordenada”.

A “era eletroeletrônica”, por sua vez, representada simbolicamente pelo círculo, vem se movendo ou se instalando rapidamente. A sua proporção, o seu sistema, difere enormemente em relação aos precedentes. O círculo, como símbolo, advém da idéia visual que se faz dos raios ou ondas emitidas por fontes tecnológicas modernas diversas como as luminosas, sonoras, radioativas, entre outras. Sendo assim, não mais pertencentes a “sistemas fechados”, antes, interações entre a “media” , informação intensa e permanente circulação. Ou, melhor ainda, como pontuado pelo próprio McLuhan:

 

Foi o método de Gutenberg de segmentação homogênea, para o qual séculos de exercício da capacidade de ler e escrever foneticamente prepararam a base psicológica, que evocou os traços do mundo moderno. A copiosa galáxia de eventos e produtos, fruto daquele método de mecanização do trabalho manual, é meramente acidental em relação ao método em si. É o método do ponto de vista fixo ou especialista que insiste na repetição como o critério para a verdade e praticabilidade. Hoje, nossa ciência e método esforçam-se, não em direção a um ponto de vista, mas em descobrir como não ter um ponto de vista; não o método do fechamento e da perspectiva, mas o do “campo” aberto e o da sentença suspensa. Este é, portanto, o único método viável frente às condições elétricas de movimento de informação simultânea e total interdependência humana.[17]

 

Retornando à América, ela é sem dúvida uma “novidade histórica”. Nenhuma outra nação ou império, na história, construiu tão rapidamente sua própria riqueza poder e círculo de influência. Agora, mesmo tendo apresentado em seu background recentes e vergonhosos equívocos mundialmente conhecidos (Cuba, Vietnã, Watergate, Irã e assim por diante...), esta milagrosa terra ainda preserva a sua peculiar e mágica atração, a sua imagem de “reino do futuro”. Apesar de uma certa unanimidade a este respeito, a América também é centro de controvérsias e foco de intensos ataques e críticas.

No Irã de hoje, como extremo oposto, ela é considerada o Mal. Os europeus por sua vez, em uma mistura de inveja e orgulho, vêem-na como uma ingrata mas bem-sucedida filha, que no entanto precisa ser mantida sob crítica permanente; ou eventualmente, esta imagem sofre mudanças dramáticas de acordo com a crença ideológica de quem a observa.

Estes sentimentos que normalmente se debatem entre o ódio e a fascinação só podem ser resultantes de um singular “modo de ser”. Esta existência americana (ou não existência?) desenvolveu, certamente, fortemente relacionada à trajetória da Modernidade, portanto, perfeitamente “aberta” (capaz) para absorver e desenvolver uma nova situação, um novo sistema: a nova era traçada por McLuhan.

A América vem sendo construída e preservada como uma entidade histórica desde seus primeiros passos como colônia, graças especialmente ao “espírito moderno” presente durante este processo. Neste sentido, a América é uma vanguarda, talvez a mais bem sucedida: ela se instalou em uma perspectiva completamente nova (sem um ponto de fuga fixo), como o ponto de partida de uma nova era na história (sua própria história), tendo como premissa “não olhar para trás”, antes, visar o futuro, sempre. Nas palavras de Paz:

 

A grande originalidade histórica da nação norte-americana e, ao mesmo tempo, a raiz de sua contradição, está inscrita no ato mesmo de sua fundação. Os Estados Unidos foram fundados para que seus cidadãos vivessem entre eles e consigo mesmos, livres finalmente do peso da história e dos fins metafísicos que o Estado estabeleceu às sociedades do passado. Foi uma construção contra a História e seus desastres, face ao futuro, essa terra incógnita com a qual eles se haviam identificado. O culto ao futuro se insere com naturalidade no projeto norte-americano e é, assim dizendo, sua condição e seu resultado. A sociedade norte-americana se fundou por um ato de abolição do passado. Seus cidadãos ao contrário dos ingleses ou japoneses, alemães ou chineses, mexicanos ou portugueses, não são os filhos, mas o começo de uma tradição. Não continuam um passado: inauguram um tempo novo. O ato (e a ata) de fundação – anulação do passado e começo de algo distinto – se repete sem cessar em toda a sua história: cada um de seus episódios se define não frente ao passado mas ante o futuro. É um passo adiante. Para onde? Para um nowhere que está em todas as partes, menos aqui e agora. O futuro não tem rosto e é mera possibilidade...[18]

 

Praticamente toda a iniciativa americana se desenvolveu sob esta “forma” original (estado) de ser, onde se encaixa perfeitamente a empresa do “museu moderno americano”. Efetuado e definitivamente estabelecido como algo pioneiro no que tange à renovação da concepção museológica, a idéia do “novo museu” lançada pelos americanos necessita, no entanto, ser revista e discutida criticamente, ou melhor, é próprio neste momento do texto lançar uma tentativa de desconstrução conceitual deste momento histórico do museu de arte.

Clara Iani 1

 


Paradigma: o museu americano

 

A iniciativa americana foi, e ainda é, um modo positivo de se enfrentar “a trajetória do museu para morte”, como já se comentou anteriormente, mas a questão de considerá-lo como paradigma para um “novo” museu de arte onde quer que seja deve ser cuidadosamente analisada.

A América é certamente algo singular, como certificado por Baudrillard e Paz. Em outras palavras, é uma situação particular no tempo e no espaço (uma coisa em si mesma?). Mesmo que se possa considerá-la como o início de uma nova era, e neste sentido uma espécie de modelo ou protótipo, ela não deveria ser apontada como a forma definitiva desta era.

Seguindo, portanto, esse pensamento, é correto afirmar que o simples ato de transferência de alguns conceitos e ações lançados pelos americanos para um outro lugar (Europa, América Latina, Oriente Médio e assim por diante...), sem ao menos estabelecer uma distância crítica neste processo, pode ser considerado um engano, especialmente quando situações econômicas e sociais e valores históricos e culturais são significativamente diversos.

 

A América exorciza a questão de origem: não cultiva a origem ou autenticidade mítica, não tem passado nem verdade fundadora, por não ter conhecido uma acumulação primitiva de tempo, vive num eterno presente. Por não ter conhecido uma acumulação lenta e secular do princípio de verdade, vive numa simulação perpétua, na atualidade perpétua dos sinais. Não possui território ancestral (...) a América não tem problemas de identidade.[19]

 

A Europa, por exemplo, nunca alcançará o mesmo grau de modernidade que os EUA, mesmo que continue tentando, incansavelmente. Isto é bem descrito por Baudrillard quando ele afirma que a Europa, com seu passado histórico, nunca vai ser moderna, no sentido próprio do termo. Assim sendo, o desejo europeu pela igualdade (Não explicitamente demonstrando, mas facilmente detectado) ou até mesmo a intenção de restaurar a sua supremacia original (os EUA são sem dúvida e pelo menos o “centro excêntrico” do mundo ocidental) estão praticamente descartados. Esta incompatibilidade encontra-se, certamente, na questão histórica.

Octavio Paz esta correto ao afirmar que a razão para que os americanos concentrassem seus esforços na construção de uma outra história à parte da História foi uma tentativa de não repetir as mesmas vicissitudes enfrentadas pelos povos europeus. Por sua vez, a Europa não pode simplesmente “desligar” a sua mais poderosa e polêmica herança, História, como os americanos o fizeram. Estes últimos foram felizes principalmente porque encontraram um amplo e “vazio” espaço a ser colonizado, proporcionando-lhes a oportunidade ideal para dirigir as suas energias para a construção de um verdadeiro mundo novo. Neste sentido nem os índios foram tidos como um empecilho, pois como Paz comenta, estes sempre foram vistos como parte da Natureza.

Por ouro lado, a História vem passando por um período de intensos questionamentos provocados principalmente pelos efeitos do “multiativo/ eletroeletrônico vírus” da Modernidade. As suas bases vêm sendo completamente revisadas e a sua noção linear de tempo assume, definitivamente, a sua relatividade; entretanto, é impossível observar a Europa sem ter como referência próxima a História. O Velho Mundo é História, está vivendo sobre ela, criou-a e a “desenvolveu”, e vai estar sempre sob seu domínio.

 

Eles fabricam o real a partir de idéias, nós transformamos o real em idéias, ou em ideologia. Aqui na América, só tem sentido o que se produz ou se manifesta; para nós, só tem sentido o que se pensa ou se esconde.[20]

 

É o peso da metafísica que prevalece na existência européia. Não há saída para tal “realidade”, e esta condição iguala-se com a da pobreza que determina os países que são incorretamente denominados de Terceiro Mundo.[21] Sendo assim, é correto afirmar que o que une a Europa aos países como o Brasil ou Chile, ou o Japão e a Coréia, é exatamente o fato de que eles dividem a mesma impossibilidade de alcançar a modernidade original conquistada pelos americanos. É esta diferença com a América que deveria ser vista como uma característica  universal, ou como um ponto de partida para uma reavaliação da atual situação do Museu de Arte. Por outro lado, é óbvio que esta referência não é suficiente para uma profunda avaliação desta matéria, mas certamente é útil como um catalizador de idéias, cujo objetivo seja o retrabalhar o museu através de um intercâmbio entre o conceito e a forma.

Ao se frisar esta intenção, pretende-se excluir da discussão central deste texto a análise de casos específicos, estejam eles no Brasil, Grã-Bretanha ou outro lugar qualquer. Assim, o objetivo central deste texto, que vem tomando forma neste momento, é o de se construir um “novo” conceito para o Museu de Arte, que parta da característica comum da não similaridade com a condição americana, mas que, no entanto, tenha sempre em mente este absoluto exemplo de modernidade.

Clara Iani 2

 

O efeito museu

 

They (museums) bulked so large in the nineteenh century  and are so much of our lives today that we forget they have imposed on the spectator a wholly new attitude towards the work of art (…) Until the nineteenh century a work of art was essentially a representation of something real or imaginary, which conditioned its existence qua work of art. (…) The effect of the museum was to suppress the model in self in almost every portrait (even that of a dream-figure) and to divest works of art their functions. It did away whith the significance of Palladium, of Saint and Saviour; ruled out associations of sancity, qualities of adormment and possession, of likenes or imagination. Each exhibition is a representation of something differing from the thing itself, this specific difference being its raison d’être. In the past a Gothic statue was a component part of the Catedral; simillarly a classical picture was tied up with the setting of its period, and not expected to consort with works of different mood and outlook. Rather, it was kept apart from them, so as to be the more appreciated by the spectator. True, there where picture collections and cabinets d’antiques in the seventeenth century, but key did not modify that attitude towards art of which Versailles is the symbol. Whereas the modern art-gallery not only isolates the work of art from its context but makes it forgather with rival or even hostile works. It is a confrontation of metamorphoses.

 

Antes de iniciarmos a formulação de um “outro” conceito para o museu de arte, faz-se necessário primeiramente analisar sucintamente o papel exercido por este espaço arquitetônico no desenvolvimento da Arte. Citar Malraux[22] neste momento nos é bastante útil, pois ele mostra com precisão o efeito causado no entendimento da arte pelo “enclausuramento desta no interior de quatro paredes”. Ele inicia o seu famoso ensaio Museu Imaginário (“Museum without Walls”) , com uma análise do que pode ser denominado como o processo de descontextualização da arte. É justamente esta questão que será debatida cuidadosamente nesta segunda parte, antes de retomarmos o conceito do Anti-Museu.

André Malraux em sua casa no processo de edição das imagens de seu livro O Museu Imaginário 1947

Arte Moderna é “arte de museu”, uma arte produzida especificamente para estar em museus, portanto podemos denomina-la de “arte limitada”, pois se encontra restrita por “quatro paredes e um teto”.

A idéia de criação de museus surgiu em mentes e sob o poder de indivíduos como reis, papas, conquistadores, burgueses etc... isto é, colecionadores. Eles desenvolveram e ampliaram a singular obsessão humana (ocidental) de coletar bibelôs, lembranças, formalizando desta forma o que é hoje em dia entendido como uma das principais funções do museu: a de reunir e preserva-lo que é considerado como valor intrínseco a gostos e crenças de pessoas ou grupos que foram ou são “produtores de cultura” (a oficial ou a reinante). Conseqüentemente, fragmentos culturais que foram considerados valiosos ou expressões supremas dentro do, ou para o, contexto da época foram retirados de seus sítios originais e transportados para edifícios onde foram armazenados e eventualmente exibidos. Este processo de seleção, deslocamento, agrupamento e armazenamento veio a ser formalizado como o ideal do museu: o espaço próprio para conservar “o que é considerado de valor ou representativo”(tesouro) por certa raça, religião, reino, etc... ou por uma determinada cultura ou história. Este processo de descontextualização, entre outros fatores, motivou o surgimento de objetos que hoje rotulamos como Arte.

Ao isolar  certa peça expressiva de seu ambiente original, ela certamente irá perder suas características naturais e adquirir novas ou outras. Neste sentido, Malraux é de grande ajuda quando nos relembra que uma estátua gótica foi um componente de uma catedral. Imaginando assim a impressionante presença criada por este conjunto arquitetônico – não apenas em relação a seu rico interior, mas também ao efeito produzido nos arredores (na vizinhança, a paisagem, do campo e da cidade..) – podemos nos dar conta das enormes diferenças existentes entre “o estar” de uma escultura em seu lugar natal e sua existência dentro de um ambiente artificial.

Coleções são obviamente escolhas parciais, por serem uma espécie  de espelho de um gosto, conhecimento, cultura, crença e poder particulares, e especialmente por estarem limitadas por restrições de ordem espacial. Isto é, os objetos anexados a uma coleção são selecionados de acordo com uma determinada intenção qualitativa/quantitativa e conforme as condições espaciais, obedecendo a limitações de armazenagem ou de exibição (padrões, dimensão, etc..). Desta maneira o que certamente conta na seleção de um colecionador é a dimensão da peça escolhida e sua “adequação” aos “padrões” estabelecidos pelo mesmo. Assim sendo, arte no interior de coleções são partes ou fragmentos de arte. Essa idéia segue a proposição de Malraux a respeito do efeito causado pela fotografia na avaliação e no estudo da arte e também aponta um ligeiro erro em seu pensamento. Se ele confirma que “a reprodução criou o que pode ser nomeado como arte ‘fictícia’ ao falsificar sistematicamente a escala dos objetos” porque não aplicar a mesma lógica não museum effect?

É claro que o museum effect possui uma outra amplitude em relação à da fotografia, mas certamente , o primeiro também está “falsificando” a noção do todo ao enfatizar o fragmento: “No domínio daquilo que eu denominei como artes fictícias o fragmento é rei.”[23]

Conseqüentemente, “os (impostos?) fragmentos” como a pintura e a escultura vêm sendo considerados, sob a égide do museu, como rei e rainha; e o desenho e a gravura como príncipe e princesa.

Seguindo o mesmo pensamento, por que não arriscar en passant que este poderoso efeito pode ser indicado como um dos mais influentes e decisivos na criação e manutenção da histórica disputa/divisão entre arte e arquitetura?  Esta divisão vem ocorrendo ou vem sendo necessária desde a “canonização” do museu, porque o que se insere dentro das especificações “das quatro paredes e um teto” é arte e o que não se encaixa, devido às limitações espaciais principalmente, é automaticamente relacionado ao universoo arquitetônico.

O museu sempre esteve à mercê desta limitação física, e de fato, ao “embrulhar objetos valiosos”, ele contribuiu e influenciou enormemente o desenvolvimento da arte. Sendo assim, pode-se dizer que a arte desde os museus vem sendo determinada, à parte outros fatores, pelas limitações que o museu, como um espaço arquitetônico e como conceito, vem impondo ao longo de sua existência.

Originalmente os objetos foram selecionados e instalados em espaços (residências, palácios etc...) que, mais tarde, em sua grande maioria, foram transformados ou denominados como museus. Tais locais, com o passar do tempo, abarrotaram-se, necessitando conseqüentemente de constante reorganização. Esta necessidade, em favor de certa ordem física/espacial, certamente influenciou o surgimento e o desenvolvimento de sistematizações intelectuais. Este desenvolvimento de “pensar o museu” pode ser considerado como progressivo, e segue sem dúvida os caminhos da ordenação alfabética, portanto encaixa-se perfeitamente na idéia de McLuhan a respeito da “era de Gutenberg”: “A invenção do alfabeto, como a invenção da roda, foi a tradução ou a redução de um complexo, interação orgânica de espaços em um único espaço”.[24]

Seguindo este mesmo enfoque e igualando-se mais uma vez o conceito de Malraux –photography effect – como o museum effect, pode-se confirmar esta idéia de progresso:

 

Também, desde o surgimento da reprodução (porque não do alfabeto?), embora esta não seja a causa da nossa intelectualização da arte mas o seu instrumento principal, os dispositivos da fotografia moderna (e outros fatores do acaso) (museus) tendem a empurrar esta intelectualização ainda mais longe.[25]

 

Foi Duchamp, através da sua inteligente e mordaz ironia, quem descreveu sucintamente e com exatidão esta obsessão ocidental de colecionar e seus resultados. Segundo ele, fomos nós que inventamos o que identificamos  como Arte, selecionando, rotulando e catalogando experessões/ações; isto é, intenções ou “manias” do homem ocidental que ele considera como “um tipo de masturbação”.[26]

Desta maneira, é razoável sugerir que as limitações físicas e conceituais impostas pelo museu nutriram o monopólio da “cultura especializada”, que por sua vez foi reforçada pela lógica alfabética, e como McLuhan aponta (em referência ao alphabet effect), estas circunstâncias encorajaram uma absorção militante e a inevitável transformação e até a extinção de outras culturas:

 

Um outro modo de se colocar isto é salientando que qualquer sociedade, ao dominar o alfabeto, pode traduzir qualquer outra cultura adjacente para o modo alfabético. Mas este é um processo unilateral. Nenhuma cultura não alfabética pode dominar outra que seja alfabética, pois o alfabeto não pode ser assimilado, ele pode ser apenas liquidado ou reduzido. No entanto, na idade eletrônica talvez sejamos capazes de descobrir os limites da tecnologia do alfabeto.[27]

 

Clara Iani 3

 


Arte de Museu

O “efeito museu” na descontextualização da arte sofreu uma transformação significativa no  século XVIII. Desde o nascimento de sua filosofia própria (Estética, de Baumgartem, 1750), as Belas Artes tornaram-se capazes de estabelecer suas próprias convenções ou seus próprios testamentos. Por outro lado, a arte contemporânea começa a receber uma atenção nunca antes vista, não só através da criação de exposições especiais, como também através do surgimento de uma critica especializada (iniciada por Diderot e definitivamente estabelecida por Baudelaire). Esta tendência certamente surge sob a influência da(s) filosofia(s) do Iluminismo, que como Venturi coloca, procuram localizar a razão dos fatos através da análise destes mesmos fatos.[28] Tal empresa requereu novos procedimentos e posturas analíticas, o que veio a provocar também um deslocamento de interesses. Sendo assim, uma parte da atenção contemporânea despendida no estudo e análise da arte antiga e de seus artistas foi transferida para a observação da produção contemporânea.

Acrescentando-se estas questões ao museum effect, temos como resultante um crescente, novo e revolucionário desejo: Arte Moderna. Este desejo (tão intensamente incorporado no espírito da Modernidade) apropriou-se em definitivo, direta e indiretamente, do museu como o seu ambiente natural e levou esta apropriação até as últimas conseqüências. Portanto, ele praticamente pôs fim ao processo de descontextualização da arte, ao assumir que o museu era o lugar próprio e ideal para a arte.

Sendo assim, por que não chamá-la de Arte de Museu?

Se este é o caso, a Pintura Moderna, de Greenberg, é certamente o mais explícito testamento para uma estética moderna os Ready-Mades, de Duchamp, o paradigma e a sabedoria de uma crítica ou postura moderna. Por quê? Porque, e antes de mais nada, trabalhos emergentes das teorias críticas de Greenberg (cf. Morris Louis, Kennet  Nolland, e o puro minimalismo) e os próprios Ready-Mades e trabalhos que seguram sua tradição recente foram concebidos e produzidos para “existirem” no museu, isto é, ambas “vertentes” (a da Pintura Moderna e a de Duchamp) só podem “sobreviver como arte” sob a custódia deste espaço arquitetônico, ou de suas extensões.[29] Os dois foram, ou continuam sendo, sem dúvida alguma, pura arte de museus, mas, no entanto diferem significativamente.

O Ready-Made parece ser a principio somente resultante de intenções provocadas – disparates (uma opinião comum em relação à arte moderna). Mas, na verdade seu mérito, encontra-se por detrás desta sua fachada irreverente: estes objetos “fáceis” e sem sentido são críticos em essência.

Mesmo que o Ready-Made continue condicionado pelo museum effect, ele o transcende por ser extremamente contraditório: ao mesmo tempo, sua presença nos interiores deste espaço tradicional rejeita a linearidade temporal moderna e assim rejeita também a si mesmo, colocando em xeque todo o sistema de pensamento que circunda a questão do Museu. Se a proposição de Piaget continua sendo correta, podemos sustentar que esta transgressão, por ser uma verdadeira contradição, vai forçar a criação de novos esquemas e referências, que por sua vez vão dar vida a outros “modos de ver” e valores. Sendo assim, o Ready-Made representa perfeitamente este mais importante componente moderno, a crítica, como talvez os trabalhos de um Michelangelo ou de um Rafael o fizeram no período da “arte como representação”. É novamente Paz que aponta, com precisão, esta singularidade moderna:

 

A arte moderna não é somente a filha da idade crítica como também é crítica de si mesma. O novo não é exatamente o moderno, salvo se for portador de uma dupla carga explosiva: ser negação do passado e ser afirmação de algo distinto (...). Paixão crítica: amor sem moderação, passional, pela crítica e seus mecanismos de desconstrução, mas também crítica enamorada de seu objeto, crítica apaixonada por aquele mesmo que nega. Enamorada de si mesma e sempre em guerra consigo mesma, não afirma nada permanentemente nem se agarra a nenhum princípio: a negação de todos os princípios, a perpétua mudança é seu princípio.[30]

 

Todavia, este “outro” moderno tornou-se um dos instrumentos essenciais na construção da atual conexão entre a “Era Gutenberg” e a “eletroeletrônica”; ou um meio útil para a sobrevivência na contemporaneidade.

Por sua vez, A Pintura Moderna deixa claro que para o bem da arte faz-se necessário enfatizar o que é peculiar a cada arte. Conforme Greenberg, o único meio possível para alcançarmos tal objetivo (a “pureza” de cada arte) é através da autocrítica. No entanto, esta autocrítica greenbergiana não se aprofunda suficientemente para rejeitar a linearidade histórica, na qual ela está fortemente arraigada; ao contrário, ela enfatiza perversamente esta antes inquestionável racionalidade ocidental, ao considerar-se uma de suas máximas.

Ao enfocar e sustentar esta questão, esta “corrente” de arte moderna “patrocinada” por Greenberg está reforçando a fragmentação de algo mais amplo (que pode ser nomeado despretensiosamente como arte ambiental). Neste sentido, esta “versão” de arte moderna pose ser considerada como a extrema e mais poderosa expressão do período de arte “desde os museus”. A proposição de Greenberg, de acordo com Wallis, viu o Modernismo:

 

Como a realização das promessas lançadas pelo iluminismo, onde as determinações racionais organizariam o conjunto de todas as disciplinas e todas as áreas de conhecimento em distintas áreas de competência – e isto envolve a ciência, a filosofia, a história, bem com a arte.[31]

 

Esta visão segue a mesma idéia que o Marxismo vem fazendo de si mesmo, como um resultante “lógico” de uma história linear, progressista e racional, e em cujas premissas também esteve embasada boa parte dos movimentos de vanguarda.

Do mesmo modo que a Ciência Moderna atualmente já não é mais fervorosamente considerada um corpo total e racional capaz de determinar e dominar tudo que envolve a humanidade, a tradicional idéia de uma linear e progressiva história também vem sofrendo significativas reconsiderações. Deste modo, a proposição de uma possível arte “pura” pertence definitivamente a um sonho do passado.

 

Uma outra moldura


Todavia, este processo de descontextualização que o museu impôs – a saber, the museum effect e seus resultantes – não pode ser visto parcialmente como Valéry o fez ao considera-lo a morte da arte, e tampouco como Proust, opostamente, ao enfatizar o museu como fonte de “alegria embriagadora”.[32]

A princípio, este ato de colecionar precisa ser considerado como uma significativa expressão (mas não necessariamente positiva) da cultura ocidental, parte inseparável da civilização européia (um elemento da Era de Gutenberg), de seu “estilo de vida” ou de sua “razão de ser”. Por outro lado, é impossível, nas atuais circunstancias (já discutidas anteriormente), continuar mantendo o museu e o que ele representa como valores superiores ou como verdades inquestionáveis. Deste modo, ao analisar o ato de colecionar e a questão do museu na atualidade, o que deve prevalecer não é um discurso apaixonado, tampouco um lamento resignado, mas antes uma intenção crítica.

Os pontos de vista das vanguardas em relação a esta questão são indiscutivelmente pioneiros, pois é no interior deles que se encontram as primeiras efetivas críticas em face a esta herança chamada museu. Esta afirmação é sem dúvida uma contradição, porque, como já foi dito anteriormente, a arte moderna ainda necessita do museu como o seu suporte, mas opostamente, as vanguardas, de uma maneira geral, questionaram frontal e abertamente o papel que esta instituição vem tendo ao longo da civilização ocidental. Todavia, a contradição é o combustível moderno, é o que vem proporcionando energia à “máquina” da arte moderna desde suas primeiras manifestações.

Os futuristas italianos proclamaram morte aos museus e praticamente todo o movimento de arte moderna concordou que o museu simbolizava poderosamente o passado falido o qual tanto combatiam. A principal arma usada por estas vanguardas sempre foi a crítica. Esta pode ser claramente identificada com a criação de um salão independente pelos impressionistas, alcançando seu extremo com o “manifesto futurista”  e finalmente, em seus últimos degraus radicais (“revolucionários”), identificadas com as manifestações da “arte conceitual” durante as décadas de 60 e 70.

Estas manifestações estavam combatendo o que pode ser denominado de “instituição da arte”, em outras palavras, o sistema da arte e todo o seu mecanismo. O museu certamente foi e ainda é a “cabeça” desse sistema, o seu ponto mais alto, aquele que possui a palavra final na decisão do que deve ser considerado in e out, e assim, consequentemente, o que “merece posteridade”.

Todavia, este tipo de radicalismo moderno vem provando que pensamentos atitudes e ações revolucionárias resultam normalmente em outros erros, às vezes mais danosos do que os cometidos no passado. De qualquer modo, tem-se como quase certo hoje em dia que a melhor maneira de se perturbar o sistema da arte é agindo  (interferindo) em seu interior – como fez a Pop Art (certamente influenciada por Duchamp) – ao invés de agir como um “corpo estranho” (outsider) , como a maioria das vanguardas fez. Desta forma, a arte do passado recente e a atual vêm alcançando melhores resultados, metaforicamente falando, ao fazerem uso de “táticas de guerrilha” (arte como instrumento)  do que quando elas se consideram algo “à parte” e muitas vezes superior, acreditando conseqüentemente  que são capazes de provocar e enfrentar uma guerra aberta com o sistema (arte como agente).

Certamente, o rótulo “pós-moderno” é a confirmação de que o tempo presente requer uma outra consciência, nesse sentido não mais comandada por um fervor moderno para com a ruptura mas, de preferência, por uma intenção baseada na sugestão de que o que deve ser alcançado não é um “futuro perfeito”, mas antes , a preservação de um estado de equilíbrio dinâmico. No entanto, para ser relevante, esta “outra” – muito mais que “nova” – intenção necessita adaptação e avaliação constantes, na qual a “autocrítica”  e a crítica possuem um papel fundamental.

A significativa diferença entre estas duas consciências é que a última não almeja algo “novo” ou muito diferente do passado ou até mesmo do tempo presente, principalmente por estar ciente da ineficiência de grande parte das revoluções e rupturas modernas. Em outras palavras, o “objetivo” contemporâneo não se baseia mais no sonho precedente (o moderno) de um futuro sólido e ideal, mas muito mais na idéia de sobrevivência. Sobreviver, aqui, está baseado no conceito de Piaget: o modo pelo qual o organismo interage com o ambiente, onde as iniciativas partem geralmente do primeiro. Adorno é provavelmente um dos primeiros a sugerir isto em relação ao museu:

 

Não se pode fechar os museus, nem sequer seria desejável fazê-lo. Os gabinetes de história natural do espírito têm transformado propriamente as obras de arte em um cifrado hieroglífico da história, e tem insuflado nelas um novo conteúdo enquanto se consome o antigo. Mas frente a isso não é possível oferecer um conceito de arte puro emprestado do passado e, para o cúmulo, inadequado a ele (...) Assim é certo que os museus exigem insistentemente o que já exige em segredo cada obra de arte: algo de contemplador.[33]

 

A citação a seguir, de Barthes, mesmo que não seja relacionada à questão do museu, aproxima-se à de Adorno, reforçando-a:

 

(...) está mais para a natureza de um deslize (glissement) epistemológico do que para uma ruptura (coupure) real. A ruptura é freqüentemente enfatizada, e conquista seu espaço no século passado, com o surgimento do Marxismo e do Freudismo: desde então não houve ruptura significativa, portanto, pode-se dizer que, de certo modo, por cem anos estamos vivendo em repetição. O que a história, nos permite atualmente é apenas deslizar, variar, exceder, repudiar. Assim como a ciência Einsteiniana exige que a relatividade do sistema de referências seja incluída no objeto estudado, assim também o faz a ação em conjunto do Marxismo, Freudismo e Esturuturalismo na literatura, ao reivindicar a relativização das relações entre escritor, leitor e observador (crítico). Acima e contra a tradicional noção de Trabalho, que por muito tempo foi e ainda é concebida de uma maneira Newtoniana, existe hoje a demanda de um novo objeto, obtido ao se deslizar ou revolver categorias anteriores. Este objeto é o Texto.[34]

 

O Anti-museu em formação

 

O “espírito” de provar-se a si mesmo através da “negatividade e do anti-poder” (Baudrillard), pode ser encontrado especialmente no interior dos movimento de vanguarda, mas suas raízes, como já foi colocado anteriormente, localizam-se na segunda metade do século XVIII. Logo, esta prática ou “espírito” do anti-museu é originalmente uma reação moderna; ela vem se formando ao longo da modernidade, principalmente no interior do “sistema da arte”, mas também parcialmente como um “corpo-estranho” (outsider).

Este “espírito” tem sua gênese em um ato de registro – o próprio decreto francês de 1792. Este documento estabelece o irreversível fato de que os museus pertencem à comunidade, isto é, são a princípio patrimônio público. Neste sentido, desde a Revolução Francesa os museus e subseqüentemente a “alta-cultura” representada por eles não possuem outra alternativa senão a de estarem subordinados à (ou dependentes da) sua condição pública. Desta forma, o fator comum a nossa referência básica é, sem dúvida, a necessária disposição do museu em relação ao público.

De qualquer modo, um dos primeiros “sintomas” de anti-museu surge sete anos antes da Revolução Francesa, através da iniciativa de um cidadão americano. Descrito atraentemente por Hudson em sua História Social dos Museus[35], Charles Wilson Peale conduziu, primeiramente em sua residência e mais tarde em uma galeria especialmente projetada para tal fim, uma coleção que desde seus primórdios esteve voltada ao interesse do público em geral. Esta empresa distingue-se muito mais pelo caráter “ingênuo” do que, provavelmente, por uma intenção, fruto de um conhecimento superior ou especializado; deste modo, ela é sem dúvida, um exemplo isolado em meio às primeiras iniciativas museológicas modernas: um dos primeiros passos em direção ao “moldar-se” o museu de acordo com os desejos populares. Em outras palavras, o Museu de Peale foi um espaço singular de coleção e exposição de objetos diversos, organizado conforme as necessidades e curiosidades do público – uma atitude não usual neste estágio do desenvolvimento museológico.

Charles Willson Peale, "The Artist in His Museum" (1822) | PAFA - Pennsylvania Academy of the Fine Arts

Além de fazer uso dos jornais como um meio para ampliar sua audiência o Museu de Peale foi também pioneiro em outro tipo de “ação museológica”: a criação de cenários especiais que tentavam recriar o meio ambiente de alguns grupos de animais. Mesmo tendo sido considerada durante muito tempo uma iniciativa de caráter amador (própria de um cabinet de curiosité), tal procedimento museográfico veio afinal ser explorado e utilizado amplamente como um instrumento educativo pelos “grandes museus” neste nosso século.

O Palácio de Cristal, de Paxton (1851), é um outro importante elemento na composição do conceito de “anti-museu”. Além de ter abrigado a 1ª Exposição Universal – fato em si de suma importância para a modernização do mundo ocidental, pois relaciona-se diretamente à sua história política e econômica – esta imensa “estufa” (também uma fronteira da moderna tecnologia de construção civil) simboliza os primeiros passos de uma ação prática visando a socialização do conhecimento (proclamada pela Revolução Francesa).

The Great Exhibition 1851 - Intriguing History

 

Mais de seis milhões de visitantes nos cinco meses em que ficou aberta. Parte dos recursos arrecadados foram usados para ajudar a financiar a construção de importantes museus em Londres como o Museu de História Natural e o Victoria and Albert Museum.

 

 

O Palácio de Cristal foi um “evento” que se voltou ao grande público, erguido não sob a égide do mármore, de pomposas estilobatas, ou de pórticos e frontões, mas sim um “espaço aberto” (encorajador), um showroom (Levin), ou melhor, um “espaço transparente” onde as pessoas transitavam em meio aos (ou interagindo com os) produtos/objetos em exposição. O público foi parte integrante deste ambiente arquitetônico e não mero espectador ou apreciador. Este, o primeiro “circo tecnológico” da modernidade, da sociedade do espetáculo, veio a influenciar o surgimento de outros intrigantes projetos arquitetônicos contemporâneos, tais como o “Beaubourg”, em Paris, ou o “Domo de Fuller” sobre Manhattan.[36]

Esta impressionante novidade estrutural pesou significativamente no surgimento de uma nova percepção e entendimento do espaço arquitetônico. Esta imensa estrutura de ferro e vidro tornou “universal” a idéia de construção em arquitetura não necessariamente como substituição ao tradicional conceito de modelar/esculpir, mas antes como uma opção criativa e funcional frente aos avanços da sociedade moderna.[37] Notável foi o efeito causado à noção dos limites do espaço arquitetônico. Mesmo que ainda possa ser descrito como uma “tradução ou redução de um complexo, interação orgânica de espaços em um único espaço”[38], o Palácio de Cristal ultrapassa esta condição ao produzir com sua gigantesca presença (ou não presença?) em ferro e vidro um imprevisível distúrbio no tradicional confinamento do espaço introduzido e mantido pelos “edifícios de pedra”. Neste sentido o Palácio de Cristal introduziu uma nova noção de espaço, logo, não é difícil entender por que as estações de trem passaram a ser consideradas, a partir da segunda metade do século passado, as catedrais do futuro.

No mesmo sentido, esta imensa “estufa” lançou por acaso, ou mais precisamente, não conscientemente, o desejo moderno pela “forma pura”[39], o Palácio de Cristal iniciou definitivamente na arquitetura a tendência moderna de se enfatizar o que “é único e irredutível em cada arte em particular” (Greenberg). Esta foi um das primeiras arquiteturas “despidas” - que expressa simultaneamente transparência e corporalidade -, um produto da autocrítica da modernidade. Mesmo que não tenha sido uma autocrítica intencional esta arquitetura brincou com esta característica  moderna ao ser um produto de um engenheiro. Em outras palavras, ao ser imaginada por um não-arquiteto, esta construção questiona frontalmente a razão de ser da arquitetura e suas verdades. Não há dúvidas de que esta questão continua recheada de contradições, portanto totalmente moderna. De qualquer maneira, todas estas circunstâncias desestabilizaram profundamente outros conceitos e entendimentos “solidificados”, entre eles o do museu.

Uma outra notável referência é a idéia que o arquiteto Sir John Soane faz do museu de arte. Esta concepção, além de produzir a primeira galeria de arte pública da Grã-Bretanha, a “Dulwich Gallery” (1815), também originou um outro projeto, a sua “Casa-Museu”, em Lincoln´s Inn Field, Londres – uma “arquitetura em processo” (1801-1810). Esta idéia merece um enfoque distinto pois é, sem dúvida, única, não só em relação à história da arte e dos museus mas, igualmente, em relação à arquitetura. Soane esteve totalmente envolvido e movido por um desejo obsessivo de criar um ambiente artístico total que deveria ser pedagógico em si mesmo. Este projeto demonstra claramente que não só a preocupação de Soane em refletir o seu papel e identidade como arquiteto, como também sua intenção em oferecer um legado artístico (arte+arquitetura) e educativo para sua família. No desenvolvimento deste projeto em particular, Soane perseguiu obstinadamente a idéia de iniciar uma “raça de artistas” ou uma “família de artistas”, cabendo à Casa-Museu o papel principal: algo como um eterno marco ou suporte, ou melhor ainda, um eterno berço para a realização de tal desejo.

Casa-Museu de John Soane, Londres, 1837

Este ideal pode ser considerado como oposto aos caminhos tomados pela arquitetura de museus desde seus primórdios. A linguagem clássica vem predominando ao longo da História. A existência dos museus sempre esteve ligada à arquitetura grega e romana – especialmente desde o Neoclássico – mantendo assim uma espécie de padronização “universal”. Isto também se aplica aos edifícios institucionais como um todo. A linguagem clássica que o poder da Era de Gutenberg[40] cultivou foi a expressão própria ou o espelhamento de uma autoridade lógica e racional dominante em todo o percurso da História Ocidental. A arquitetura clássica simboliza totalmente este poder, sua “nobre simplicidade e serena grandiosidade” (Winkelmann) facilitam sua “inquestionável” razão de ser.

Os modernistas começaram a desconstruir essa “suprema” expressão arquitetônica, de certa maneira, eles rejeitaram tal tradição ao realçar seus conceitos básicos. A “redução ou síntese de um complexo” desenvolvido por muitos dos famosos arquitetos deste século levou até as últimas conseqüências as premissas da arquitetura da Era Gutenberg. Neste sentido, eles tentaram superar o classicismo ao oferecer sua mais pura forma. A “máquina de morar”  de Le Corbusier pode ser vista sob este ângulo, mas certamente com limitações. Entretanto é o “menos é mais” de Mies van der Rohe que representa inteiramente este desejo moderno. A sua “Neue Nationgalerie” em Berlin (1962-67) é provavelmente o ponto mais alto de um “puro” projeto arquitetônico: redução e síntese da linguagem clássica. Isto é pertinentemente observado por Frampton[41], quando ele compara o projeto de van der Rohe com o da “Alte Pinacothek” (1823-30) de Schinkel (um paradigma para o design de museus).

Se a arquitetura Neoclássica padronizou o design dos edifícios institucionais, o Estilo Internacional, por sua vez, fez o mesmo ao considerar todo tipo de edifício como uma “caixa funcional”.[42] O Estilo Internacional foi uma espécie de síntese da arquitetura como conhecimento histórico, mas ao se transformar rapidamente em um mecanismo, uma generalização de idéias e conceitos, veio provocar mais enganos do que soluções para uma tão almejada arquitetura do futuro.

A demolição de muitos edifícios modernos e empreendimentos urbanos demonstra claramente o fracasso deste esperançoso pensamento. No entanto, a arquitetura do pós-guerra não pode ser responsabilizada isoladamente pelos erros modernos e contemporâneos e, igualmente, não pode ser vista como uma iniciativa totalmente negativa.[43]

 

Um deslize: o anti-museu

 

O conceito de “anti-museu” que vem sendo desenvolvido neste texto não é uma novidade, tampouco uma surpresa, nem mesmo um ponto de vista radical. Conseqüentemente, ele não dever ser encarado como uma reação moderna ou algo próximo a um exaltado discurso de vanguarda.

Este, entretanto, pode ser considerado original ao ser uma “outra”, entre muitas “outras” interpretações do que vem acontecendo em torno da arte e dos museus (“alta-cultura”), no passado recente e no presente momento. Em outras palavras, este “anti-museu” em particular é uma tentativa de ler e nomear um fenômeno: certas atitudes, posturas e empreendimentos presentes ao longo da modernidade, que dividem certas similaridades entre si ou que podem ser agrupadas por via interativa.

Esta intenção pode ser considerada, a princípio, um jogo, que soma uma manipulação da relatividade dos conceitos com o prazer que tal exercício pode proporcionar; no entanto, não se trata de um jogo despretensioso mas, mais exatamente, de uma proposição consciente visando oferecer uma base para a discussão e entendimento do papel do museu de arte na contemporaneidade.

 

ceci est vraiment un musee_original version_1989

"ceci est vraiment un musée" conundrum by Martin Grossmann, Liverpool, March 1990


[1] The precession of simulacra. In: M. Tucker, org. Art after Modernism. New York: The New Museum of Contemporary Art, 1984. p.266.

[2] M. Muschanp, The Americam Museum scene. In: Lotus International, n.53, 1/1987

[3] M.D. Levin, The moderm museum: temple or showroom? Tel Aviv: Dvir Publishing House, 1983.

[4] J. Piaget, Recherches sur la contradiction. In: Les deifferents forme de la contradiction. Paris: Press Universities de France, 1974.

[5] Marshall Berman, Tudo que é sólido desmancha no ar. São Paulo: Companhia das Letras, 1986.

[6] C. Baudelaire, O pintor da vida moderna. In: A Modernidade de Baudelaire. São Paulo: Paz e Terra, 1988. Textos selecionados.

[7] D. Frisby, Fragments of modenity, theories of modernity in the work of Simmel, Kracauer and Benjamim. Cambridge: polity Press, 1985 p.13

[8] Esta ideia, hoje em dia, está definitivamente descartada, como já afirmava M. Brawne, The new museums. London, 1965, p.15.

[9] H. Searing, New american art museums. New York: Whitney Museum of American Art, 1982, p. 47-49

[10] C. S. Stein, The art museum of tomorrow. Architectural record, v. 67, jan. 1930, p. 5.

[11] H. Searing, New american art... op.cit,, p. 49

[12] Além de ser um documento de seu tempo, este poderoso imaginário e sua expressão (a Arte) pontua e pensa “o agora” (inclusive ela mesma), como também é capaz de delinear o presente subseqüente.

[13] C. Greenberg, A pintura moderan. In: G. Battcock, A nova arte. São Paulo: Perspectiva, 1975, p.97.

[14] J. Baudrillard, América. Rio de Janeiro: Rocco, 1986. P.12 e 26.

[15] M. McLuhan, The Gutenberg galaxy, the making of typographic man. London: Routledge & Kegan Paul, 1962.

[16] Idem, ibidem

[17] Idem, Ibidem, p.276. McLuhan não está sozinho ao defender esse ponto de vista. Encontra-se o mesmo tipo de enfoque em outros pensadores, como o de V. Flusser. A filosofia da caixa preta, 1985, e R. Barilli, L’Arte Contemporanea, Cézane alle ultime Tendenze, 1984.

[18] Octavio Paz, Tiempo nublado. Barcelona. Seix Barral, 1986. P.38.

[19] J. Baudrillard, América op.cit., p. 66.

[20] Idem, ibidem, p. 73.

[21] Novamente, Octavio Paz (p.162-62):”Por mais de dois séculos acumulam-se os equívocos sobre a realidade histórica da América Latina, nem sequer os nomes que pretendem designa-la são exatos: América Latina, América Hispânica, Iberoamérica, Indoamérica? Cada um destes nomes deixa de lado parte da realidade. (...) Mais vaga ainda é a expressa: Terceiro Mundo. A denominação não só é imprecisa como enganosa (...). Mas apenas afirmamos que somos uma prolongação ultramarina da Europa, saltam à vista as diferenças. São numerosas e, sobretudo, decisivas.

[22] A. Malraux, Museum withouth walls. In: The voices of silence. London: Secker & Warburg, 1954, p.13-14.

[23] Idem, ibidem, p.24.

[24] M. McLuhan, op.cit., p.45

[25] A. Malraux, op. cit., p. 21.

[26] P. Cabanne, Marcel Duchamp, o engenheiro do tempo perdido. São Paulo: Perspectiva, 1987, p.169-170.

[27] M. McLuhan, op. cit., p.50.

[28] L. Venturi, História da crítica de arte. São Paulo: Martins Fontes, 1984.

[29] As extensões do museu são todos os espaços especialmente projetados e adapitados para exibir obras de arte.

[30] Octavio Paz, Los Hijos Del Limo. Barcelona: Seix Barral, 1974. p. 16-20.

[31] B. Wallis, What’s wrong with the picture. In: M. Tucker, org. Art after modernism.. op.cit., p. xii

[32] T. Adorno, Museo Valéry-Proust. In: Prismas, la crítica de la cultura y la sociedad, Barcelona: Ariel, 1962 p.199-200.

[33] Idem, ibidem, p.85.

[34] R. Barthes, From work to text. In: M. Tucker, org. Art after modernism... op.cit. p. 169-70.

[35] A. Hudson, A social history of museums, what the visions thought. London: Macmillan Press, 1975. P.33-36.

[36] O progressivo desenvolvimento dos meios tecnológicos favoreceu iniciativas voltadas ao entretenimento, como a Disneyland, que se transformou em paradigma para qualquer centro moderno de lazer. Só recentemente os museus ou centros culturais começaram a fazer uso de algumas das idéias e efeitos lançados e desenvolvidos pela Empresa de Disney. “ La Vilete”, em Paris, ou o pequeno “Jorvik Viking Centre” em New York são exemplos.

[37] Os paralelos com o desenvolvimento da escultura pós-Rodin são óbvios. Neste campo, principalmente Picasso e os construtivistas dividem o mesmo “mérito” que o Palácio de Cristal, de Paxton, possui na Arquitetura.

[38] McLuhan, The Gutenberg galaxy... op. Cit., 1962.

[39] Este desejo pela “forma pura” em arquitetura pode ser encontrado na grande maioria dos movimentos de vanguarda do século XX: a Máquina Gigante dos futuristas, ou o Estilo Elementarista Construtivista de Bauhauss, a Arquitectura Plástica do Stijol e finamente o Estilo Internacional com um todo.

[40] Seja este poder proveniente do clero, da monarquia ou da burguesia.

[41] K Frampton, Modern architecture: a critical history. London: Thames & Hudson, 1985. P.225-237

[42] Este é um dos principais focos da crítica de Charles Jencks em relação a arquitetura moderna.

[43] Como na Inglaterra o príncipe Charles vem futilmente fazendo e explorando ultimamente.

* Grossmann, Martin. O Anti-Museu. Texto anteriormente publicado em: Revista de Comunicações e Artes, São Paulo, v. 24, p. 5-20, 1991