ALGUMAS PERCEPÇÕES SOBRE O TRABALHO INDEPENDENTE EM ARTES PLÁSTICAS NO BRASIL e os incentivos existentes/ possíveis/ ideais, por Daniela Labra
Atenção leitor: “O Brasil é apontado pelo Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (Pnud) no Relatório de Desenvolvimento Humano de 2004, como um dos países mais bem sucedidos sobre o tema subsídios e incentivos fiscais”.
Todos os profissionais das artes deveriam comemorar essa afirmação oficial, não fosse que a linha adotada pelo atual governo e seus parceiros de financiamento enfatizam a cultura brasileira que é constituída por projetos e eventos de caráter educativo, social, patrimonial e folclórico. Sai perdendo aquele que busca a experimentação num campo menos popular, seja em qualquer modalidade artística além das artes plásticas, e também sai perdendo o público, para quem arte é algo distante, caro e chato de entender. Entretanto, a Cultura no Brasil, dentro de uma tendência mercantil internacional, foi finalmente reconhecida como um campo produtivo e rentável à nossa sociedade, e está atraindo mais do que nunca a atenção de investidores. O Brasil multicultural e imenso caiu no gosto do mundo.
Neste panorama em que a cultura abre-se como um mercado, por todo o país projetos independentes de gestão e produção em artes plásticas começaram há alguns anos a ser desenvolvidos por artistas, coletivos, novos curadores e teóricos, que muitas vezes rejeitam os velhos circuitos artísticos “viciados” por lobbys políticos e coleguismo, que tornam difícil a inserção do jovem profissional no meio. Este sangue novo cada vez mais é responsável pela abertura de espaços de arte autônomos, residências, grupos de artistas, ateliês, publicações e núcleos de pesquisa em geral, que despontam num cenário diversificado e propõe um outro modelo de organização e gestão, sem a preocupação de ser atrativo enquanto uma promessa de bilheteria e marketing de um patrocinador.
Sendo iniciativas de orçamentos médios, as atividades do profissional independente, em trabalho individual ou coletivo, precisa de um fomento contínuo para a obtenção de um resultado à longo prazo, mas quando o quesito é conseguir apoio financeiro esbarra-se na escassez de programas, privados ou públicos, de estímulo à produção e pesquisa, na forma de patrocínio, prêmio ou mesmo crédito financeiro, que permitam o desenvolvimento de um projeto sólido. As leis de incentivo fiscal, que passam atualmente por uma reformulação, beneficiam grandes eventos de peso, além de exigirem do profissional das artes um contato prévio com algum captador de recursos ou patrocinador. Isso, sem falar do dinheiro investido pela empresa que precisa ser reembolsado pela bilheteria do produto incentivado. Ou seja, algo experimental torna-se inviável dentro desse caminho.
Por outro lado, o papel dos museus e centros de arte brasileiros é mudo, muitos deles mantidos pela iniciativa privada, que não oferecem programas de residências para artistas ou teóricos, nem práticas profissionais remuneradas, limitando-se à algumas atividades nos seus setores educativos e realização de salões com prêmios em dinheiro e infra-estrutura.
Em nosso país, as bolsas públicas de pesquisa estão diretamente ligadas à academia (Capes, CNPq, instituições de pesquisa regionais) ou, quando de iniciativa privada, são apenas para poucos artistas, e desconsideram o contingente de curadores e teóricos que vêm se formando. Assim, dentre as poucas iniciativas nacionais não acadêmicas e privadas, que contemplam a pesquisa artística com bolsas de média e longa duração, estão a Fundação Vitae, que este ano encerra seu programa de bolsas para as artes, e o recém-lançado Prêmio CNI SESI Marcantônio Vilaça, que contempla apenas 5 artistas brasileiros a cada edição bienal. E também há o já estabelecido Prêmio Sérgio Motta, que desde 2000 oferece prêmios algo polpudos para projetos de pesquisa artística.
Com tão poucos incentivos e espaços de atuação, não devemos, portanto, nos assombrar com a constatação de que nesse cenário a iniciativa particular das galerias de arte acaba sendo uma das alternativas, dentro do eixo Sul-Sudeste, para aqueles que pretendem desenvolver seu trabalho (plástico ou teórico) com algum retorno financeiro e ainda conseguir se inserir num circuito profissional fora da academia. Porém, deve-se lembrar sempre que por ser basicamente mercadológica, a atividade ligada à uma galeria pode tender à ficar no limiar de uma mera prestação de serviços.
Como estratégia de sobrevivência e inserção fora dos ditos circuitos politicamente “viciados”, os profissionais independentes inventam seu próprio método de gestão e meio de difusão de suas propostas. Recentemente, em São Paulo, uma onda de artistas organizados em grupos e coletivos apresentou projetos de ações e exposições cuja intenção, além de chamar a atenção para sua produção, era inserir outros artistas distantes do eixo Rio-SP e promover a troca de idéias mais além de algum patrocínio prévio ou esquema curatorial imposto. Reverberações, Zona de Ação e Onde Fica foram alguns projetos abraçados pelo Serviço Social do Comércio de São Paulo (SESC-SP), que imbuiu-se do espírito das propostas artísticas, todas coletivas, e adotou o trabalho em conjunto como um dos motes da sua programação de artes plásticas para 2004. É interessante perceber que este foi o ano do Fórum Cultural Mundial em São Paulo, organizado pela Instituição junto ao governo federal e outras instituições, onde o processo coletivo e o trabalho em rede de produtores (networks) pareceu figurar como estrela em várias mesas de discussão.
Patrocinando e hospedando diversos artistas massivamente durante a primeira metade do ano, o SESC-SP, ainda que enxugando as propostas iniciais, estimulou muita produção, e funcionou como espécie de parceira dos núcleos independentes de artistas que executaram e coordenaram projetos artísticos diversos, muitos em espaço urbano. Apesar de louvável, a iniciativa do patrocinador de São Paulo é, grosso modo, uma transação profissional, uma contratação de serviços, e não sustenta um projeto contínuo de fomento à pesquisa em artes plásticas.
Dentro do governo, porém, um dos motes também é a estrutura de trabalho em rede e coletiva, que precisa do outro para levar um projeto à cabo. O Centro de Artes Visuais da Fundação Nacional de Artes (Funarte), sob a direção de Francisco de Assis Chaves Bastos, tem conseguido verbas para a implementação de programas cuja continuidade, se conseguir se desvencilhar da tranca das mudanças governamentais, pode vir a trilhar caminhos para um mapeamento artístico digno e um intercâmbio nacional efetivo. Além dos prêmios em dinheiro e infra-estrutura (exposição) oferecidos pelos editais para artistas, o CAV está promovendo programas como workshops práticos e teóricos em diversos estados brasileiros, de Palmas a Curitiba; catalogação e produção de material histórico sobre a produção de artes no Brasil; e oficinas de produção variada.
Entretanto, tudo que pode ser descrito aqui parece pouco. Considerando as dificuldades da constância e reconhecimento de um trabalho sério na área das artes, a postura do profissional, para um grupo, vem se tornando mais colaborativa. Num país onde as verbas desaparecem em transações veladas, o produtor de deve se organizar para reivindicar o que lhe é de direito, uma vez que as comunidades civis não têm voz quando o assunto é política pública. O novo produtor de cultura, que deseja espaço para criar sua própria frente de trabalho, não deseja mais assistir os espaços culturais servindo aos mesmos velhos interesses e juízos. Assim, ao invés de temer projetos que não tenham o marketing ou o assistencialismo desejado, o Estado deveria estimular as pesquisas artísticas para que estas, como parceiras na educação, mostrem sua importância na formação de um pensamento. Fora do precário circuito imposto, a experimentação não pode estar fadada à morrer por falta de atenção.
Uma outra alternativa de apoio possível são os incentivos de fundações internacionais, como a holandesa Fundação Prince Claus, que vem apoiando atividades nas artes visuais em países não europeus, principalmente no Brasil. Algumas iniciativas financiadas pela instituição são o projeto Capacete, no Rio de Janeiro e o Videobrasil, em São Paulo, responsável por um importante festival internacional de vídeo. Nessa direção, o Brasil exportará em 2005 diversas atrações artísticas para a França, que homenageará nosso país dedicando-lhe um ano inteiro em seus espaços culturais. Como conseguir esses fundos internacionais, porém, ainda é algo que depende muito das relações pessoais do que de exclusivamente da qualidade de uma proposta.
Concluímos então, que o produtor/pensador de cultura deve furar os estagnados cercos políticos se unindo a outros profissionais para formar seu próprio meio de trabalho. Nessa batalha, a internet mostra-se como a principal ferramenta para a construção de redes de trabalho e fonte inesgotável de pesquisa, e sugiro que o leitor acesse o buscador Google e escreva “bolsas e prêmios para artes” para ver o que encontra. Tenho certeza que conseguirá muita informação.
Outros sites para consultar e conhecer:
http://www.iniciativajovem.org.br
www.efah.org
www.redlat.org
www.artesquema.com