Live Art [resumo]
-- Por que “Live Art” e não “Dança Contemporânea”?
Helena Katz lançou a provocação a Lois Keidan e a resposta veio sem rodeios: Live Art é uma estratégia de inclusão de manifestação híbridas que não se encaixam facilmente nas categorias favorecidas na Grã-Bretanha por políticas curatoriais e culturais. Nem teatro com palco italiano, nem dança coreografada, nem vídeo de produção sofisticada, as obras de artistas e coletivos como Franko B, Forced Entertainment, La Ribot, entre outros, precisavam de um termo que os incluíssem em um sistema de compartimentos estanques. Assim, Louis afirma que “o termo Live Art não é uma descrição de uma forma de arte ou disciplina singular, mas uma estratégia cultural para incluir processos e práticas experimentais que de outra maneira seriam excluídos do arcabouço cultural, curatorial e crítico vigente.”
Keidan caracteriza a Live Art como uma arte interessada no processo, na presença e experiência tanto quanto na produção de objetos. Há nas obras apresentadas por Keidan uma verve transgressora, como no caso de Franko B, desfilando em uma passarela tomada do mundo da moda, e sangrando à medida em que desfila e se auto-inflige ferimentos.
A imagem exibida da obra de Franko B deixa claro que Live Art quer questionar também o espectador tradicional, anestesiado pela mesmice, e provocar uma experiência mais íntima e não obrigatoriamente divertida com a obra, o que nos remete a Antonin Artaud explicando que um espectador deveria ir ao teatro como quem vai ao dentista: não em busca de diversão, mas sim pronto para enfrentar dor e desconforto durante uma experiência necessária.
Discutindo a relação da Live Art com o museu, Lois Keidan descreveu o envolvimento da Tate Modern com o desafio de apresentar Live Art durante a jornada “Live Culture” (2003), quatro dias de manifestações raramente vistas em museus. Keidan salientou a importância deste evento, no qual a Tate priorizou a performance em lugar de expor apenas os vestígios e resíduos das obras. O evento gerou uma publicação (Live: Art and Performance ed. Adrian Heathfield) e uma caixa de DVDs com performances e vídeos.
As falas dos demais membros da mesa começaram com um histórico sobre performances na arte brasileira traçado por Martin Grossmann, que citou Flávio de Carvalho e o uso do corpo masculino para contestar padrões de vestimenta importados da Europa, e chegou a Lygia Clark, Hélio Oiticica, Nelson Leirner, manifestações da video-arte brasileira, e jovens artistas que têm se apresentado em espaços como a Galeria Vermelho, em São Paulo. Grossmann lembrou que o MAM, instituição que hospedou essa edição presencial do Fórum Permanente, possui duas performances de Laura Lima em seu acervo, o que trouxe para o debate a questão do colecionismo, da tendência ao objeto, e a dificuldade da instituição cultural em lidar com o processo, o efêmero. Grossmann lembrou ainda a dificuldade que o público tem em lidar com peças de longa duração (e Lois havia exibido um trabalho do grupo Forced Entertainment que durou 24 horas) ou perturbadoras.
Para Helena Katz, os pressupostos da Live Art e os exemplos de manifestações de Live Art comentados por Lois Keidan já são discutidos e praticados no Brasil pelas artes do corpo como a dança há décadas, pelo menos desde os anos 1960. Considerando ainda a exclusão artística generalizada, Live Art não é uma estratégia de inclusão cultural canibalizável. Mais interessante para o caso brasileiro seria, na opinião de Katz, a invenção de uma nova forma de atuação independente das políticas culturais: não há política cultural no Brasil; reclamar pela formação dessa política é uma solução modesta; encontrar a forma de atuação a despeito da falta de políticas é a solução mais ambiciosa e desejável.
Daniela Bousso considera que Live Art ratifica a derrubada de fronteiras entre categorias da arte, mas ao mesmo tempo circunscreve manifestações artísticas a um certo território. E o despontar do novo precisa do inefável e do inominável. A diretora do Paço das Artes considera válido o termo Live Art como estratégia de mercado mas defende a diversidade das manifestações contemporâneas, mesmo aquelas que ainda não têm um nome. Daniela reconhece a dificuldade de inserir e circular em um mercado de arte obras efêmeras ou não materiais, como as que fazem uso da Internet como mídia. É raro o curador que se arrisca em vários campos da arte como dança, teatro e mesmo moda. Além disso, algumas obras que trabalham no limiar das fronteiras entre disciplinas também forçam as fronteiras do permitido, do bem aceito, o que novamente desafia a prática curatorial. Daniela citou experiências como curadora em que desafiou o convencional, como quando exibiu uma obra polêmica de Márcia X e citou uma experiência em que recuou, ao receber o projeto de Eduardo Kac para uma obra que colocava em risco a vida do artista.
Reforçando a tese de Katz de que as questões discutidas pela Live Art já nos são bastante familiares, Daniela Bousso descreveu trabalhos de vários artistas contemporâneos brasileiros cujas obras encaixam-se nos pressupostos da Live Art, como a performance muito polêmica de Cabelo na Documenta de Kassel, em que explodiu um aquário com peixes e o antecedente histórico deste tipo de agressão à vida animal, quando Cildo Meirelles queimou galinhas vivas no evento “Do Corpo à Terra”, em Belo Horizonte em 1970.
Eduardo Brandão, da Galeria Vermelho, apresentou o ponto de vista do galerista que exibe performances e obras efêmeras, e falou sobre as dificuldades de comercializar performances e seu desejo de conseguir fazê-lo para assim estimular a produção de mais performances e outras manifestações do corpo que não se sentem confortáveis em um palco.
É claro que do ponto de vista do museu, espaço onde ainda predomina o visual, manifestações tão corpóreas como os trabalhos apresentados por Keidan trazem a novidade de práticas mais familiares ao público da dança. Mas fica-se com a impressão de que, no Brasil, Live Art talvez funcionasse mais como um tema curatorial do que como uma estratégia de inclusão nas políticas culturais.
Ouvindo a palestra sobre Live
Art como a arte que apaga as fronteiras entre as disciplinas, amalgama
artista e participador, enfatiza o processo e o corpo, tenta ser aquilo
que categorias bem consolidadas não conseguem ser e busca o novo e o
arriscado, fica-se com a pergunta: mas não é esse, atualmente, o
objetivo de qualquer forma de Arte? Estaria a arte tão morta que
qualquer manifestação mais inovadora deva ser apontada como um caso de
exceção, um caso de “Live” arte? Que bom que, como Helena Katz
mencionou, aqui ainda usamos a expressão Arte Contemporânea, talvez
porque ainda estejamos influenciados pelas invenções revolucionárias
dos artistas brasileiros das décadas de 1960 e 1970 que, agora sabemos,
não são “arte datada” mas sim “arte viva”.
(por Paula Braga)