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Relato do encontro com Marcelo Munhoz: "Big Science"

por Lucas Oliveira
LHC no estilo de Leonardo Da Vinci


O físico Marcelo Munhoz1, docente do Instituto de Física da USP, palestrou2 sobre os processos pelos quais passa um projeto na área da Física, desde a sua elaboração até a sua realização, assim como algumas de suas implicâncias científicas, políticas, éticas e algum sentido de interdisciplinaridade que o envolve durante a sua realização. Este “panorama” baseou-se no relato dos processos que envolveram a elaboração e realização do acelerador de partículas do CERN (European Organization for Nuclear Research), projeto no qual Marcelo esteve envolvido com uma equipe da sua unidade acadêmica.

Os aceleradores de partículas buscam desvendar e investigar detalhadamente a estrutura fundamental da matéria; quebrar, literalmente, o átomo. Para isso, faz-se com que as partículas sejam aceleradas e entrem em colisão, se dividindo em uma imensa quantidade de fragmentos que possam ser estudados individualmente. Para ilustrar a explicação, Marcelo fez uma analogia do átomo com uma caixa preta, que, se trancada, deveria ser rompida para que se descobrisse o conteúdo. Existem diversos aceleradores no mundo. O maior deles, e mais conhecido, pertence ao CERN, que localiza-se na divisa da França com a Suíça. Há também aceleradores grandes em Chicago e na Califórnia, que se concentram no estudo dos prótons e dos elétrons, respectivamente. No Brasil, há aceleradores de menor capacidade em Campinas e na USP.

O acelerador de partículas do CERN é subterrâneo, alcança entre 50m e 175m de profundidade. É um complexo de aceleradores de potências distintas acoplados3. Na verdade, este acelerador contempla investimentos e a participação da comunidade científica de diversos países. O CERN, como centro de pesquisa, existe desde a metade do século passado, mas o projeto do acelerador surgiu em 1984, subdividido em grupos que traçariam as diretrizes principais. Aprovado em 1994, pela comissão de Estados membros e colaboradores, o projeto tomou outras linhas e passou a receber incentivos correspondentes a interesses específicos e participação de pesquisadores dos países membros e de outras potências, como México e Brasil, além de subsídios de outros tipos, como mão de obra, apenas, ou tecnologias de uso militar, da Rússia, por exemplo, que as transferiu um ano após a França declarar o acelerador um “bem de utilidade pública”, em 1998. O projeto do acelerador é aberto a propostas de pesquisadores internos e externos. Neste contexto, grupos brasileiros, como o do Marcelo, puderam adentrar e integrar o complexo corpo de pesquisa formado entorno do acelerador. Nas pesquisas deste tipo, segue-se o modelo dos grants estadunidenses, onde a agência de pesquisa confia ao pesquisador uma determinada quantia de dinheiro para que ele a administre, diferente do método de financiamento da pesquisa brasileira. O palestrante indicou que alguma precaução contra corrupção seria um dos motivos do controle do método brasileiro.

O projeto do acelerador do CERN teve um custo total de construção de estimado em 3 bilhões de euros (contabilizando somente a infra-estutura). Isto, assim como alguma “nebulosidade” que pudesse surgir para quem não possui conhecimento específico para compreender as intenções ou possíveis conseqüências da colisão de partículas, gerou uma polêmica que foi trazida a público, especialmente, em 2008, ano em que o acelerador foi ativado. Pode-se dizer que há uma disparidade de interesses entre a comunidade científica e alguns outros âmbitos da sociedade, no sentido de que a ciência almeja a produção de conhecimento, o que pode ser mal compreendido e bater de frente com interesses políticos, sociais e econômicos do “Estado”, como, por exemplo, utilizar este dinheiro para investimentos de resultados mais previsíveis e imediatistas, como algum assistencialismo, segurança nacional, etc. A postura do CERN, exposta no site (www.cern.ch),  sustenta argumentos pautados no desenvolvimento de tecnologias e também na razão humanista de descoberta da natureza.

As dimensões de um projeto deste nível, que tangem questões de interesse científico, político, social, educacional (o CERN oferece cursos de formação para professores em inglês ou em sua língua original e é aberto para visitação pública orientada e material educativo), entre outros, atenta para questões de organização projetual; de diretrizes que tornem possível uma empreitada tamanha, desde a sua concepção, captação de recursos, de apoio, construção, divisão, até o armazenamento de informações. É curiosa, a medida em que o indivíduo, dentro deste contexto, aparece como ferramenta de um projeto que é coletivo, a forma como se desmistifica a figura do físico e a própria física. Foram aproximadamente 3000 os pesquisadores envolvidos, não organizados hierarquicamente, mas sim em grupos horizontais que desenvolviam pesquisas, em sua maioria, específicas, e não de ordem genérica. É a desconstrução do gênio da física, para que se possa, em porções menores, articular-se um corpo de produção de conhecimento mais democrático, menos centralizado, que alcance um saber científico maior; um saber que crie, por sua vez, “produtos” da ordem do público (público científico), tecnologia comum a vários Estados e que haja na direção de um devir científico mais estruturado e seguro.



Notas

[1] Marcelo Munhoz possui graduação em Física pela Universidade de São Paulo (1992), mestrado em Física Nuclear pela Universidade de São Paulo (1995) e realizou doutorado "sanduíche" em Física Nuclear pela Universidade de São Paulo, Wayne State University e Brookhaven National Laboratory, ambos nos EUA (1998). Atualmente é Professor Doutor da Universidade de São Paulo. http://www.dfn.if.usp.br/~munhoz/

[2] O encontro aconteceu dia 20 de outurbo de 2009, dentro do programa Universidade de projetos, da Temporada de Projetos na Temporada de Projetos.

[3] Algumas ilustrações de como o Leonardo Da Vinci projetaria o LHC foram desenhadas pela equipe do CERN e se encontram disponíveis em http://cdsweb.cern.ch/record/1157741. Uma delas ilustra este relato.