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O Curador e a Instituição de Arte

Jornada de debates com artistas e comissários da 26a Bienal de São Paulo, Mesa-Redonda 2: o curador  e as instituições de arte, com Richard Riley (Inglaterra), Jean-Christophe Royoux (França) e moderação de Nelson Aguilar.

 

Nelson Aguilar homenageou os países representados na mesa de discussão “O Curador e as Instituições de Arte” ao focar sua apresentação na relevância que a Inglaterra e França tiveram no intercâmbio entre arte contemporânea brasileira e européia. O British Council e a Association Française D'Action Artistique sempre organizaram as representações enviadas para a Bienal e nos últimos três anos participaram de dois importantes eventos em São Paulo: Parade (2001) que expôs obras da coleção do Centre Georges Pompidou e A Bigger Splash (2003), com obras da Tate Gallery, instituição que, como observado por Aguilar, possui 30 curadores para trabalhar especificamente com um período de tempo de 50 anos de arte, um cuidado impressionante e admirável com a obra de arte, principalmente no desmazelado contexto institucional brasileiro. 

A atuação dos dois países no Brasil foi determinante em décadas passadas também:  A Grã-Bretanha foi o primeiro país a reconhecer a inovação e importância dos trabalhos de Hélio Oiticica, Lygia Clark e Mira Schendel no auge da produção destes artistas e não postumamente, como é mais comum. Os News Bulletins da galeria Signals foram determinantes na promoção dos trabalhos desses artistas e tiveram influência na seleção de Lygia Clark e Mira Schendel para a Bienal de Veneza de 1968.

Ecos da Signals viajaram para França através de Jean Clay, então editor da revista Rhobo, e retornaram para o Brasil através da revista Macula (1976 – 1979), que uniu Jean Clay a Yves Alain-Bois, e teve muita influência na crítica brasileira então em formação (Paulo Sérgio Duarte, Ronaldo Brito e Rodrigo Naves). Aguilar terminou sua apresentação citando o crítico de arte francês Pierre Restany, também bastante influente na valorização internacional da arte contemporânea brasileira.

O curador Richard Riley trabalha para o British Council representando a arte inglesa e os artistas ingleses fora da Inglaterra.  Sua atuação compreende tanto curadorias de extensas exposições sobre arte inglesa quanto trabalhos com artistas individuais, como por exemplo seu trabalho com Mike Nelson para a Bienal de S. Paulo. Para exemplificar o primeiro tipo de atuação, Riley exibiu slides de uma exposição sobre escultura inglesa em Teerã, um caso que exemplifica os desafios de expor arte inglesa fora da Inglaterra. O Museu de Arte Contemporânea de Teerã (http://www.ir-tmca.com), criado em 1970, possui uma coleção significante de artistas do hemisfério ocidental tais como Pollock, Picasso, Bacon, Braque e dois imensos bronzes de Henry Moore nos jardins do museu. Desde o advento República Islâmica, grande parte da coleção deixou de ser exibida, mas as esculturas de Moore continuam nos jardins, ainda que sem os devidos cuidados de conservação. A exposição organizada por Riley foi uma oportunidade para limpeza e restauro dessas obras do escultor inglês.

As nove galerias que cercam um átrio do museu de Teerã receberam obras de Edoardo Paolozzi, Anthony Caro, Robert Smithson e Anish Kapoor, Gilbert and George, Mona Hatoum e Damien Hirst entre outros. Uma das obras de Hirst, emprestada pelo artista para esta exposição, exigiu de Riley bastante criatividade na montagem: um esqueleto que carregava claras referências à crucificação só poderia ser exposto, devido a seu tamanho, atrás de um pórtico ornado com  fotografias oficiais de autoridades religiosas da República Islâmica. Para evitar um ângulo de visão que encadeasse as fotografias com a versão de Hirst para a cena da crucificação, Riley optou por um banner sobre a exposição logo abaixo do pórtico, desviando a rota e o olhar do espectador.

Outro projeto interessante apresentado em slides por Riley  foi a instalação de várias obras de Henry Moore em volta de um lago em um parque na China. O curador britânico narrou a intricada tarefa diplomática de obter autorizações de vários ministérios envolvidos (meio-ambiente, urbanismo, etc...). Riley então falou de seus trabalhos com artistas individuais que representam a Grã-Bretanha em eventos como a Bienal de Veneza e de S. Paulo. O British Council administra a representação inglesa na Bienal de Veneza desde 1938 – a Bienal de Veneza existe desde 1895--, e ocupa um dos prédios mais antigos que integram os locais da mega exposição. Riley mencionou que por vários anos, a Inglaterra enviou o mesmo artista para Veneza e no ano seguinte para a Bienal de São Paulo, tornando a representação britânica em S. Paulo extremamente previsível, o que é evitado hoje em dia. Riley terminou sua fala descrevendo brevemente a obra que Mike Nelson trouxe para a 26a edição da Bienal de S. Paulo.

Jean-Christophe Royoux, o curador da representação francesa, apresentou sua definição bastante peculiar e genuína de curadoria. Para ele, o exercício da curadoria é uma extensão da crítica de arte, e portanto constitui uma forma de discurso. Uma exposição é um discurso que um curador elabora junto com o artista.  Esta posição do curador – que certamente fornece o mote para longas críticas e reflexões – transforma uma exposição em um campo para o exercício da interpretação. O curador colabora com as possibilidades interpretativas fornecendo informações adicionais ao expectador. Um ponto interessante dessa abordagem de Royoux é que tais informações adicionais não são inseridas na exposição apenas na forma de textos, mas podem aparecer em audio-visuais que dividirão o espaço expositivo com a obra do artista. Royoux chama estas interferências curatoriais de “matrizes documentais”, que são formas de contextualização da obra. É claro que, se por um lado essa atuação da curadoria transforma-se em uma criação -  ou recriação – conjunta com o artista, um amálgama de duas obras diferentes (a do artista e a do curador), por outro ela é bastante autêntica em deixar totalmente explícita a ação do curador como um agente que constrói a exposição -- e possui o benefício incontestável de eliminar o texto de parede. Royoux afirma que neste modelo de ação curatorial, o objeto, a obra do artista, passa a ser um fragmento do discurso. A hierarquia que prioriza o objeto em detrimento do discurso é invertida.

Enquanto Richard Riley descreveu a curadoria como uma ação próxima à de um produtor à disposição das necessidades do artista, Royoux propôs um curador que age como um artista, como um criador de discursos.

(Paula Braga)