Processo ZERO UM
Ali Khodr e Camila Mello
A partir da experiência processo ZERO em Esch (Luxemburgo), 2011, fomos chamados pela associação Spraylab para participar de duas formas em uma residência em Nancy: um trabalho artístico a ser realizado no período de dez dias no espaço cultural CCGP – Centro Cultural Georges Pomp-It-Up; e um debate aberto sobre Arte, Sociedade e Alternativas, entre sociólogos e teóricos da arte, organizado na Universidade de Lorraine por Yvain von Stebut, nosso anfitrião.
Nossa proposta-ignição era conversar com os moradores do bairro sobre a problemática Arte, Sociedade e Alternativas, buscando um repertório múltiplo para elaborar um documento em vídeo que apresentasse ideias convergentes e divergentes sobre o assunto, no contexto local. Nosso interesse era consolidar uma posição por meio desta experiência que pudesse enfatizar reflexões sobre o trabalho artístico [ artistas e espaços culturais ] em relação à comunidade periférica de Nancy, onde o centro cultural se situa – e vice-versa.
Na nossa chegada dia 12 de maio, após duas noites de tempestades que provocaram inundações em diversos locais na cidade, os integrantes do CCGP estavam re-configurando o espaço, colocando para secar ao sol, cadeiras, ferramentas, materiais e selecionando o que seria colocado na calçada para ser recuperado pelo entulho.
Partimos para uma cartografia do bairro Mon Désert, nome que remonta, segundo um dos moradores, uma época em que essa região, lá do outro lado, não era habitada. Nos dias que se seguiram, começamos nossas conversas filmadas. Optamos pelas pessoas que se encontravam em seus ofícios. A ação foi se re-configurando ao longo do dia, até sermos abordados gentilmente por Hugues para beber e conversar numa mesa de bar. Entre a embriaguez, a sagacidade no manejo das palavras e o obscurantismo de seu interesse, Hugues em um monólogo crítico encontrou na discussão sobre arte, sociedade e alternativas, um espaço para seu repúdio irônico que muitas vezes deixava entrever uma lucidez significante que outras pessoas não ousariam expressar.
Na montagem final, não coube seu longo depoimento mas restou o mais importante, o documento que ele mesmo escolheu nos dar. Uma frase provocativa escrita por ele sobre um pedaço de papel de seu caderno de anotações, que resumia, segundo ele, tudo que procurava dizer naquele momento.
Je suis en mesure de comprendre votre insignifiance et insuffisance
(Estou em medida de compreender sua insignificância e insuficiência)
Encontramos nisto que parecia ser irascível, um termo claro e ‘índice’ denunciador de uma falha maior em um sistema de realidades em contrapartida à nossa busca, provocando em nós um estar silencioso e de resistência que ressoou apenas em ritmo encharcado pelas inundações da véspera e aquecido pelo calor daquela tarde, tocado sobre cordas existenciais.
Na segunda fase da residência, nos lançamos na elaboração do processo ZERO UM, recuperando caixas de papelão que estavam destinadas ao entulho e afirmando mais uma vez o desenho como nosso ofício na sociedade.
O filme Mon Désert começa com os depoimentos e termina com o processo ZERO UM.
A residência aconteceu entre 21 e 31 maio de 2012
Patrocinada pelo Centre Culturel George Pomp It Up, em Nancy, França
(link: http://www.spraylab.fr/fr/accueil.html)
Mais informações
link http://artbaseasso.wordpress.com/processo-zeroum/
Assistir ao vídeo
Mon Desért | 2012 | 14'45"
link http://goo.gl/S7FVf
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