A CULTURA DAS EMPRESAS, por GuilhermeWisnick
A aparição de inúmeros Centros Culturais privados no Brasil nos últimos dez anos não é ocasional. Do ponto de vista de sua recepção no “campo artístico” pode-se observar que eles vêm a cumprir um papel de fomento e divulgação da arte contemporânea que os museus – mais ligados a grandes circuitos de exposições itinerantes internacionais – há muito não desempenham. No entanto, representam também inequívocos interesses das empresas – sobretudo bancos – que os “patrocinam”, e suas diferentes inserções nas cidades têm implicações estratégicas nos processos urbanos que procuram promover.
Na verdade, a chancela dos bancos no cenário cultural tornou-se hegemônica em diversas áreas, como é o caso do Unibanco para o cinema. Tomando-se os centros culturais, a predominância também é inconteste. Basta pensar na importância do Centro Cultural Banco do Brasil no Rio de Janeiro, e no seu papel pioneiro de estímulo à consolidação de um “corredor cultural” no centro da cidade. Paralelamente, a criação de novas sedes do CCBB em São Paulo e Brasília, a atuação do Banco Safra no centro de Recife e do BankBoston em São Paulo, bem como a inauguração do Santander Cultural em Porto Alegre, se inserem no mesmo quadro. Trata-se, portanto, de considerar aqui o papel da cultura – para além de uma possível missão emancipadora da Arte – a partir do modo como sua reprodução institucional tem servido a processos de revalorização urbana.
Contudo, há, no caso de São Paulo, um arco de tempo transcorrido até que algo com a deselegância nada discreta e cínica de um Instituto Tomie Ohtake pudesse surgir, fazendo do uso cultural um álibi para poder verticalizar seu edifício de escritórios além do permitido pelas leis de zoneamento. Essa associação agora já desnudada entre arte e negócios, que acaba de ganhar mais um ícone com o Instituto Cultural Banco Santos, se esboçou inicialmente na capital paulistana em meados da década de 1990, com a criação do Itaú Cultural.
Tendo surgido em 1989, como modesto núcleo de digitalização de imagens para um acervo de arte brasileira, o Itaú consolidou-se como instituto cultural em 1995. A construção de sua sede na Avenida Paulista situou-o como ponta-de-lança de uma recuperação da área que, por incentivo da “Associação Paulista Viva”, encerrava o período de uma década em que nenhum edifício ali se construiu. Tal iniciativa combinava, no entanto, o arrojo de uma presença simbólica impactante no skyline do espigão da cidade – uma torre-antena feita com estrutura metálica amarela e vidros fumê – com uma constrangedora timidez dos seus espaços internos: tacanhos e impróprios para exposições, shows ou seminários. Na verdade, a visível inadequação de seus ambientes para qualquer uso artístico revela que o edifício foi projetado para o caso de a aposta cultural não vingar, podendo instantaneamente voltar a tornar-se um tradicionalestabelecimento de escritórios. Em suma, entre um início vacilante e a atual situação já consolidada, coroada com a reforma e ampliação de seus espaços que agora se completa, há uma questão de fundo que permanece: em que medida a cultura se transforma em lucro? Seguramente não como uma tradução direta. Pois não é só o mecanismo do lucro que explica o disparate de um banco que obteve no último ano o maior rendimento de sua história se beneficiar com leis de incentivo do governo. Está em jogo também uma disputa entre empresas pelo capital simbólico que a arte é capaz de “emprestar”.
Nessa corrida, que superpovoa as cidades de centros culturais, as “terceiras margens” da cultura são suprimidas, retificadas em parâmetros de “bom comportamento” que as adequam às imagens sem arestas dos produtos de consumo. Ditados pelas demandas de curadorias que precisam preencher de conteúdo seus espaços, os temas e as regras da cultura são assim adaptados para uma formatação soft e estéril que parece querer representar o que seja a Arte em seu estágio final: cultura sem projeto de transformação e salva de suas mazelas. Cultura, enfim, “curada”.
Guilherme Wisnik