Editorial
Observar uma pintura ou percorrer o entorno de uma escultura pressupõem participação. Pode-se dizer que qualquer manifestação artística integra a presença humana na obra de alguma forma. No entanto, com a apoteose que a interatividade conhece desde os anos 60 e 70, redundando em uma academia de instalações e da arte como parque de diversão, é um desafio identificar que prática de interação entre espectador e obra propõe novos caminhos, quiçá ainda emancipatórios.
Certa produção dos últimos anos permite pensar no conceito de participação como cooperação. No trabalho “Eu Desejo o Teu Desejo”, de Rivane Neuenschwander, por exemplo, uma coleção de desejos coletada entre amigos da artista ganha o suporte de fitinhas como as do Nosso Senhor do Bonfim que são expostas de forma a circular e ganhar uso pelos visitantes. Em troca de um desejo, o espectador-participador anota um outro e confia à artista.
Neste trabalho, assim como em obras da mineira Marilá Dardot e do gaúcho Jorge Menna Barreto, vemos um estiramento da temporalidade de interação com a obra de arte. Na obra “Desapego” (2002), Marilá propõe que as pessoas doem roupas que não usam, mas das quais têm dificuldade de se desfazer, que são expostas para serem trocadas por roupas que o visitante está usando. Ao realizar um jogo de bingo em que os espectadores-participadores se engajam apesar do anticlímax do desfecho, Marilá invoca a cooperação para fins meramente reflexivos.
Desta ordem são também os trabalhos de Laura Lima: Na série “Costumes” (2003), recentemente apresentada em São Paulo, ocorre uma interação cínica: as roupas em vinil azul, que desafiam qualquer uso tradicional, podem ser escolhidas e provadas em um ambiente que mimetiza araras e provadores de loja de roupas. A artista desvela o consumidor, ao passo que esse se liberta. Michel Groissman brinca, na obra “Polvo” (2001), um jogo de cartas em que figuram partes da anatomia humana que devem ser conectadas pelos participantes sentados em roda, com a liberação sexual.