ENTREVISTA COM NICOLAS BOURRIAUD, por Fernanda Pitta
ENTREVISTA COM NICOLAS BOURRIAUD
[entrevista por Fernanda Pitta]Nicolas Bourriaud é co-diretor do Palais de Tokyo, um espaço de criação de arte contemporânea, situado no coração da cidade de Paris. Criado por iniciativa governamental, mas gerido e programado de maneira independente, o Palais de Tokyo parece ter despertado uma acolhida positiva, por proporcionar um lugar para a arte em uma cidade com uma profusão de instituições culturais, mas poucas voltadas às demandas, necessidades e peculiaridades da produção contemporânea.
A linha de ação do Palais é pautada pela idéia de laboratório, voltada aos processos produtivos da arte contemporânea, incluindo a música, a literatura, o cinema e a moda. Tem um horário alternativo de funcionamento, do meio-dia à meia-noite, algo incomum nos espaços de arte tradicionais.
Essas características fazem o espaço incorporar estratégias artísticas de movimentos e expressões situadas fora - e muitas vezes no contra-fluxo - do campo institucional, tais como os squats, as friches, ocupações espontâneas de espaços abandonados ou considerados “decadentes” nas grandes cidades, os laboratórios, que freqüentemente propõe o trabalho coletivo e muitas vezes interdisciplinar – aliando artistas e não-artistas, as residências artísticas. Essa atitude despertou entusiastas e críticos do projeto do Palais e de seu suporte pelo governo francês (apesar do orçamento do ministério francês dispor de uma verba, ainda que modesta, destinada às chamadas friches, já existentes no país). Recentemente, foi alvo de polêmicas a respeito de sua continuidade, dissipadas pela renovação do contrato dos diretores por mais dois anos (o que não encerra a discussão a respeito da apropriação institucional de tais estratégias anti-institucionais).
Nicolas Bourriaud chegou em 1999 à direção de um equipamento cultural vindo de uma longa trajetória como teórico e crítico de arte, publicando regularmente desde 1987 (aos 22 anos), tendo atuado também como curador (1ª Bienal de Arte Contemporânea de Moscou, em 2005; Aperto, na Bienal de Veneza de 1993; Traffic, Musee d'Art Contemporain, em Bordeaux; Playlist e GNS, no Palais de Tokyo, entre outros). Foi diretor de redação da revista Documents sur l’art, é autor de Esthétique Relationnelle (1997), Formes de Vie, L’art moderne et l’invention de soi (2003) e Post-production (2003). Foi co-fundador, com Michel Houellebecq, entre outros, da Revue Perpendiculaire. Publicou em 1997 um romance, L’Ére terciaire.
A entrevista que segue foi feita na ocasião de sua visita ao Brasil, para participar de um debate no Fórum Cultural Mundial, que aconteceu entre os dias 29 de junho e 03 de julho de 2004 no Anhembi.
Numero: O seu trabalho como co-diretor no Palais de Tokyo coloca questões a propósito da relação entre a tarefa da crítica e aquela do administrador. Uma atitude crítica, teórica, e outra prática. Como você vê a relação entre elas? Estão ligadas ou são tarefas separadas? Uma tarefa se enriquece no contato com a outra ou existem perdas?
Nicolas Bourriaud: São tarefas separadas, e tornar-se diretor de uma instituição implica ocupar-se de questões administrativas. Mas este é o preço a pagar para que o poder de decisão fique do lado do domínio artístico, não ao lado do business, como, por exemplo, nos Estados Unidos. De uma outra perspectiva, posso dizer que a filosofia guia a ação da programação, de maneira prática e teórica. Nada de importante sai da prática se não existe teoria. O exercício de exposição permite fazer desenvolver as idéias: o essencial de minha visão da arte, atualmente, vem da observação dos artistas, e mais particularmente do trabalho efetuado junto a eles durante a preparação das exposições. Voltando ao ponto, é importante ter idéias diretrizes e se pretendemos fazer esse tipo de atividade, ao menos se não nos ativermos somente à pura organização.
N: Você poderia nos explicar como funciona o financiamento de uma instituição como o Palais de Tokyo? E no tocante à gestão, ela é independente ? Como você vê as discussões a respeito do mecenato e do financiamento das atividades culturais e artísticas pelo poder público e pelo setor privado? Você pode nos dar a sua visão a propósito desse tema, no caso da França?
NB: O Palais de Tokyo é uma instituição independente, mantida por recursos públicos e privados, na proporção de 50/50. Não existe uma ingerência do governo francês na programação, ela é totalmente independente, mas ela foi escolhida desde o seu início pelo ministério da Cultura, que escolheu nosso projeto (de Jerôme Sans e meu), dentre uma dezena de outros. Somos uma associação, meu patrão é, portanto, o conselho de administração e não o estado: meu contrato de trabalho é regido pelo direito privado. Como a subvenção do estado não cobre além dos gastos fixos, de manutenção do espaço e de pessoal, nós devemos procurar dinheiro nas empresas a fim de financiar nosso programa.
N: Você é também escritor, autor de um romance, também manteve uma revista de literatura, a Perpendiculaire, em companhia de outros importantes (e polêmicos) escritores franceses. Como pensa a criação imagética das artes visuais e a da literatura? São imagens de uma qualidade, natureza, diferentes?
NB: O que me interessa são das passagens de um olhar a outro. A imagem me interessa na medida em que ela produz textos, e vice versa. Somente me interessa a relação entre os campos diferentes, as tensões entre polaridades opostas. As imagens fazem ler e os textos fazem ver. O vocabulário é diferente, mas o essencial é o mesmo. Vocabulários e meios são diferentes. Mas não existe criação sem tradução. O ato fundamental da criação é a tradução de uma idéia em um objeto, de uma imagem em uma forma, de uma forma em uma idéia...
N: Suponha que você pudesse ter um leitmotiv para o seu trabalho, qual seria?
NB: A vontade de compreender o presente e de não ser vítima de meu presente. Um ator não passivo do presente. Eu poderia dizer finalmente que o que me interessa é encontrar novos usos do mundo, encontrar caminhos novos a cada manhã.
N: Quais são as influências essenciais no seu trabalho?
NB: Haveria inúmeras, mas eu posso citar Jorge Luis Borges e Marcel Duchamp.