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Relato do encontro com André Mota: "A construção de um museu (de Medicina)"

por Lucas Oliveira


O museu da Faculdade de Medicina, criado em 1978, passa, atualmente, por uma reforma e reestruturação, sob direção do historiador André Mota, e será reaberto no dia 11 de dezembro de 2009. Esta “reconstrução” é de caráter físico, mas também estrutural e conteudístico, para contar a historia da faculdade que acompanha o maior complexo hospitalar da América Latina e abrir a faculdade para que a comunidade descubra importância que a instituição tem para a história da cidade. É uma tentativa de tornar público um museu que, segundo André, “era resultado de uma visão muito particular do Dr. Lacaz”, seu fundador. Antes da proposta de reestruturação, o espaço foi interpelado pelo Ministério Público, sob denúncia de um professor da Faculdade de Medicina.

O museu, já existente, funcionava como uma espécie de arquivo morto. A ideia da reconstrução surgiu com o apoio de alguns professores, na contramão de uma proposta que pretendia transformar o espaço do museu (metade do quarto andar da faculdade) em laboratório disciplinar. Esta reforma implica em recolhimento, exposição, catalogação, restauro, entre outras coisas, de objetos e documentos que sejam importantes para a história da história da Faculdade de Medicina. O museu trata de um patrimônio, para o qual os olhos mais atentos são os dos professores, por uma questão de preservação histórica, objetual, documental e afetiva, mas também porque a faculdade é dividida em diversas linhas que, em alguma medida, competem por espaço e que podem perceber no museu uma possibilidade de representação de si.

A escolha do historiador André  Mota para dirigir essa reconstrução deu-se porque ele já trabalhava com pesquisas relacionadas à história da Faculdade de Medicina, sendo que ele atualmente é o professor responsável pela disciplina optativa “História das práticas médicas no Brasil”, e porque tenta consolidar uma cadeira para essa disciplina e um diálogo formativo entre a Medicina e a História e Sociologia. O seu doutorado, onde aponta diferenças entre “história” e “memória”, contou a história da “Casa de Arnaldo”, que, ao contrário do que se acredita popularmente, não foi a primeira faculdade de medicina da cidade. A pesquisa de André envolveu um resgate histórico e a reconstrução do percurso feito pela faculdade, desde alguns anos antes da sua criação, pelo Dr. Arnaldo Vieira de Carvalho, fundador e diretor da unidade acadêmica, passando por alguns momentos sinistros nas décadas de 30 e 40, quando algumas influências tardias da eugenia do século XIX europeu, da psiquiatria americana e até mesmo das pesquisas médicas nazi-fascistas, direcionaram alguns dos segmentos da faculdade, do levantamento da participação dos médicos na Revolução Constitucionalista, dentre outros momentos.

O conceito de “eugenia” esteve presente na fundação de diversos setores da faculdade e, mais atualmente, voltou à tona com o artigo “Quem tem medo da eugenia”, escrito por Frota Pessoa, em 1994, para a Revista da Medicina, organizada pelo Departamento Científico Oswaldo Cruz. Este é um indício curioso de como este conceito permaneceria, de alguma forma, nas bases formadoras da faculdade. Ele seria generalizado, mas também diluído em moldes que tangenciariam as especificidades de cada área.

A faculdade, após os primeiros anos de formação estudantil deficitária, com acomodações e laboratórios precários e falta de professores_ condições que levaram os primeiros integrantes do Centro Acadêmico Oswaldo Cruz a se rebelarem contra a diretoria_ recebeu subsídios dos Rockfeller, para assim construir o prédio atual da faculdade, entregue em 1931 no alto do Araçá, e influenciar decisivamente algumas das direções que seriam tomadas pelo curso de medicina.

É curioso observar o resgate e reconstrução do museu, que pretende também alcançar o âmbito educativo, levando materiais de formação para escolas, caso o trânsito escolar dentro da faculdade seja “inviável”; observar uma preocupação da comunidade interna da Faculdade de Medicina, neste movimento de internalização, de trazer pra si um patrimônio que trata de diversos interesses da sua comunidade interna, enquanto na área de Artes, por exemplo, há um movimento no sentido contrário, no sentido de levar o patrimônio da universidade para fora dela, como no caso do MAC. São situações diferentes, é claro, mas que atentam para uma diversidade ideológica dentro da museologia, de acordo com a área, e que leva a questionar o tipo de comprometimento social do museu (museu como ideia), e o tipo de diálogo que se pretende criar no museu, entre as instâncias que possibilitam a sua existência e o público para o qual ele é feito.