Walter Grasskamp, professor de História da Arte da Academia de Belas Artes de Munique, iniciou a palestra comentando ser esta a sua primeira viagem ao sul do Equador, uma espécie de ritual de batismo para os europeus. Contextualizando o tema de sua apresentação, "O museu e outras histórias de sucesso na globalização cultural", afirmou que apesar da globalização ser uma pauta dominante nas discussões atuais, pouca atenção é dada aos seus aspectos culturais, vistos como "efeitos colaterais" deste processo. Analisada de um ponto de vista da "cultura de consumo", a arte situa-se à margem da globalização, resumida ao consumo de uma pequena elite, apesar dos trabalhos dos artistas contemporâneos sobre o tema.
Deslocando o seu foco de atenção do futuro da globalização cultural para a sua pré-história, Grasskamp falou sobre uma "europeização" mundial, decorrente do colonialismo e do imperialismo movida pela cultura do consumo de bens e escravos, utilizando o conceito de "interação" no lugar de "intercâmbio" para destacar a desigualdade de direitos entre os agentes envolvidos. A seguir, ele discorreu sobre sete "estações" na sua "história da arte da globalização": 1. Museus, lojas e bares; 2. Os gabinetes de curiosidades; 3. A dissolução dos gabinetes de curiosidades; 4. A universalidade da arte; 5. Segunda documenta; 6. Westkunst (arte ocidental); 7. Agentes globais. Para o palestrante, a música pode ser considerada como o principal exemplo de interação cultural: o jazz e o blues como resultantes da migração africana para a América do Norte e o gospel como resultado da cristianização dos escravos norte-americanos. A partir da metade do século XX, a interação cultural deixa de ser estritamente européia e americana, contudo o reconhecimento de outras culturas deu lugar à exploração cultural e a comercialização unilateral sob o rótulo de "world music".
Walter Grasskamp se questiona sobre a razão de falar sobre música em uma conferência sobre museus. Um dos motivos seria o fato de que a inspiração de outras culturas para as vanguardas artísticas européias, como as máscaras africanas para o cubismo, os entalhes em madeira dos Mares do Sul para os expressionistas e as gravuras japonesas para Van Gogh, não foi tão intensa quanto no meio musical. No cenário musical, a formação e a difusão do jazz e do blues continua sendo feita pelo contato direto entre o público e o artista, mesmo com as mudanças trazidas pela indústria cultural. Por outro lado, os artistas de vanguarda tomavam as peças trazidas de outras culturas através de um sistemas que não considerava os seus contextos originais de formação, portanto, não estavam interessados em compreender as outras culturas, mas somente em usar a informação visual que recebiam. Neste contexto colonialista, os palcos de contato com pinturas, esculturas e gravuras de outras culturas com os europeus foram os museus, as lojas e os bares das regiões portuárias.
Neste ponto, o professor alemão se questiona se os artistas contemporâneos, diferentemente dos artistas de vanguarda, estão realmente interessados nos contextos culturais originais de produção de peças exóticas. Nesta perspectiva, "o exotismo da vanguarda foi o pico do eurocentrismo". Tal abordagem formalista foi contestada somente em 1984, com a exposição "Primitivismo na Arte do Século XX, em Nova Iorque. Neste ponto, o palestrante desvia sua atenção para o século XVI, quando inicia a recepção estética de culturas não-européias com os "gabinetes de curiosidades" renascentistas e barrocos, nos quais o olhar do rei representava a curiosidade e a legitimação, através da percepção, dos objetos de outras regiões trazidos "para casa" . Além desta rede política do colonialismo, existe também uma rede religiosa formada pelas missões jesuítas. Grasskamp assinala que existe uma história comum do colonialismo e dos gabinetes de curiosidades ainda pouco estudada. Além disso, não foram colecionados apenas objetos pelos europeus, mas paralelamente aos gabinetes se desenvolveram também os jardins botânicos e os "zoológicos". Tais bens coloniais não foram consumidos diretamente ou diariamente, mas através da percepção, uma outra forma de consumismo.
O gabinete de curiosidades, forma inicial do museu, foi, portanto, um agente precoce da globalização. O museu, como "modelo estrutural e institucional de coleção e exibição" foi também uma das exportações européias mais bem sucedidas. A dissolução dos gabinetes resultou na especialização das coleções e no surgimento do museu de arte autônomo, cujo modelo foi disseminado pelo mundo todo. A sua fácil adaptação às outras culturas é resultado da sua estrutura constante mas flexível. Por exemplo, o museu nacional serviu como modelo para a diferentes nações, o mesmo servindo para o museu de arte, cuja expansão se deu mais rapidamente. Existe, contudo, um processo de re-contextualização da arte que pode ser observado na primeira documenta em 1955, onde foram exibidos, no corredor de entrada, fotografias de esculturas arcaicas e exóticas como justificação para a arte moderna. Assim, o primitivismo deixa de ser exótico e passa a fazer parte de uma noção universal de arte, que pretende dar uma noção de continuidade entre o arcaico e o moderno. Entretanto, uma visão eurocêntrica continua predominante nesta inclusão do arcaico.
A segunda documenta, realizada em 1959, trouxe o "slogan" da "abstração como linguagem mundial", não com o objetivo de incluir outras culturas, mas de oferecer aos países estrangeiros uma nova receita de sucesso. Nota-se a ausência de artistas não-europeus numa mostra que pretendia ser global, ou seja, a Europa exportava o museu de arte mas recusava os artistas estrangeiros neste espaço. A exposição "Westkunst" (arte ocidental), realizada em Colônia em 1981, também corroborou este fato. Na sua última estação, Walter Grasskamp relata duas tentativas nos anos 70 e 80 de formar "museus de arte imperialistas". A primeira tentativa foi realizada pelo colecionador de arte Peter Ludwig, comprando arte em larga escala em países nos quais pretendia estabelecer relações comerciais. Ele também exportou coleções para países comunistas e tornou-se o maior distribuidor internacional de arte contemporânea. Outro agente global no meio artístico mencionado pelo palestrante é o Museu Guggenheim e sua rede de "franquias".
No final do seu percurso pelas sete estações, Grasskamp nos coloca algumas questões: 1. "A arte pós-moderna pode tornar-se uma linguagem mundial?" 2. "Ela é um fórum de disputa sobre globalização política e econômica?" 3. "O contexto de produção artística na África ou na Ásia é diferente das condições na Europa?" 4. "Nós temos somente uma arte global aparente, na qual em torno de uma centena de artistas da Europa e dos EUA são colecionados e exibidos em todo o mundo?" Concluindo, o palestrante afirmou que a arte moderna não é universal, mas somente internacional; e a música popular, pretensiosamente autêntica, é intercultural.
(por Vinícius Spricigo)
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