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ENTREVISTA com PATRICIA CANETTI, por Juliana Monachesi

A internet como instrumento de ação política: entrevista com Patrícia Canetti

Juliana Monachesi

 

    “Mídia radical” é a expressão que o pesquisador na área de comunicação John D. H. Downing usa para designar mídias alternativas cuja principal característica é o ativismo. Segundo ele, este tipo de mídia serve a dois propósitos: “expressar verticalmente, a partir dos setores subordinados, oposição direta à estrutura de poder e seu comportamento” e “obter, horizontalmente, apoio e solidariedade e construir uma rede de relações contrárias às políticas públicas ou mesmo à própria sobrevivência da estrutura de poder”.

    No caso do Canal Contemporâneo, a estrutura de poder visada é, em primeiro lugar, a própria mídia convencional: em dois anos de existência, este veículo on-line de informações sobre exposições e todo tipo de evento relacionado às artes visuais tornou obsoleto o jornalismo impresso e passou a ser a “agenda” das pessoas do meio das artes. Em seguida, por conta da aglutinação de pessoas que passaram elas mesmas a constituir o Canal Contemporâneo (assinantes, leitores, instituições e artistas que veiculam informações ali etc.), a estrutura de poder visada tornou-se a política cultural brasileira para o campo das artes. Na entrevista a seguir, Patrícia Canetti, artista que idealizou e dirige o Canal, analisa as mobilizações em que este teve papel importante.


N: Qual foi o papel desempenhado pelo Canal Contemporâneo no episódio Guggenheim-RJ?

PC: Era início de 2003, tínhamos, de um lado, o começo do governo Lula gerando questionamentos sobre a política cultural e as leis de incentivo, e, do outro, o governo do prefeito César Maia promovendo mudanças autoritárias na área cultural. No final de 2002, o Canal Contemporâneo começa a dar visibilidade às questões de política cultural e em janeiro de 2003 veicula uma carta ao presidente Lula, lida na Câmara de Vereadores do Rio e no Fórum das Artes, sobre a construção do Guggenheim em terreno do governo federal e com a utilização das leis de incentivo federais. A partir desse momento, um grupo de artistas e críticos começou a se reunir no AGORA e o texto do abaixo-assinado foi redigido enfocando principalmente duas questões: a necessidade de uma maior participação da classe artística na concepção das políticas culturais da cidade e o nosso repúdio à utilização de recursos públicos na construção do Museu Guggenheim.

Ao longo dos seis meses seguintes, esse grupo de artistas e críticos continuou a se encontrar (depois do fechamento do AGORA as reuniões passaram a ser realizadas no Parque Lage e também on-line, a partir de uma lista) e a discussão foi se aprofundando com novos contatos e com a análise dos estudos e do contrato do futuro museu. O Canal Contemporâneo dava visibilidade às reuniões, aos textos produzidos e pesquisados e ao abaixo-assinado, e também era responsável por alimentar um dossiê para ser encaminhado ao Ministro da Cultura.

Este mesmo dossiê, que reunia vários documentos, artigos nacionais e estrangeiros denunciando as péssimas condições da negociação engendrada pelo prefeito César Maia, passou a circular amplamente entre jornalistas, profissionais do legislativo, executivo e judiciário, tendo sido responsável por um novo patamar de informação dada à opinião pública, que culminou com a liminar impetrada pelo vereador Eliomar Coelho que suspendeu os primeiros pagamentos do contrato assinado às escondidas pelo prefeito César Maia (à revelia de todos os senões levantados pelos profissionais diretamente envolvidos com a construção de um museu).

O espaço que o Canal Contemporâneo já havia criado a partir da informação recebida e espalhada agora se expandia para outros contextos, igualmente políticos e importantes. O caso Guggenheim foi um belo exemplo do equilíbrio que podemos atingir na democracia com o uso da Internet. A voz da sociedade civil serviu para dar lastro ao legislativo e ao judiciário para impedir uma atitude ditatorial do executivo.

N: Gostaria de me ater aqui ao papel do Canal na política cultural. No caso Mazeredo [artista que têm dezenas de obras públicas, cuja relevância começa a ser questionada, na cidade do Rio de Janeiro], um aparente resultado foi logo obtido, com a criação de uma comissão para estabelecer parâmetros para a escolha de obras para o espaço público...

PC: A resposta rápida da Secretaria de Cultura deve-se ao fato de que o projeto da Comissão de Paisagem Urbana já existia previamente, mas sem sucesso em sua implantação. Ao levantarmos a questão da Mazeredo no Canal Contemporâneo, através de e-mails enviados aos jornais e ao [projeto de mídia tática do Canal] “Como atiçar a brasa”, o Secretário Municipal de Cultura do Rio de Janeiro, Ricardo Macieira, aproveitou a deixa para mostrar a importância do assunto ao nosso alcaide, que estando em época de eleição, deve ter concordado rapidamente com a estratégia de seu secretário para barrar uma nova perturbação. O que aprendemos com o caso Mazeredo é que, com essa participação, podemos também contribuir para uma melhor atuação do poder executivo, quando este se vê impossibilitado de agir por falta de força política. Afinal, a força política somos nós.