Você está aqui: Página Inicial / Linha Editorial / Seguindo Fios Soltos: caminhos na pesquisa sobre HÉLIO OITICICA / Conceitualismo e Vivência, Paula Braga

Conceitualismo e Vivência, Paula Braga

 

No final da década de 1960, o conceitual ganhava força à medida em que produção artística e reflexão teórica misturavam-se na atuação de artistas como Joseph Kosuth, Robert Smithson ou Sol LeWitt. Brotando sobretudo da crítica ao esteticismo -- que teve motivações diferentes para cada artista, da pesquisa estética ao engajamento político --, o conceitual era, então, uma força tão intensa quanto diversificada. A obra de Oiticica na virada da década de 1960 para 1970 é parte desse afluxo de produções de tônica conceitual que nos anos seguintes escoaram em várias direções.

 

Textos de artistas mencionando o “conceitual” surgem a partir de 1967 -- o artigo de Sol LeWitt “Paragraphs on Conceptual Art”[] é um dos primeiros a usar esse termo -- em abordagens que pretendiam questionar a manutenção da reflexão sobre arte como privilégio de críticos e historiadores da arte e simultaneamente investigar em seus trabalhos possibilidades de “desmaterialização do objeto de arte”[].

 

Hélio Oiticica esteve em contato com dois veículos que na época foram muito importantes na divulgação das vertentes conceituais: a revista britânica Studio International e a exposição Information (julho a setembro/1970), no MOMA-NY. Na revista, Oiticica apareceu em uma entrevista concedida a Guy Brett na época da Whitechapel Experience[] e, no final de 1969, enviou para a Studio International o artigo “The senses pointing towards a new transformation”, que nunca foi publicado. Em Information, Oiticica ocupou uma grande sala com seus ninhos, publicou um texto no catálogo da mostra e muito provavelmente foi o responsável pela fotografia do bloco Cacique de Ramos que aparece na seleção de imagens das últimas páginas do catálogo.

 

O catálogo de Information é um exemplo do uso que vários artistas passaram a fazer de publicações impressas no final da década de 1960, usando-as como espaço para exposição mais adequado a suas obras do que galerias ou museus[]. Cada artista pôde escolher como gostaria de ser “representado” no catálogo[], o que talvez tenha inspirado a declaração de Oiticica no catálogo: “eu não estou aqui representando o Brasil nem qualquer outra coisa. As idéias de representar-representação-etc acabaram (...) é importante que as idéias de ambiente, participação, etc, não sejam limitadas a soluções de objeto; elas deveriam propor o desenvolvimento de atos de vida, e não uma representação a mais (a idéia de ´arte´).”

 

Apesar de conviver em Information e nas páginas da Studio International com artistas hoje muito vinculados ao conceitual -- Josef Kosuth, por exemplo, publicara “Art after Philosophy”[] na Studio International enquanto Oiticica ainda residia em Londres -- Oiticica deixou claro seu desinteresse pelo conceitualismo[]: “Detesto arte conceitual, nada tenho a ver com arte conceitual. Pelo contrário, meu trabalho é algo concreto, como tal.”[] Provavelmente, ao dizer que detestava arte conceitual, Oiticica estava se referindo ao conceitualismo linguístico de Kosuth -- criticado na época por outros artistas e teóricos[] -- e à importância de executar seus projetos, criar o ambiente ou objeto que iria interagir com um corpo:

Para mim o conceito é uma etapa, como o sensorial, o ambiental, etc. que no fundo são conceitos também; o que acho ruim quando conceito é tratado como objeto-fim artístico, é que passa a ser redundante, fechando-se em si mesmo (...) eu quando faço um projeto é para ser construído mesmo; não me satisfaz o reconhecimento da possibilidade do mesmo (...)[]

 

não me interessam ´posições meramente conceituais´, como se assumir uma posição confortavelmente intelectual, bastasse: o aspecto fenomenal, que não se resume somente na “concretização de uma obra” mas no processo explicitante dos problemas propostos, é imprescindível.[]

 

Para Oiticica, executar uma proposição associada a um conceito era colocar o conceito à prova, testá-lo e assim possibilitar que ele se transformasse e se “concretizasse” (se estabelecesse) como conceito. Daí o uso da mesma palavra para designar um conceito e um projeto-programa, como Tropicália ou Parangolé.[] Os conceitos eram propostos em estruturas abertas o suficiente para serem aplicadas a vários indivíduos, sem terem sido feitas para nenhum deles especificamente, estratégia que Oiticica nomeia de propor propor:

propor ao indivíduo que este crie suas vivências, que consiga ele liberar seus contrários, seus temores e anseios reprimidos. O psicanalista faz algo semelhante com seu paciente, mas sua proposição é exclusiva ao paciente que o procura. Para o artista propositor o paciente não é aquele mas sim o mundo das individualidades ou seja, o homem.[]

 

Estruturas tornam-se gerais, oferecidas, abertas ao comportamento coletivo-casual-momentâneo. Em Whitechapel, o comportamento se abre para quem quer que chegue e incline-se diante do ambiente criado, do frio das ruas de Londres, fechado e monumental, e recrie a si próprio como se retornasse à natureza, ao entusiasmo infantil de deixar-se absorver: absorto, no útero do espaço aberto construído, coisa que, mais do que “galeria” ou “abrigo”, é o que esse espaço era...[]

 

Propor propor” hoje tem cores mais brilhantes do que a já diluída expressão “arte participativa”. Guy Brett, que nos anos 1960 percebeu a diferença que artistas como Oiticica e Lygia Clark representavam, também foi dos primeiros a denunciar a participação mecânica e aleatória de certas obras reunidas na categoria “arte participativa”, escrevendo em 1969:

A participação do espectador’ possui, como todos os rótulos artísticos, o tom frio das frases fáceis. E já foi friamente posto em prática por alguns artistas. Refiro-me à frieza de todos aqueles objetos e eventos em que a contribuição do espectador é meramente mecânica, em que é apenas recipiente passivo de efeitos preconcebidos ou, de outro modo, de efeitos arbitrários, nos quais não existe potencial para criar relacionamentos.[]

 

Nos anos 1970, a palavra “subjetividade”[] define melhor o trabalho de Oiticica do que “participação”: “Para mim a participação me levou ao ´além-participação´; creio que já superei o ´dar algo´ para participar; estou além da ´obra aberta´; prefiro o conceito de Rogério Duarte, de probjeto, no qual o objeto não existe como alvo participativo, mas o ´processo´ e a ´possibilidade´ infinita no processo, a ´proposição´ individual em cada possibilidade.”[] No “além-participação”, o espectador interessa como possibilidade de invenção infinita pois cada mundo subjetivo provê ´fragmentos´ diferentes para a invenção, para a mistura com fragmentos propostos pelo artista-propositor.

 

Oiticica: Os sentidos apontando para uma nova transformação

A valorização dos sentidos impulsionando uma transformação na arte é a tese principal do texto “The Senses Pointing Towards a New Transformation”, que Oiticica enviou no final de 1969 para a Studio International. Oiticica redigiu esse texto em julho de 1969, para ser apresentado no seminário de Arte Táctil, na Califórnia. A boa repercussão da exposição na Whitechapel Gallery (fevereiro a abril/1969) motivou-o a enviá-lo para Studio International em dezembro de 1969, quando Oiticica estava prestes a retornar ao Brasil.

 

O manuscrito do texto traz na capa a anotação: “the text as sent for printing. Studio International 22/12/69.”[] [O texto como enviado para impressão. Studio International 22/12/69]. Em carta de dezembro de 1969 para Lygia Clark, Oiticica menciona esse texto: “O texto que fiz para o simpósio foi simplificado e corrigido, com ajuda do Guy, e proponho ao Studio International; sairão fotos suas, fantásticas; creio que isso será importante no contexto internacional. O Peter Townsend[] me pediu a coisa, e me senti feliz em poder fornecer material tão importante.” [] Dois meses depois, em fevereiro de 1970, Oiticica está de volta ao Rio de Janeiro, e o assunto retorna: “Guy escreveu dizendo que o Studio International recebeu o artigo, e que vai me escrever; acho que vão mesmo publicá-lo (...) Tomara que saia logo o troço do Studio, porque vai pesar, e muito.”[] E as cartas continuam acompanhando o processo de publicação do artigo: “Creio que a coisa do Studio sai em junho ou julho (que demora bem inglesa!)”[] Não saiu, mas em 1970, no catálogo de Information, Oiticica publica um resumo das idéias desse texto.

 

Logo no primeiro parágrafo de “The Senses pointing...”, Oiticica esclarece que sua proposta de elaboração de obras que diminuissem a ênfase na visão e incluissem todos os sentidos era muito mais do que uma simples crítica ao esteticismo: era a proposta de abrir a possibilidade da arte influir no comportamento dos indivíduos. Para transformar comportamento, apelar apenas para a visão não seria suficiente. Comportamento e pensamento caminham juntos e pensamento se faz com o corpo todo, não apenas com os olhos.

O processo de deslocar o principal foco estético para longe das chamadas artes “visuais” e a introdução, então, dos outros sentidos, não deve ser considerado ou olhado de um ponto de vista puramente estético; é muito mais profundo; é um processo que, em seu sentido mais extremo, se relaciona e propõe uma possibilidade de novo comportamento descondicionado: a consciência do comportamento como chave fundamental para a evolução dos chamados processos da arte --> a consciência de uma totalidade, da relação indivíduo mundo como uma ação inteira, onde a idéia de valor não está relacionada a um ´foco´específico: o evento esteticista anteriormente tomado como o ´objetivo focal´ (...) olfato-visão-paladar-audição e tato misturam-se e são o que Merleau-Ponty chamou de ´simbólica do corpo´[], onde todas as relações de sentido são estabelecidas em um contexto humano, como um ´corpo´ de significações e não a soma de significações apreendidas por canais específicos[]

 

Oiticica defende essa mudança de comportamento como alavanca para a transformação da arte (“comportamento como chave fundamental para a evolução dos chamados processos da arte” ). Não há menção a qualquer outra transformação, seja política ou social. Isso porque para Hélio o comportamento deveria ser entendido como uma totalidade, em analogia à junção de todos os sentidos em um “´corpo´ de significações”: “a apreensão e a ação não podem ser isoladas, e a idéia analítica dos sentidos vira uma metáfora, também para expressar a complexidade do comportamento humano.”[]

 

A evolução (transformação)[] dos processos da arte citada no trecho acima é a consciência do comportamento como força criativa, a dissolução da “arte” naquilo que é comportamento geral. Essa idéia fica mais clara quando confrontamos esse texto de julho de 1969 com um texto de maio de 1968, apresentado no simpósio do MAM-RJ Critério para o Julgamento das Obras de Arte Contemporânea, no qual Oiticica afirma a síntese de todos os problemas (estéticos, éticos, políticos, sociais...):[]

A crise dessas formas tradicionais [pintura, escultura, gravura...] se deve a uma transformação profunda que se opera nos critérios fundamentais do fenômeno criador e da necessidade dos artistas criadores, dos pensadores em todos os campos do conhecimento, em procurar um sentido a que eu chamaria de totalidade ou uma realidade total, onde todas as manifestações do homem se interpenetrem, não como uma colagem de experiências de vida, mas que nasça em uníssono com uma totalidade. Esta aspiração coletiva anuncia todas as transformações sociais, políticas, ético-morais que se operam no mundo e as que estão por vir. (...) O artista, o crítico, o filósofo, o sociólogo seriam propositores – só os que conseguirem essa totalidade poderão propor algo : esse algo baseia-se em tudo o que consistir na procurar de um sentido para a vida nela mesma.[]

 

The Senses Pointing...” segue para o projeto de transformação do artista em propositor. Para Oiticica não basta que apenas o artista caminhe em direção a uma nova experiência com a arte: como foi feito em Éden no Experimento Whitechapel, é preciso também convidar o visitante a “revestir o ninho e fazer uma coberta para si com qualquer material, levando em conta não sua função original, mas apenas o fato de que, para ele, esse material disponha de uma secreta adequação com o ato de morar.”[]

Claro que a arte do passado sempre tentou de forma metafórica criar, e criou, um novo nível de relações significativas (...) Freqüentemente, então, na maioria das vezes, eu diria, o artista-criador seria o ator-criador, o gerador sublime de forças criativas e recipiente delas, ele mesmo os pólos do mundo significativo estrutural proposto por suas criações. A grande diferença na nova posição seria que, enquanto os liames anteriores eram totalidades metafóricas-estruturais impostas ao mundo comportamental, os atuais tendem a nascer dele depois de um longo processo de dissolução de “atos do viver humano”. []

 

Não interessa para Oiticica o artista que gera e recebe as forças de suas criações, o artista nos “dois pólos” do processo criativo, tampouco o artista que codifica sua própria expressividade para oferecê-la ao espectador -- que pode, é claro, emocionar-se ao decodificá-la, elaborar suas próprias vivências a partir daquela codificação inicial oferecida pelo artista, mas dificilmente irá perceber sua própria capacidade de se expressar sem um modelo fornecido pelo artista.

 

Este modelo do artista que exibe sua própria subjetividade continua atrelado à representação: o espectador só consegue elaborar aquilo que o artista codificou, como se todas as vivências mais particulares de um indivíduo pudessem ser expressas por um conjunto finito de “obras” que supostamente englobariam tudo o que é possível vivenciar, reduzindo as obras de arte a um compêndio de regras da sensibilidade.

 

Segundo Oiticica, a anti-arte deveria radicalizar-se e considerar a passagem pelo “objeto” -- instrumental na dissolução das velhas formas artísticas (pintura, escultura, etc.) -- como uma etapa rumo a essa arte focada no comportamento. Dessa radicalização da anti-arte brota o “crecomportamento” (crebehaviour): “não uma criação-de-objeto através do comportamento, nem a transformação de atos de vida em atos criativos, o que seria uma idéia simplista: neste caso as condições seriam só Utopias distantes, mas, se [vindos] de dentro do comportamento condicionado, os elementos começam a crescer como necessidades, como germes que explodem do centro mesmo dos conflitos.”[] Oiticica quer com o crebehaviour incitar atos de vida que brotem como necessidades, como “germes”, a partir de uma situação de conflito de comportamento (comportamento condicionado e comportamento descondicionado).

 

O indivíduo já conteria esses ´germes´ que, incitados pela proposição ambiental, explodiriam. Isso transforma o indivíduo em um bólide e o ambiente proposto pelo artista no agente que abre as gavetas e acha materiais escondidos no bólide. Ao explodir, o novo comportamento lançaria esporos do germe, contaminando e alterando os predispostos. É importante notar que Oiticica escolhe como a “condição” ideal para essa germinação contaminante não uma situação utópica, do indivíduo que se retira de um ambiente alienante para somente então passar por um processo de transformação. Ao contrário, é da vida como ela é, com o lazer e o trabalho alienados, que surgem as condições para que os germes brotem como “necessidade”. Oiticica nota que não basta procurar o comportamento descondicionado como um modelo de vida: deve-se aceitar viver numa “consciência contínua desses conflitos” e elege um tipo específico de “conflito” para ser o campo de exploração do crebehaviour: o lazer. O texto passa então de crebehaviour (crecomportamento) a creleisure (crelazer):

em minha evolução, cheguei ao que chamo de crelazer. Para mim o clássico conflito lazer-alienação gerando a idéia de lazer alienado como representado no mundo moderno ocidental seria atacado como conseqüência direta dessa absorção de processos da arte em processos de vida. Crelazer é o lazer não-repressivo, oposto do pensamento do lazer opressivo diversivo.[]

 

 

Após apresentar o conceito de crelazer, Oiticica lança uma discussão sobre instituições de arte: como desenvolver proposições como Crelazer em um museu ou galeria?

Recentemente, uma nova exigência e importantes decisões me acometeram: na experiência que proponho, como na prática de crelazer. A impossibilidade de “exibir” objetos como parte dessa idéia, em galerias ou museus, tornou-se evidente: tive um vislumbre definitivo disso no experimento Whitechapel em fevereiro-abril de 1969, em Londres. Para mim, aquilo foi mais um experimento do que uma exposição (eu propus coisas ao invés de expô-las). Mas toda a evolução que apresentei lá leva a essa condição: a impossibilidade de experimentos em galerias ou museus – os ao ar-livre ainda poderiam valer, dependendo de suas relações e razões.[]

 

Apesar de identificar a impossibilidade de expor objetos em galerias, Oiticica participa, pouco tempo depois de escrever esse texto, de Information. Em carta para Lygia Clark, Hélio justifica sua participação em uma “exposição” e descreve o “Barracão 2” que montaria no MOMA-NY. “Expor” no sentido de difundir informações sobre as possibilidades da arte é considerado útil para o projeto de Oiticica. Nesse trecho da carta para Lygia, Hélio fala da exposição como se falasse de uma revista.

estou trabalhando no show de Gal e no filme de Fontoura (roupas e cenografia); além disso, fiz e mandei os planos para New York (Museu de Arte Moderna) para a exposição Information, para a qual me deram uma sala; achei importante participar disso, se bem que não tenha mais sentido participar em museu ou galeria, mas o que visa a exposição é informar sobre coisas internacionais relacionadas com ambientação, etc.; deram-me uma sala (fui um dos três a ter sala grande; o resto da exposição são filmes e informação escrita) e achei que seria ridículo e pretensioso recusar, uma vez que é loucura pensar que alguém nos States saiba muito a meu respeito; sabe como é lá; enquanto não se aparece in loco não se existe; e lugar mais central e visceral para aparecer que o MOMA de N.Y. não existe; planejei algo parecido como a coisa que fiz em Sussex, com três andares, tudo ninho para ficar dentro, coberto de aninhagem; são vinte e tantas células; creio que será mais importante que a da Whitechapel.[]

 

Décadas mais tarde, comentando sobre a grande sala com os ninhos de Oiticica no MOMA-NY, Vito Aconcci descreveu-a como um lugar para as pessoas ficarem, cápsulas, “em uma época em que ninguém pensava em fazer isso, em dar um lugar para as pessoas ficarem”. Para Aconcci essa montagem dos ninhos revelou uma noção muito interessante de espaço público: junção de vários espaços privados, um composto, e não simplesmente um espaço para um grupo de pessoas: “você pode estar em privacidade e ter uma relação com outras pessoas.”[]

 

No catálogo de Information, o texto apresentado por Oiticica resume os principais pontos de “The Senses pointing...”, adicionando uma pitada de crítica ao “estado das coisas no Brasil” (e aqui é clara a lucidez da integração que Oiticica faz entre os problemas políticos, sociais e ético-comportamentais: ele critica não a ditadura militar mas sim o estado geral das coisas, estado comportamental num sentido muito amplo, que teve como uma de suas conseqüências a ditadura). A estrutura dos dois textos é a mesma. Depois de apresentar a idéia de crelazer, o texto de Information resume a terceira parte do artigo “ The Senses pointing towards a new transformation”: a proposta de células comunitárias.

É importante que a idéia de ambiente, participação, experimentos sensoriais, etc não sejam limitadas a soluções de objeto; elas devem propor um desenvolvimento de atos de vida e não uma representação a mais (a idéia de “arte”); novas formas de comunicação; a proposição para um novo comportamento descondicionado – meu trabalho levou-me a usar formas acidentais de lazer como elementos diretos a essa abordagem para uma nova abertura (...) é claro que essas são propostas introdutórias para um objetivo muito mais amplo – a atividade total de célula-comunitária.[]

 

A “célula comunitária” é uma das conseqüências de Crelazer e, como explicado em “The Senses Pointing towards a New Transformation”, surge, a partir da montagem de Éden, vinculada a seu duplo, os “lugares permanentes” (abiding places). Ainda que essas duas propostas já aparecessem em textos de Oiticica anteriores a 1969, é com Éden que o artista articula-as num todo.

Para o fim, reservo dois núcleos de lazer, no Éden, que a meu ver levam a planos mais avançados, indicam um futuro mais incisivo: 1 – a área aberta ao mito, que se constitui de um cercado circular vedado por uma treliça de duratex (...) a área vazia interior é o campo para a construção total de um espaço significativo “seu” (...) 2 – os ninhos, no fim do Éden, como a saída para o além-ambiente (...) a possibilidade de tudo se criar de células vazias (...) ninho lazer onde a idéia de crelazer promete erguer um mundo onde eu, você, nós, cada qual é a célula-mater.[]

 

A aspiração a um lugar público labiríntico de vivências coletivas permeia os textos de Hélio já no início da década de 1960. Penetráveis, labirintos como o Projeto Cães de Caça e núcleos anunciam essa preocupação com uma arquitetura transformadora de comportamento e construtora de espaços públicos para práticas descondicionadas. Em 1968, Oiticica participou com parangolés de Apocalipopótese, no Aterro do Flamengo, em frente ao MAM-RJ -- “não a imposição de uma ‘idéia estética grupal’, mas a experiência do grupo aberto num contato coletivo direto.”[] -- experiência que Oiticica relembra como semente do Éden: “Apocalipopótese desvendou-me o futuro; a experiência Whitechapel [de fevereiro a abril de 1969], mais do que uma síntese de toda minha obra ou a soma de idéias, decorre de Apocalipopótese (...) na Apocalipopótese as estruturas tornavam-se gerais, dadas abertas ao comportamento coletivo-casual-momentâneo;”[]

 

Enquanto que Apocalipopótese sugeria a Oiticica a expansão para espaços públicos, um texto escrito também em 1968 , "Trama da Terra que Treme: o Sentido de Vanguarda do Grupo Baiano", enfatiza a outra face de Éden, que ao longo dos textos passaria a ser chamada de Barracão: um grupo, escolhido, de inventores vivendo comunitariamente o descondicionamento Crelazer.

Seria urgente e necessário ao grupo [aqui Oiticica refere-se a Caetano e Gil, Torquato e Capinam, Tomzé, Rogério Duprat e Os Mutantes], a criação de um teatro experimental, ou simplesmente de um recinto onde pudessem fazer experiências com o público, como se fazem pelo mundo afora (...) a solução que é ainda a mais eficaz é essa espécie de nucleização organizada, se bem que expostas sempre à sabotagem, poderão assumir um caráter próprio e terão mais força do que os atos de heroísmo isolados.[]

 

O projeto ambiental assume, portanto, a partir do Éden, dois tempos inseparáveis, como uma respiração que integra o exalar e o inalar. Extroversor, Apocalipopótese lançou as propostas de alcance público, ainda que menos intenso, de coletividades atuando em "lugares permanentes" (abiding places) como jardins. Introversor, o Barracão era a concretização das células comunitárias (ou comunidades experimentais).

A idéia de células comunitárias ou comunidades experimentais me ocorreu ao lado da idéia de coletividades de amplo alcance, como a construção de espaços coletivos ou locais permanentes : nas primeiras [células comunitárias ou comunidades experimentais] o grupo privado de células para Crelazer evoluiria em um plano que tenho em mente há muito tempo: o Barracão;[]

 

Auto-teatro nos labirintos públicos

Crelazer detona as propostas para "arquiteturas reais e jardins", labirintos públicos que fugissem do "espetáculo". Os concertos de música, especialmente rock, que nos anos seguintes tanto impressionaram Oiticica amalgamam o ambiente, a música e a performance do público que Oiticica almejava com o “auto-teatro”, a performance não-espetacularizada e pessoal de cada participador ou explorador dos labirintos que Oiticica passa a propor, como o “projeto central park” então em desenvolvimento em 1971:

não estou querendo criar obras ou transformar ingenuamente ambientes em obras: a estrutura-abrigo-labirinto ou que forma tomar, é o lugar onde proposições abertas devam ocorrer, como uma prática, não-ritualística, o que coloco em comparação como se fora um ´circo sem ritual ou espetáculo´, um auto-teatro, onde os papéis estão embaralhados: performer, espectador, ação, nada disso possui lugar ou tempo privilegiado: todas essas tarefas se dão em aberto ao mesmo tempo em lugares diferentes: não há também a urgência de criar nada: a auto-performance de cada um, seria a tarefa-goal que liga tudo.[]

 

Aqui a menção a uma prática não-ritualística confirma o descondicionamento comportamental como cerne das conseqüências de Crelazer. O ritual é um modelo fechado, representação de uma macro-percepção do mundo. Oiticica propõe a auto-performance de cada um, no tempo de cada um, e é a estrutura do labirinto que incita esse preechimento virtual do espaço com a subjetividade de cada indivíduo.

 

Essa ambientação propícia para a micro-sensação[] subjetiva do auto-teatro dissolve fronteiras entre dois gêneros da arte (arquitetura e teatro) e entre espaço da arte e espaço da vida. Em “ The Senses Pointing...”, Oiticica descreve seus projetos para espaços públicos como estruturas ideais para o “propor propor” e adianta uma idéia que se concretizaria em seu retorno ao Rio de Janeiro no final dos anos 1970, "espaços para travessias" (walking through sites), o "delirium ambulatorium".

depois disso [Barracão] a idéia de ambiente seria a criação de arquiteturas reais e jardins, locais inventados que poderiam ter um novo sentido (...) Os grandes experimentos coletivos grupais deveriam poder contar com lugares permanentes onde experimentos não estariam unidos à idéia de "experimento-espetáculo". Deveria, antes, concentrar-se em uma experiência que propõe crescimento interior: propor propor, que poderia levar a caminhos fascinantes; ou, também importante, construir novas possibilidades de "locais para travessia" (no meu trabalho idéias sobre isso me ocorreram desde 1960, principalmente nos núcleos e penetráveis e projetos para ambientes construídos -- eles sofreram grandes mudanças nesses anos; eu proponho mais uma "experiência vivencial aberta" do que qualquer coisa que pudesse ser um objeto, que pudesse ainda se atrelar a velhas idéias formais). []

 

Um exemplo de espaço permanente para grandes experiências coletivas é o Magic Square 5 – De Luxe, projeto de 1978 deixado por Hélio em forma de maquete e instruções, construído vinte e dois anos depois no Museu do Açude, no meio da floresta da Tijuca. Apesar de ter sido erguido em uma área relativamente isolada no Rio de Janeiro – bem diferente de locais de passagem aventados por Oiticica para alguns de seus projetos, como o Central Park ou as margens do Tietê em S. Paulo --, Magic Square no. 5 é belamente cercado pela mata que lhe confere algo de ruína-futurista, como se deparássemos com um pedaço de arquitetura de uma época que ainda não aconteceu, construção extemporânea que sem dúvida cumpre o que Oiticica esperava de seus labirintos: recriar o espaço real "num espaço virtual estético, e num tempo, que é também estético".

 

 

Magic Square 5
Magic Square no. 5 - De Luxe
Penetrável
9 paredes de alvenaria 4,5m x 4,5m x 0,25m
tinta acrílica, tela de arame e cobertura com estrutura de metal e acrílico
Projeto 1978/ Execução 2000
Coleção Museus Castro Maya
(fotos: Paula Braga, 2001)

 

Magic Square no. 5 embaralha a noção de tempo cronológico: Stonehenge, templo, labirinto, mas também cenário de um jogo, lazer criativo. Os labirintos públicos deveriam criar uma virtualidade[], uma ativação de vivências subjetivas, mas não há como negar a pertinência do termo “virtual” aplicado a Magic Square no. 5 no sentido em que é usado corriqueira e empobrecidamente nesse início do século 21: Magic Square no. 5 tem algo de cenário de jogo virtual. A virtualidade aqui, no entanto, surge do comportamento livre de cada indivíduo, da possibilidade de usufruir de um lazer desprogramado, criativo, em um ambiente sem qualquer função pré-determinada. Seria a tradução para português de Magic Squares “praças mágicas” ou “quadrados mágicos” ? Arriscamos dizer que Oiticica nessas construções retira do plano os quadrados de Malevich e Mondrian, transformando-os em praças.

 


Teatro Experimental no Barracão

Em "A Trama da Terra que Treme", de 1968, Oiticica comenta as vaias que Caetano recebera na eliminatória paulista do Festival 68, no TUCA, e o quanto seria benéfico um ambiente de liberdade experimental para as propostas de artistas, músicos e atores brasileiros como Caetano, Gil, Zé Celso, os Mutantes.

Mas, a meu ver o que provoca essa reação [vaias] é justamente o caráter revolucionário implícito nas criações e nas posições do grupo baiano: Caetano e Gil e seus cupinchas põem o dedo na ferida – não são apenas revolucionários esteticistas, não: aliás porque hoje tudo o que revoluciona, o faz de modo geral, estruturalmente, jamais limitado a um esteticismo, e é esse o sentimento implícito do que se convencionou chamar de tropicalismo (...)[]

 

Segundo Oiticica, o pleno desenvolvimento dessas novas estruturas totais revolucionárias aconteceriam em um ambiente isolado, segregado mas ainda “dentro” da sociedade, que reunisse as condições para uma grande transformação na criação artística:

a solução que é ainda a mais eficaz é essa espécie de nucleização organizada, se bem que expostas sempre à sabotagem, poderão assumir um caráter próprio e terão mais força do que os atos de heroísmo isolados. Como dizia-me Zé Celso, hoje em dia fazer teatro no Brasil é arriscar diariamente a vida, heroicamente. E nas artes plásticas? Creio que se fizer, hoje, as experiências a que me venho conduzindo, em público, serei linchado. Daí a necessidade de grupos, a que denomino “comunidades germinativas”, de certo modo segregadas ‘dentro’ da sociedade, (dentro e não fora à espera de dias melhores) dispostas a ‘virar a mesa’ a qualquer custo (...) É como uma trama que se faz e cresce etapa por etapa: a tramavivência.[]

 

Nucleização organizada”, “comunidades germinativas”, “uma trama que cresce etapa por etapa” confirmam a importância que a fusão de unidades construtoras assume no pensamento de Oiticica. Na mesma época em que escreve Trama da Terra que Treme, Oiticica relata em carta a Lygia Clark o prazer de pertencer a essa trama: “de certo modo descobri que não existo só eu mas muitas pessoas inteligentes que pensam e fazem, que querem comunicar, construir. Isso foi bom para quebrar o cerco burguês ou pequeno-burguês em que me encontrava, não por mim mas por uma série de condicionamentos.” []

 

O Barracão seria esse teatro experimental, a vivência do Crelazer numa comunidade e exigiria a elaboração de tensões e conflitos de uma relação quase familiar, com o grupo escolhido para a experiência: "o conflito, então, seria e deveria ser transformado em uma dinâmica permanente: o núcleo crelazer absorvendo e transformando os bombardeios de comportamento destrutivo: isso só pode ser apropriadamente experimentado quando colocado em prática.”[]

 

A idéia do Barracão surgiu também a partir da flexibilidade da arquitetura das casas da Mangueira, que não possuíam uma divisão rígida entre cômodos. Oiticica não imaginava apenas um espaço físico de divisões flexíveis – ainda que as descrições de seus lofts em Nova Iorque revelem essa característica criada por cortinas transparentes e removíveis. Sua proposta de flexibilização no Barracão expandia-se para o comportamento: as atividades produtivas (de lazer ou de trabalho) não estariam divididas rigidamente como cômodos de uma casa, mas integradas, almejando uma “arquitetura de vida” sem paredes, descondicionada.

moradia da FAVELA é o q eu queria como ‘algo q não nasce da casa estruturada nos modelos conhecidos’: BARRACÃO não seria ‘imitar estrutura- espaço do BARRACÃO do morro’: isso seria burrice por não possuirmos o tipo de experiência igual à do morador do morro mas semelhante à dele: o q me atraiu então era a não-divisão do BARRACÃO na formalidade da CASA mas a ligação orgânica entre as diversas partes funcionais no espaço interno-externo do mesmo (...) há portanto na minha idéia de BARRACÃO essa exigência inicial sobre espaço-ambiente: criar espaço-ambiente-lazer q se coadune a um tipo de atividade q não se fragmente em estruturas pré-condicionadas e q em última instância se aproxime de uma relação corpo-ambiente cada vez maior -- []

 

Semente de projetos maiores, os “ninhos” da “experiência whitechapeliana” foram descritos em "As Possibilidades do Crelazer", como o “além-ambiente”: “é a não-ambientação, a possibilidade de tudo se criar das células vazias, onde se buscaria ‘aninhar-se’, ao sonho da construção de totalidades que se erguem como bolhas de possibilidades (...) onde a idéia de crelazer promete erguer um mundo onde eu, você, nós, cada qual é a célula-máter”.[]

célula de quê? célula, o que se multiplica no desconhecido, no não formulado, pois como posso formular o comportamento individual? se a célula é aí o "estar no mundo, que é ser, viver"--> vida-mundo-criação, são velhas distinções que são uma célula.[]

 

A célula, mencionada ao descrever o Barracão e mais genericamente na proposta de Crelazer, confere um caráter de organismo vivo à estrutura que em Newyorkaises -- a grande obra escrita nos ninhos dos lofts Babylon e Hendrixt -- Oiticica chamaria de “bloco”. Cada qual um mundo, a junção das células, ou blocos, que são mundos, construiriam outro mundo. Assim, em 1974, quando a construção de Newyorkaises já estava bem adiantada, Oiticica refere-se à contínua modificação ao falar do bloco Cosmococa:

nas minhas iniciativas de apropriação/ absorção/ togethernassão de fragmentos q se estruturam em blocos e proposições procuro a não-limitação em grupo homogêneo ou de casta: dirijo-me ao que me vem de encontro na cabeça: o q é aberto e não contente com o “feito”: um JOY de descobrir (-se) MUNDO erigindo MUNDO (...) mas MEU SONHO é q COSMOCOCA a cada fragmento se modifica e acaba por formar como q uma GALÁXIA de INVENÇÃO de manifestações individuais poderosas: LUZ q intensifica: mais luz []

 

No final dos ano 1960, quando escreve “The Senses Pointing...”, Oiticica pensa em células e tem em mente uma comunidade de pessoas vivendo juntas. Com Newyorkaises, texto repleto de fragmentos de obras de outros inventores, Oiticica estabelece um Barracão virtual, onde juntos estiveram Nietzsche, Cage, Debord, Artaud, Mallarmé, Burroughs, numa flexibilidade não só arquitetônica ou comportamental, mas também temporal. Oiticica chega a juntar as palavras Babylon e Barracão (em inglês, Barn) no termo “Barnbylon”.

 

Conhecemos os grandes blocos de Newyorkaises, mas ao tentarmos reconstruí-lo, como que para deixá-lo pronto para publicação, perdemo-nos, pois ele também é um labirinto, que cria um tempo virtual e mágico de convivência de várias célula-maters.

 

Terminamos, então, retornando a um texto de 1961 que intuía os desdobramentos do programa ambiental: “assim, para mim, quando realizo maquetas ou projetos de maquetas, labirintos por excelência, quero que a estrutura arquitetônica recrie e incorpore o espaço real num espaço virtual, estético, e num tempo, que é também estético.”[] A arquitetura que cria um tempo e espaço virtuais é feita de células ou de blocos, numa estrutura de “mundo erigindo mundo,” e do conseqüente resultado imprevisível dessas junções, resultado que não se fixa em obra-objeto pois está sempre em transformação: multiplicação celular. Ao conceitualizar a arte que desmaterializa o objeto, Oiticica mantém-se fiel ao corpo.


Paula Braga é doutoranda em Filosofia pela FFLCH-USP e mestre em história da arte pela University of Illinois at Urbana-Champaign. O artigo aqui apresentado é parte de sua tese de doutorado em andamento.


Cite este artigo:
Paula Braga, "Conceitualismo e Vivência," in Seguindo Fios Soltos: caminhos na pesquisa sobre Hélio Oiticica (org.) Paula Braga,  edição especial da Revista do Fórum Permanente (www.forumpermanente.org) (ed.) Martin Grossmann.

Em publicações on-line, por favor acrescente também um apontador para www.forumpermanente.org/painel/coletânea_ho



"Paragraphs on Conceptual Art”, Artforum, Summer 1967. Republicado em Art in Theory 1900-1990: an Anthology of Critical Ideas ed. Charles Harrison & Paul Wood ( Oxford: Blackwell Publishers, 1992), pp. 834-37

Six years: the dematerialization of the art object from 1966 to 1972. ed. Lucy Lippard (Studio Vista, Londres, 1973). O dinamismo sugerido pelo título do livro de Lucy Lippard é mais adequado do que a rigidez de termos como “conceitualismo”: a arte que passou a ocupar as revistas especializadas no final da década de 1960 não constituiu um movimento no sentido de estilo, mas sem dúvida movimentou o estado da arte, alterando-o para algo menos material do que o objeto.

cf. “Hélio Oiticica, an interview” in Studio International, March 1969. Durante o período da exposição na Whitechapel Gallery, a Art and Artists, também londrina, publicou “On the discovery of creleisure”. cf. Art and artists, Londres, abril/1969.

Para um apanhado histórico do uso das páginas de revistas e catálogos como espaço de exposição, cf. “Siting the page: Exhibiting Works in Publications – Some Examples of Conceptual Art in the USA” in Rewriting Conceptual Art. ed. Michael Newman and Jon Bird (Reaktion Books: Londres, 1999). p. 11-26.

Jan Dibbets revela esse procedimento de consulta aos artistas escolhendo para ´representá-lo´ o próprio formulário enviado pela curadoria aos artistas. Assim, na página dedicada a Dibbets encontra-se o questionário: “como você gostaria de ser representado no catálogo? Cada página é do tamanho dessa folha e cada artista terá uma página. Fotografias da peça apresentada na exposição? Fotografias de uma peça mais antiga? Outras fotografias? Um ´statement´? De alguma outra forma?” Dibbets respondeu “por esse papel”, datou-o e assinou-o nos campos indicados.

Studio International. Primeira parte (outubro 1969, pp. 134-7); segunda parte (novembro 1969, pp. 160-1); terceira parte (dezembro 1969, pp. 212-13). No Brasil, a primeira parte do ensaio de Kosuth está traduzida como “Arte depois da Filosofia” em Malasartes, 1975, v. 1 pp. 10-13. A edição seguinte de Malasartes traz uma crítica interessante ao texto de Kosuth, “A Arte dos Mestres”, de Suzana Geyerhahn (Malasartes, v. 2 p. 20-1).

Para uma discussão sobre a pertinência do termo “conceitual” para a obra de Oiticica, cf. Lisette Lagnado, “Os limites do conceitualismo de Oiticica” in Hélio Oiticica: O Mapa do Programa Ambiental. Tese de doutorado, 2003. pp. 131 a 137.

Carta a Aracy Amaral, 13/05/1972 apud. Lagnado, Op. Cit, p. 135 e Amaral, Aracy. Arte e Meio Artístico; entre a feijoada e o X-burger. (S. Paulo: Nobel, 1983), p. 192.

 

Daniel Buren e Victor Burgin, por exemplo, escrevem entre 1969 e 1970 na própria Studio International com propostas de abandono do objeto em favor do conceito mas sem a rigidez da arte como estrutura tautológica apresentada por Kosuth. Buren denuncia a troca do ilusionismo pictórico pelo “ ilusionismo verbal”, em provável alusão ao texto "Art after Philosophy" de Kosuth: “com uma exibição complacente de academicismo questionável, alguns artistas tentam nos explicar o que arte conceitual seria, poderia ser, ou deveria ser – então gerando um trabalho de arte. Não há falta de vulgaridade nessa pretensão. Estamos testemunhando a transformação de ilusão pictórica em ilusão verbal.” cf. Buren, “Beware!” Studio International, Março/1970. Republicado em Conceptual Art: a critical Anthology ed. Alberto Alberro e Blake Stimson (Cambridge: MIT Press,1999) e em Art in Theory 1900-1990: an Anthology of Critical Ideas. ed. Charles Harrison & Paul Wood ( Oxford: Blackwell Publishers, 1992).

Carta a Aracy Amaral, 13 de maio de 1972. cf. Amaral, Aracy. Arte e Meio Artístico; entre a feijoada e o X-burger. (S. Paulo: Nobel, 1983), nota de rodapé 8, p. 193.

cf. Oiticica, Anotações para serem traduzidas para o inglês: para uma próxima publicação (1 de setembro de 1971).

“TROPICÁLIA é conceito mas é projeto-programa também, e é essencial que para sua concretização como conceito seja colocado à prova ao menos uma vez: cada posta em prova é uma transformação concreta (isso se deu com as CAPAS) (...)” in Amaral, Aracy, op. Cit.

Oiticica, "À busca do suprasensorial", 10/10/1969. É interessante notar que nesse trecho Oiticica anuncia a intersecção entre arte participativa e a psicoterapia que Lygia Clark escolheria na década de 1970 como conseqüência de seu trabalho com objetos relacionais.

Apud. Brett, Guy. Brasil Experimental; arte/vida: proposições e padadoxos, org. Katia Maciel, (Contra-Capa: Rio de Janeiro, 2005), p. 48.

Guy Brett, Londres 1969, publicado em ‘Aspiro ao grande labirinto’, no fac-símile do catálogo do Experimento Whitechapel e, em melhor tradução, em Brett, Guy. Brasil Experimental; arte/vida: proposições e padadoxos, org. Katia Maciel, (Contra-Capa: Rio de Janeiro, 2005), p.33.

Para uma discussão sobre a relação entre subjetividade e forma na obra de Oiticica, cf. Salzstein, Sônia. “Hélio Oiticica. Autonomy and the Limits of Subjectivity”, in Third Text 28/29 (Autumn/Winter 1994): 129-134. Republicado em português em Salzstein, Sônia. “Autonomia e Subjetividade na Obra de Hélio Oiticica”. Novos Estudos. CEBRAP, no. 41, março 1995 pp. 150-160.

Oiticica, Entrevista proposta pela editora Vozes. Programa HO #tombo 0159/68 (dezembro de 1968).

Cf. Programa HO. #tombo 0486/69. Trabalhamos com essa versão do texto preparada para envio à Studio International. Este texto foi preparado por Oiticica originalmente para apresentação no simpósio de Arte Táctil, em Long Beach, California, em 1969, como indicado pelas quatro outras versões desse texto incluídas no banco de dados Programa Hélio Oiticica: 1. o manuscrito, de 18 de junho de 1969, que começa dizendo que o texto fora escrito para o simpósio “Touch Art”; 2. sua versão datilografada com indicações à lápis de correções a serem feitas; 3. uma versão datilografada precedida de folha de rosto manuscrita onde se lê (for Guy – copy with the corrections made) e introdução datilografada “this text was written for the ´Touch Art´ Symposium held theis year (july 7/12, 1969) in the California State College, Long Beach (...); 4. uma versão datilografada datada como “London june 18-25 1969”.

Peter Townsend foi editor da Studio International entre 1965 e 1975.

Cartas, 23/12/1969. p. 130.

Cartas, 19/02/1970, p. 138-139.

Cartas, 16/05/1970, p. 150.

Tradução livre do original, onde Oiticica escreve “ body´s general symbolics”.

Oiticica, "The senses pointing towards a new transformation", versão de 22/12/1969 (trad. da autora). No original:  “The process of shifting the main aesthetic focus away from the so called “visual” arts and the introduction, then, of the other senses, should not be concentrated or looked at from a purely aestheticist point of view; it is much more profound; it is a process which, in its ultimate sense, relates and proposes a new unconditioned behaviour possibility: the conciousness of behaviour as a fundamental key to the evolution of the so-called art processes --> the conciousness of a totality, of the relation individual-world as a whole action, where the idea of value is not only related to a specific ´focus´: the aestheticist event taken formely as the ´focus goal´(...) semll-sight-taste-hearing and touch mingle and are what Merleau-Ponty once called the “body´s general symbolics”, where all sense relations are established in a human context, as a “body” of significations and not a sum of significations apprehended by specific channels”.

Oiticica, “The senses pointing...” , op. Cit. “The apprehension and the action cannot be isolated, and the analytical idea of the senses becomes a metaphor too to express the complexity of human behaviour.”

“Evolução” em Oiticica não implica em progresso ou linearidade, mas em movimento, algo mais próximo da evolução coreográfica, ou como articulado por Teixeira Coelho, “evolução no sentido carnavalesco do termo”, como em uma escola de samba. cf. Cf. Teixeira Coelho, "Arte e Cultura da Arte", publicado no website do Fórum Permanente, íntegras dos textos apresentados no simpósio “Padrões aos Pedaços: o pensamento contemporâneo na arte”.

É interessante notar a semelhança dessa posição de Oiticica de integração de problemas estéticos e políticos com a resposta de Robert Smithson a uma enquete feita pela Artforum com artistas norte-americanos em 1970: qual a sua posição em relação aos tipos de ação política que deveriam ser tomados pelos artistas? A resposta de Smithson também cita uma totalidade na qual o político não pode ser isolado, tudo é parte de um cozido (stew) fervente, tudo se mistura: “o artista não tem que querer uma resposta para a ´crescente crise política na América´. Cedo ou tarde o artista é envolvido ou devorado pela política sem nem mesmo tentar (..) Ação política direta torna-se uma questão de retirar o veneno do cozido que está fervendo.” Reproduzido em Harrison & Wood, Art in Theory, op. Cit. p. 900

Oiticica, sem título. O final do manuscrito traz a anotação: “este texto foi lido como contribuição ao debate Critério para o Julgamento das Obras de Arte Contemporânea, realizado no MAM Rio a 23 de maio de 1968”.

Guy Brett. Brasil Experimental, Op. Cit. p.39. Esse texto está também reproduzido no fac-símile do catálogo do Experimento Whitechapel em Oiticica, Aspiro ao Grande Labirinto. Rio de Janeiro: Rocco, 1986. A tradução de 2005 é mais precisa.

Oiticica, "The Senses Pointing to..." op. Cit. “Of course past art always tried in a metaphorical way to create, and did create, a new level of significative relations (...) Often then, mostly I should say, the artist-creator would be the actor-creator, the sublime generator of creative forces and the recipient of them, he himself the poles of the structural significative world proposed by his creations. The great differences in a new position would be that, whereas the former links were metaphorical-structural totalities imposed onto the behavioural world, the actual ones tend to grow from it after a long process of dissolution of ´living human acts´.”

Na tradução, optamos por inserir o verbo “vindos” no trecho onde no original se lê: “not an object-creation through behaviour, nor the transformation of living acts into creative ones, which would be a simplist idea: in such a case the conditions would only become distant Utopias, but, if from inside conditioned behaviour, the elements start to grow as necessities, like germs which burst from the center of the conflicts themselves, the(sic.) and informs behaviour in a new open way, completely at large with individual lived-acts”. Marcamos duas palavras em negrito para enfatizar passagens de difícil leitura e interpretação. Oiticica não especifica quais seriam as “condições” ou “elementos”. Admitimos que os “ elementos” são os atos de vida que surgem como necessidades, como germes, a partir de conflitos de comportamento.

“Creleisure is the non-repressive leisure, opposed to diverted opressive leisure thinking.” A palavra “diverted” usada no original em inglês carrega o sentido de divertimento e desvio.

Oiticica, "The senses pointing towards a new transformation." Dez/1969. trad. pela autora.

Cartas, 16/05/1970, p. 145. No livreto que acompanhou a exposição “Hélio Oiticica e a cena americana” (Centro Hélio Oiticica, Rio de Janeiro, 1998), Glória Ferreira informa que Oiticica e os outros artistas brasileiros que participaram de Information (Cildo Meirelles, Artur Barrio e Guilherme Vaz) conheceram o curador da mostra do MOMA-NY, Kynaston McShine, durante o Salão da Bússola, no MAM-RJ, em 1969.

Depoimento de Vito Aconcci reproduzido no filme Héliophonia, de 2002, dirigido por Marcos Bonisson e produzido por César Oiticica Filho. Esse depoimento é particularmente interessante no contexto da 27a Bienal de SP, cujo projeto geral de Lisette Lagnado foi inspirado nas propostas de Oiticica e cujo tema, emprestado de Barthes, é justamente “Como Viver Junto”.

Information, p. 103 (trad.da autora): “it´s important that the idea of environment, participation, sensorial experiments, etc. be not limited to objectal solutions; they should propose a development of live-acts and not a representation more (the idea of “art”); new forms of communication; the proposition for a new uncondicioned behaviour – my work led me to use forms of accidental leisure as direct elements to this approach to a new opening: from the accidental use of the act (a whole physical, psychical, etc) of “lying-down”, for instance, internal question-situations can arise; possibilities of relating to unconditioned situations-behaviour; of course these are still introductory propositions for a much wider aim -- the total communal-cell activity"

Oiticica, "As possibilidades de crelazer" (10/05/1969).

Oiticica, Aspiro ao Grande Labirinto, Op. Cit., 128.

“Apocalipopótese”, Texto de outubro de 1969 in Oiticica, Aspiro ao Grande Labirinto, Op. Cit., 130.

Oiticica, "A Trama da Terra que Treme", 1968.

"The senses pointing... ". traduzido pela autora do original on se lê: “The idea of community cells or of experimental communities came to me side by side with that of wide-spread collectivities, such as the building of collective sites or abiding places: in the first ones [community cells or experimental communities] , the creleisure private group cells would be evolved in a plan I have in mind for a long time: the Barracão;”

HO NYK sept.1, 71 "Anotações para serem traduzidas para inglês: para uma próxima publicação". Negrito acrescentado pela autora.

Tomo emprestado o termo “micro-sensação” das várias palestras de Suely Rolnik registradas no site do Fórum Permanente.

Oiticica, "The Senses pointing towards a new transformation". Traduzido pela autora do original onde se lê: “after that [Barracão] the idea of environment would be the creation of real architectures and gardens, invented sites which could have a new sense (...) The great collective groupal experiments should be able to count on groupal abiding places, where experiments would not be united to the idea of 'experiment-show'. It should rather concentrate on an internal-growing proposing experience: proposing to propose, which could lead into fascinating ways; or, important also, to build new possibilities of walking through sites (in my work ideas about this came to me since 1960, mainly with the 'nuclei ' and 'penetrables' and projects for built environments -- they suffered great changes throughout those years; I propose much more a 'living open experience' than anything which could be an objectal one, which could still hold on to the old formal ideas).”

AGL, 29.

O termo “ virtualidade” já aparece em carta de 1964 de Oiticica a Lygia Clark: “Você tem razão quando diz que ainda continuam ´compondo´ coisas no espaço real – não houve uma recriação da estrutura, mas uma ´deslocação´ para o espaço, uma mudança de suportes. Indicam a crise do retângulo figurado do quadro mas se trivializam ao cair no espaço real, sem virtualidade nenhuma. Vedova, por exemplo, que por influência dos seus Bichos resolveu fazer estruturas pintadas no espaço, não faz mais do que repetir o que sempre fez no quadro, só que aqui sem virtualidade, sem força expressiva.”. Cartas, op. Cit. 01/02/1964, p. 21.

Oiticica, "A Trama da terra que Treme". As vaias foram para a música de Caetano É proibido proibir no Festival 68, durante a eliminatória paulista, no TUCA. Caetano reagiu com o famoso discurso em que desafiou a platéia: “é essa a juventude que quer tomar o poder? Se vocês forem em política como são em estética estamos feitos...”. O júri do festival classificou a canção para a final, mas desclassificou Questão de Ordem, de Gilberto Gil. Caetano, então, retirou sua composição do festival em solidariedade a Gil e não participou da final no Maracanãzinho. cf. Nelson Motta, Memória Musical (ed. Sulina, 1990).

Oiticica, "A Trama da Terra que Treme." (1968) Negrito acrescentado pela autora.

Cartas, 15/10/1968. p. 44.

"The Senses pointing..." Traduzido pela autora do original onde se lê: “the conflict then would be and should be transformed in a permanent dynamic: the creleisure nucleous absorbing and transforming the bombardments of destructive behavior: this can only be properly experimented when put entirely into practice.”

Oiticica, notas, ntbk 2/73 p. 42. Esse trecho do notebook 2 de 1973 foi datilografado pelo artista para integrar o bloco mundo-abrigo de Newyorkaises. Cf. tombo 194/73.

Oiticica, "As possibilidades do crelazer", cat. Exp. Retr. op. Cit. p. 136.

"LDN", in Oiticica, Aspiro ao Grande Labirinto, Op. Cit., p. 117.

Oiticica, "Vendo um filme de Hitchcock, ´Under Capricorn´", 31/03/1974 (Programa HO #tombo: 0318/74).

HO, 22 de fevereiro de 1961.