ENQUETE sobre POLÍTICAS PARA AS ARTES VISUAIS
Resultado da enquete sobre política para as artes visuais
Como divulgado na Internet durante os meses de julho e agosto, a revista Número, em parceria com o Canal Contemporâneo, realizou uma enquete. Mais do que um diagnóstico da difícil situação, a Cinco buscou colaborar nas discussões para a elaboração de uma política cultural para as artes visuais. Chegou cerca de meia centena de depoimentos de artistas e teóricos da arte. Embora não haja espaço para citar todos os colaboradores, a revista agradece imensamente aos que dedicaram seu precioso tempo para nos responder.
Afinados com as preocupações que estão por trás da proposta da Número, 23,5% dos e-mails recebidos identificaram a falta de discussão e de debate sobre arte e política cultural. Além disso, 33,5% dos interlocutores entendem que a criação de núcleos, conselhos ou organizações de artistas com poder de atuação na política pública é prioridade para que sejam atendidas as demandas do setor. O teórico Guilherme Bueno aponta a crença generalizada de “que o artista plástico tem uma relação mais individual com o trabalho (ao contrário do cinema e do teatro)” como um dos motivos que mantêm insipiente a organização dos artistas, e afirma que “isso não impede ações que invistam em interesses coletivos”.
Embora o diretor do Centro de Artes Visuais da Funarte e o representante do Ministério da Cultura em São Paulo sejam artistas, foi bastante lembrada a necessidade de uma representação das artes visuais no MinC. Nesse sentido, uma proposta recorrente surgida nas respostas à enquete foi a de determinação de cotas do orçamento destinado à cultura, incluindo a renúncia fiscal, para as diferentes modalidades de arte a fim de garantir recursos mínimos para as artes plásticas.
A constatação do isolamento de algumas regiões do Brasil, a falta de investimentos locais e a necessidade de descentralização das verbas, uma das preocupações da atual gestão do MinC, foram mencionadas em cerca de 16% das mensagens.
Há quem diga que no Brasil, devido à carência de setores muito mais urgentes como saúde, habitação e segurança alimentar, investimentos na cultura não devam ser prioridade do Estado. Com a desvinculação entre Estado e cultura, caberia apenas à iniciativa privada investir em arte. Entretanto, 25% das pessoas que enviaram respostas exigem mais verba do Estado para as artes visuais. Entre as propostas destacam-se a criação de mais impostos em mercadorias específicas e a criação de uma loteria para a cultura. O artista e produtor cultural, ex-diretor do Itaú Cultural, Ricardo Ribenboim sugere a criação de “fundos com administração de instituições financeiras sem ônus de imposto aos contribuintes” e a disponibilização do já existente “fundo de apoio à cultura para a sociedade civil decidir sobre seu uso”. Uma distinção que nos parece fundamental é aquela entre sociedade civil organizada e empresas privadas com interesse em marketing.
As leis de incentivo foram citadas em 27% dos e-mails. Muitos apontam seus avanços, mas prevalece a vontade de desburocratização desses mecanismos, permitindo que o dinheiro chegue ao artista sem que os produtores abocanhem a maior parte do orçamento. A exigência de valorização da profissão de artista, o pagamento de pró-labore, bem como de direitos autorais de reprodução de imagem foram mencionadas em 18% das colaborações. Também se falou da necessidade de livrar a arte contemporânea dos ainda persistentes estereótipos nacionais, tipo exportação: mulher, futebol e carnaval.
Se, pelo menos nos grandes centros do país, há uma série de espaços para a realização de exposições, 16% pedem o aumento do número de instituições, principalmente as públicas, para exibição, criação e fomento da arte. Também foi mencionada a necessidade de manutenção e ativação dos espaços já existentes e 10% propuseram a criação de políticas consistentes e contínuas de aquisição de obras para a ampliação de acervos públicos. Programas de incentivo a doações particulares e à prática do mecenato foram mencionados por diversos artistas como alternativa à atual situação. A criação de políticas a médio e longo prazo, independente das diferenças partidárias das gestões das secretarias da cultura é uma exigência premente. A curadora Cristiana Tejo menciona a necessidade de investimento na “formação dos profissionais envolvidos na cadeia produtiva” das artes e identifica um grande disparate: o governo abdica de recursos que poderiam ser investidos em museus públicos, enquanto é “gritante a diferença de instituições geridas pelo poder público e pela iniciativa privada, especialmente pelos bancos. O padrão é de exposições milionárias, enquanto os espaços públicos têm que lidar com mínimos recursos”.
Entre os problemas atuais, a falta de ética e transparência em seleções de artistas, o poder excessivo de curadores, a existência de um circuito viciado e a falta de espaço para todos os estilos de produção foram apontados em 20% das respostas. Além da necessidade de um amplo mapeamento da produção artística do país e da criação de um banco de dados sobre artistas do Brasil e da América Latina, esta entre as propostas a criação de mais canais e espaços alternativos ao circuito instituído, com ênfase na experimentação, sendo a universidade um lugar privilegiado.
O maior consenso é a ênfase na educação e na necessidade de ampliação e formação de um público da arte. Reivindicações por melhoria no ensino de educação artística, cursos para professores, programas de formação continuada, monitoria em exposições, oficinas e investimentos em cursos de graduação e pós-graduação, também em história da arte, aparecem em 45% das respostas. Uma das estratégias apontadas é a criação de políticas públicas de incentivo a pesquisa, produção de artigos, ensaios teóricos, revistas e livros de arte que possam integrar bibliotecas de todo o país. Também foi proposto o aumento da tiragem das publicações, com a diminuição do custo unitário, e a compra de parte da tiragem pelo governo, em parceria com a iniciativa privada, para os acervos de bibliotecas.
A artista Karin Lambrecht questiona se existe no Brasil “uma filosofia política cultural” e se seria possível sua elaboração na atual crise econômica que parece desestruturar algumas conquistas dos movimentos de luta alcançadas depois de décadas. Entre outras sugestões, critica a exigência de títulos de doutorado para artistas lecionarem em faculdades de arte no Brasil.
Também foi mencionada a imprescindível melhoria da cobertura da mídia e da grande imprensa na divulgação e discussão da produção artística. Para isso, é preciso que os artistas se manifestem enviando cartas e e-mails aos jornais. Alguns jornalistas que cobrem arte contemporânea, isolados em suas redações, reclamam da falta de participação. A elaboração de uma política cultural do Ministério das Relações Exteriores, promovendo programas de bolsas, residências e intercâmbios internacionais aparecem em 35% dos e-mails. Entre as propostas mais específicas estão a agilização dos trâmites alfandegários para exposições internacionais e a diminuição da alíquota de importação de livros e materiais usados por artistas.
Para suprir a falta de mercado de arte e pretendendo criar mercado, com “m” minúsculo, a criação de feiras de arte no Brasil e o incentivo à formação de coleções de arte foram saídas apontadas. Além de vender sua produção, outras necessidades dos artistas parecem ser a profissionalização do meio, a regulamentação da profissão e a elaboração de um pecúlio para artistas da terceira idade, citado em 10% das mensagens.
É preciso lembrar que o método utilizado na enquete não chega a ter um rigor científico. Priorizamos a identificação das principais demandas à exatidão. Em vez de sugeridas a partir de alternativas apresentadas por nós, as respostas foram livres e espontâneas. Acreditamos que as principais reivindicações e sugestões estejam contempladas no presente texto embora, infelizmente, nem todas puderam ser publicadas.
Em resposta à demanda por um maior debate sobre política cultural, e pela criação de órgãos para sua implementação, este texto será publicado concomitantemente na Número e no Canal Contemporâneo, para, a partir de sua ampla divulgação, propormos discussões baseadas nas principais reivindicações.
As perguntas da enquete:
1. Qual a necessidade mais urgente do artista e do teórico
que vive e trabalha hoje no Brasil?
2. Conhecendo a escassez de recursos na área da cultura, a omissão do Estado e
a falta de interesse dos investidores privados, que medidas poderiam ser
tomadas pelo Estado que contribuíssem na elaboração de uma política para a arte
contemporânea?
3. Que outra possibilidade haveria para o fomento de nossa área?