Você está aqui: Página Inicial / Linha Editorial / Seguindo Fios Soltos: caminhos na pesquisa sobre HÉLIO OITICICA / Corpo + Arte = Arquitetura. As proposições de Hélio Oiticica e Lygia Clark

Corpo + Arte = Arquitetura. As proposições de Hélio Oiticica e Lygia Clark

David Sperling

 

Hélio Oiticica e Lygia Clark, expoentes do experimentalismo nas artes plásticas nos anos 1960 e 1970 no Brasil construíram percursos que nasceram na pintura e se projetaram para o espaço tridimensional. Cada um a seu modo construiu intenso cruzamento arte-vida e ambos nutriram grande admiração mútua. Como vetor motriz comum, o conceito de “não-objeto” formulado pelo crítico Ferreira Gullar os articula na superação de uma arte de cunho geométrico-representacional para a proposição de experiências artísticas vivenciais centradas no corpo.

É no sentido desses fluxos que aparecem em suas obras as noções de “arquitetura”. O texto centrará foco em um corte estratégico que passa por proposições realizadas em torno de 1969; estas não só apresentam inegável sincronicidade quanto às questões relativas ao aspecto arquitetural, como constituem visadas privilegiadas da totalidade das reflexões que os artistas processaram. O recurso à referência a algumas obras anteriores que realizaram decorre do entendimento que se tem delas como desdobramentos de totalidades (Merleau-Ponty, 1990) e, como tais, são germinação em potência das proposições foco deste texto.

 

Hélio Oiticica e o espaço das possibilidades abertas de comportamento

Em 1969, Oiticica esteve envolvido com Éden, projeto realizado na Whitechapel Gallery, em Londres, entre fevereiro e abril, e com o texto “The senses pointing towards a new transformation” apresentado no simpósio internacional "Touch Art", na Universidade da Califórnia em julho do mesmo ano, em que sintetiza o “estado da arte” de suas proposições, como Crelazer e Éden, cotejando criticamente com as de Lygia Clark. A designação “projeto” que Oiticica confere para Éden questiona qualquer nomenclatura artística a rotulá-la. Ao largo de categorizações normatizadoras (inclusive da relação público-obra), apresenta-se como algo “a ser concretizado” para além do ato de projetar. Mais ainda, refere-se ao ato de projetar(-se) como o lançar-se em proposições futuras, “experimentar o experimental".

Oiticica procura ressaltar o que há de vivencial nos processos por meio das experiências de anti-arte ambiental (Favaretto, 1992:183), focando primordialmente as possibilidades abertas do comportamento - mais que as estruturas abertas do objeto -, questão central de “The senses pointing towards a new transformation” (1969). Por outro lado, quando Oiticica “projeta”, tratando-se da montagem de espaços como suportes para acontecimentos, é a partir das estruturas abertas que sugere e espera a ocorrência de comportamentos diversos.

Não é possível deixar de notar a proximidade do termo comportamento utilizado por Oiticica e as noções de gesto e estilo usados por Merleau-Ponty. Para este, os gestos corporais próprios compõem um estilo único do corpo de ser no mundo, criando sua modulação existencial (Merleau-Ponty,1994: 206-212). Oiticica em “The senses pointing towards a new transformation” aproxima a noção de comportamento da totalidade dos sentidos humanos no mundo e cita o próprio Merleau-Ponty:

O apelo aos sentidos, que pode ser uma concentração ‘multi-focal’, torna-se importante como um caminho em direção a esta absorção comportamental: olfato-visão-paladar-audição e tato são o que Merleau-Ponty chamou de ‘simbologia geral do corpo’, onde todas as relações dos sentidos são estabelecidas em um contexto humano, como um ‘corpo’ de significações e não uma soma de significações apreendidas por canais específicos.(Oiticica, 1969: 1)

Em Éden, Oiticica reúne Bólides, Penetráveis, Parangolés e Ninhos, seu percurso desde as primeiras obras do Neoconcretismo, em que realiza a “procura de ‘totalidades ambientais’ que seriam criadas e exploradas em todas as suas ordens, desde o infinitamente pequeno até o espaço arquitetônico, urbano etc” (Oiticica, 1986: 67). Neste espaço, cada proposição coloca a seu modo uma questão vital que perpassa sua produção: a superação de uma arte de cunho geométrico-representacional para a proposição de experiências artísticas vivenciais centradas no corpo e na “ação comportamental como uma força criativa” (Oiticica, 1969: 1).

Como um sistema de sistemas, isto é, como um todo articulado que tem o mesmo objeto de reflexão que as partes, Éden realiza-se como plano de enunciação; plano de projeção em que cada uma das proposições é advento para outra no espaço-tempo presente da participação do público, como também no processo de maturação dos conceitos que compõem a trajetória do artista.

Como questão germinal em sua trajetória figura a compreensão da obra como uma estrutura orgânica, “organismo vivo”, “quase-corpo” ou ainda um não-objeto, o que significa a superação da dicotomia sujeito-objeto presente na arte de representação por um campo intersubjetivo conformado pela vivência do sujeito, noção que gerará diferenciações ou brotamentos diversos em sua obra e na de Lygia Clark.

O sentido cumulativo que imprime em suas ações – "as proposições nascem e crescem nelas mesmas e noutras” (Oiticica, 1986: 115) - revela a compreensão que possuía da dupla condição de cada uma delas: teorema e corolário, ser e vir-a-ser, existência e potência, ação e diferenciação, broto e brotamento, cada uma como um perfil ou “visão” (Oiticica, 1986: 115) da totalidade da reflexão do artista, o qual, como que por aprimoramento, a cada vez seleciona melhores ângulos para sua visualização e experienciação.

Com Metaesquemas, Bilaterais, Invenções e Relevos Espaciais processam-se os primeiros brotamentos da sua obra pictórica em direção às construções tridimensionais em que a maior participação do público é solicitada. A expansão espacial prenunciada culminará na proposição de Núcleos e Penetráveis, “novas possibilidades de andar entre lugares” (Oiticica, 1969: 5), estruturas-cor em que o público circula e é envolvido. A cada participação do até então espectador, transformado pela experiência em sujeito agente, corresponde a construção de percepções únicas da totalidade ambiente-sujeito num determinado tempo.



Bolides

 

Figura 1: Bólide Caixa 11 (1964); Bólide Vidro 4, Terra (1964). Cortesia Projeto HO.

Os Bólides trazem a diferenciação da noção de trans-objeto. Realizados a partir de objetos “identificados” -- não “encontrados” -- e recolhidos pelo artista. Ao serem identificados, no momento mesmo de sua identificação, já se encontram implícitos na idéia e, nessa condição, tensionam a relação sujeito-objeto. A associação de materiais brutos propõe ativar a percepção e o retorno do sujeito às coisas mesmas.

Com o conceito Parangolé e a proposição das capas ou parangolés, o grande salto da criação do objeto para a proposição vivencial do corpo é a diferenciação. Como resposta aos condicionamentos impostos pela cultura e pelo sistema da arte e instigação à desprogramação do sujeito, o parangolé se efetiva na duração de sua apropriação pelo público chamado a vesti-lo e assisti-lo coletivamente. Forma, tempo e limites espaciais não são dados prévios, são conquistas do processo de ação coletiva. Sujeito e parangolé formam um todo centrífugo, que extravasa para o exterior, em limites fluidos desenhados pela experiência.

Tropicália propõe mais uma diferenciação ao realizar a obra como totalidade propositiva de um estado brasileiro da arte de vanguarda, confrontadora dos condicionamentos da arte de representação, a qual Oiticica julgava alienante. Como ápice de seu programa ambiental, Tropicália sugere a participação do sujeito e a ativação do corpo como única forma possível de desnaturalização de hábitos e descolonização do imaginário. A ação do sujeito torna-se totalidade sensorial, sígnica e política.

Com Suprassensorial a diferenciação produzida é a busca da dilatação das capacidades sensoriais habituais do sujeito, em direção ao que chamou “supra-sensação”. Prescindindo muitas vezes do objeto, propõe exercícios criativos em que o que conta é a simultaneidade da vivência com a percepção do viver. Tal processo visa a descoberta do comportamento individual, movendo o sujeito do condicionamento inconsciente. Sujeito e ação suprassensorial processam uma meta-vivência, “objeto” da proposição artística.

Outra diferenciação, o desenvolvimento do conceito de Probjeto é considerado por Favaretto o momento de completude da abertura estrutural do programa vivencial de Oiticica (Favaretto, 1992: 178). O objeto ampliado em escala, proposições de Ninhos, tendas e camas, é concebido como receptáculo de vivências e comportamentos. O objeto não é o alvo da participação, mas campo comportamental, espaço destinado à criação coletiva. Sujeito e Probjeto formam uma totalidade centrípeta, dirigida a um âmago, espaço interno protegido.

Com Apocalipopótese tem-se a diferenciação da experiência de manifestação pública coletiva, integrada por ações de múltiplos agentes – artistas e público – de modo simultâneo e descontínuo, em diálogo não linear. Tática de descentramento e construção de múltiplos sentidos frente a habitualização do cotidiano. O sujeito configura-se como agente transformador de uma realidade múltipla.

Éden, mais que a síntese de sua trajetória, o que pela primeira impressão a montagem de diversas de suas obras no recinto da Whitechapel Gallery deixaria supor, gera um novo brotamento. O próprio artista revela que a experiência confirmou algumas idéias e derrubou outras, indicando-lhe a meta “do que pensar” e “de para onde ir” (Oiticica, 1986: 115). Com ele formula a idéia de Crelazer, o puro “lazer-prazer-fazer” inerente ao viver não-programado e não-planejado, ao lazer criador acessado em estados de repouso. O viver desinteressado, não objetivado, torna-se a senha para o ato criador, disponível a qualquer sujeito sem a mediação do objeto, não que seja prévio a este, mas que deste prescinde. O sujeito na ação mesma do viver é o ser criador e o próprio “objeto” da arte.

 

Eden

Figura 2: Plano e imagens de Éden na Whitechapel Gallery, 1969. Cortesia Projeto HO.

 

Éden não é concebido como exposição de arte destinada a apresentar a trajetória de um artista em terra estrangeira ou ainda como cenografia exótica para “ambientar” obras e público. Nem mesmo como aposto às obras ou seu complemento. Éden é um projeto, brotamento de brotamentos, patamar extremo das reflexões do artista naquele momento, planejamento ambiental (Oiticica, 1968 in Figueiredo, 1996: 42):

... será necessária a criação de ‘ambientes’ para essas obras – o próprio conceito de exposição no seu sentido tradicional já muda, pois de nada significa ‘expor’ tais peças (seria aí um interesse parcial menor), mas sim a criação de espaços estruturados, livres ao mesmo tempo à participação e invenção criativa do espectador. (Oiticica, 1986: 76)

A dimensão de projeto em Éden nasce do desejo de re-fundar o espaço da galeria como recinto-participação, espaço-comportamento, promovendo “a criação de liberdade no espaço dentro-determinado” (Oiticica, 1986: 186). O espaço projetado – e desenhado em planta – foi proposto como “um exercício para o crelazer e circulações”. No desenho são alocadas algumas de suas proposições, gradientes de re-proposição da relação sujeito-objeto – Bólides, Penetráveis, Parangolés, Ninhos – e áreas de circulação em pisos de areia e pedra. Importava antes a proposição da participação coletiva aberta que a delimitação de uma forma rígida.

Os espaços de circulação, vazios disponíveis para percursos diversos (indiciados por setas no desenho) e para a percepção (derivada do contato com os materiais e da posição relativa no espaço), apresentam-se simultaneamente como possibilidades da apropriação livre do Éden e como prelúdio da experiência das proposições. Espaço-entre, fluidez espaço-temporal. Aqui, retoma-se o mito do labirinto, presente em sua obra desde os Penetráveis, “(…) o caráter de labirinto, que tende a organificar o espaço de maneira abstrata, esfacelando-o e dando-lhe um caráter novo, de tensão interna.” (Oiticica, 1986: 29). O espaço-entre, de inúmeros possíveis, é desenhado pelos cheios e vazios das ausências e presenças das proposições (Ninhos, Penetráveis…); labiríntico nos percursos e nas narrativas construídas de uma a outra pelo público participante. Labirinto, pois que é totalidade espacial que sempre se renova e tensiona percurso, posição e apreensão do espaço.

Labirinto, recinto-participação e espaço-comportamento são noções espaciais com intersecções de sentido. Como denominador comum tem-se a existência de um corpo situado numa determinada relação espaço-temporal, implicado na ação que protagoniza. O espaço, por sua vez, não é abstrato, pois que decorre do corpo e de suas ações, no sentido que propõe Merleau-Ponty,

(…) a experiência do corpo nos ensina a enraizar o espaço na existência. (…) A experiência revela sob o espaço objetivo, no qual finalmente o corpo toma lugar, uma espacialidade primordial da qual a primeira é apenas o invólucro e que se confunde com o próprio ser do corpo. Ser corpo (…) é estar atado a um certo mundo, e nosso corpo não está primeiramente no espaço: ele é no espaço.(1994: 205)

A experiência do ser imanente que é o corpo, do estar das coisas no mundo, sobreveio a Oiticica por meio do samba, o corpo-criação-movimento. Sendo o espaço a condição existencial do corpo, a criação pelo ato corporal traz consigo a transformação do próprio espaço:

A experiência da dança (o samba) deu-me portanto a exata idéia do que seja a criação pelo ato corporal, a contínua transformabilidade. De outro lado, porém, revelou-me o que chamo de ‘estar’ das coisas, ou seja, a expressão estática dos objetos, sua imanência expressiva, que é aqui o gesto da imanência do ato corporal expressivo, que se transforma sem cessar. (Oiticica, 1986: 75)

O ato corporal, o movimento para além do puro cinetismo, transforma o espaço e transforma o corpo e a percepção de si. A ação artística torna-se, por essa via, a sensibilização de um campo intersubjetivo estruturado por corpos móveis e estáticos:

Esta aí a chave do que será o que chamo de ‘arte ambiental’: o eternamente móvel, transformável, que se estrutura pelo ato do espectador e o estático, que é também transformável a seu modo, dependendo do ambiente em que esteja participando como estrutura… (Oiticica, 1986: 76)

A promoção da “liberdade no espaço dentro-determinado” proposta por Hélio Oiticica realiza a desprogramação do sujeito, chamado a uma participação aberta, e do coletivo, sensibilizado a perceber sua existência, por meio da desprogramação do espaço, desfuncionalizado e refundado, e da ação artística, fluidificada no espaço-tempo da existência.

O espaço experimental da arte ambiental – como é o Éden –  deveria ser, para ele, conformado pela articulação de elementos “prontos”, áreas de estar que estruturam arquitetonicamente caminhos e espaços a percorrer; de elementos “transformáveis” que requerem a participação inventiva do espectador (como a manipulação e a incorporação); e de elementos “para fazer”, ou seja, materiais virgens para a construção livre estimulada pelo próprio estar no ambiente (Oiticica, 1986: 76).

Com Éden e com “The senses pointing towards a new transformation”, Oiticica se opõe definitivamente ao sistema da arte como representação: a produção de objetos de representação que requerem espaços expositivos para serem contempladas por um sujeito. No cerne de sua concepção de manifestação ambiental e da incorporação do espaço vivencial como matéria primeira, está a construção arquitetural do espaço. Assim como o corpo, ser espacial proposto por Merleau-Ponty, a arquitetura para Oiticica tende a diluir-se no espaço e incorporá-lo:

O espaço é importantíssimo em concepções arquitetônicas contemporâneas. A arquitetura tende a diluir-se no espaço ao mesmo tempo que o incorpora como um elemento seu. (Oiticica, 1986: 29)

O arquitetural e o ambiental participam da trajetória de Oiticica como sentidos estruturais de sua obra e como instâncias de re-fundação da arte e do sujeito. A concepção de arquitetura – e o espaço decorrente que “projeta” – extravasa o sentido artístico, mas não se contém no entendimento restrito do “espaço arquitetônico”. Ao contrário, ao repensar o espaço na arte, é possível absorvê-lo como re-proposição de uma ontologia do espaço em arquitetura. A arquitetura como manifestação ambiental.

De saída, a concepção de arquitetura que se extrai de Éden é a de "corpo". Como o corpo em Merleau-Ponty, para Oiticica, a arquitetura não está no espaço, ela é no espaço, isto é, ela é conformadora de espaço; ela diz dele. Como corpo, a arquitetura é uma totalidade espacial transformável. Mais que submissa a uma forma rígida, a arquitetura deveria ser um campo estruturado por elementos móveis e estáticos, ambos, cada um a seu modo, transformáveis. A dimensão espacial da arquitetura torna-se aberta, fluida e em direta relação com uma dimensão temporal não mais relativa à permanência de uma forma definida em projeto, mas às pulsações das transformações processadas no espaço pelo contato entre os componentes.

Ao espaço geometrizado conformado por limites claramente estabelecidos (representação-observador, dentro-fora), se contrapõe um espaço topológico contínuo conformado por gradientes de aberturas de participação e circulações, que se estruturam mutuamente. As variadas conexões possíveis entre os gradientes são o solo sobre o qual desenham-se malhas de experiências. Caráter de labirinto, ambiente aberto para o viver (Oiticica, 1969: 5).

Como componente ativo desse campo estruturado está o ser participante – seu corpo – antes na arte denominado espectador e na arquitetura usuário. Em ambas acepções – espectador e usuário – fica a impressão do ser que usufrui o que lhe é dado e quando age é para satisfazer o fluxo de suas necessidades – em uma ação que reflete sobre si o esperado. O participante ativo, em outro sentido, está aberto à criação, ao exercício do experimental, a agir e encontrar o novo, estruturar um sempre novo espaço-comportamento.

A arquitetura como manifestação ambiental, no sentido de Oiticica, é, pois, estruturação de um campo e não formatação de uma forma; é abertura à construção pela experiência vivencial e não definição por completo em uma abstração projetual. Da “representação” para a “presentificação”. Vai além do espaço “pronto”, pois compõe-se de elementos “transformáveis” e “para fazer”, gradientes de abertura para a continuidade processual.

 

Lygia Clark e o espaço da liberdade do corpo

No mesmo ano de 1969, em que Hélio Oiticica montou Éden e escreveu “The senses pointing towards a new transformation”, Lygia Clark esteve envolvida com as Arquiteturas Biológicas, as Estruturas Vivas e o texto “O corpo é a casa”. A grande afinidade de Oiticica e Clark quanto à superação da arte como representação e à necessária investida da ação artística no espaço da vida cotidiana – impressas de modos particulares em suas trajetórias, mas acompanhadas por certa sincronia em suas proposições – delineia a constituição de um pensamento de vanguarda na arte brasileira nos anos 1960-70.

A refutação de uma realidade mediada pela representação produzida pela arte e a invocação da percepção imediata da realidade como sendo objeto da arte delineia a totalidade da obra de Lygia Clark, da qual cada proposição é uma visada. A estruturação da percepção dos fenômenos montada por Merleau-Ponty (1990), a partir da qual toda totalidade é apreendida por perfis é instrumento adequado para a descrição da concepção e das ações da artista.

Cada proposição sua, desde a abertura das pinturas, processa uma diferenciação da anterior, a qual, por sua vez, já contém outra em potência; e todas são manifestação imanente de sua concepção de ação artística. Visada em perfis, diferenciação, advento e brotamento (Merleau-Ponty, 1984) são em certo sentido sinônimos para descrição da qualidade de um fenômeno imanente reter em si o novo, a transcendência. Para Ferreira Gullar, a ação de Lygia Clark “trata-se de uma corajosa tentativa de dar na própria experiência perceptiva a transcendência dessa experiência.” (Gullar in Clark, 1980: 8)

Tal aporte da fenomenologia permite a compreensão do encadeamento de ações, o que não implica em linearidade de pensamento, na trajetória de Lygia Clark – como a que desenvolveu Hélio Oiticica e que se manifesta em Éden. Ação/concepção que brota e gera diferenciação em novas ações/concepções de incorporação do gesto do participante e de seu espaço-tempo vivencial. Como frase-brotamento da totalidade de sua investigação, Lygia Clark afirma: “A obra (de arte) deve exigir uma participação imediata do espectador e ele, espectador, deve ser jogado dentro dela.” (Clark: 1980: 16)

Clark propõe, como formulou Ferreira Gullar com o não-objeto, substituir os binômios estanques artista-criador e espectador-receptor pela proposição de um campo artístico vivencial ativado pelo ato do participante, no qual “sujeito-objeto se identificam essencialmente” (Clark, 1980: 24). Tal redesenho do campo em que artista, público, ação, espaço e tempo estão implicados e são interdependentes, traz a impossibilidade de qualquer aproximação analítica, pois que os termos estão sempre entrelaçados.

Os nomes conferidos pela artista, por si, já revelam a consciência que possuía da maturação que processava como uma seqüência de brotamentos ou processo de desenvolvimento de um “organismo vivo”. Ovo (1958) e Unidade (1958), pinturas de planos que extravasam os limites do quadro são estágio anterior aos Casulos (1958), placas-cor que oscilam entre o bi e o tridimensional. Estes, costumava dizer a artista, caíram no chão, como casulos de verdade, da parede ao chão, e deram origem aos Bichos (1960), “estruturas vivas” abertas a manipulação. A supressão ainda mais radical do objeto pelo ato vivencial torna-se o foco de Caminhando (1963). A ampliação do ato vivencial focado no sujeito para o campo intersubjetivo estruturado a partir da reflexividade do corpo é realizado com Diálogo de mãos (1966), O Eu e o Tu (1967) e Óculos (1968). O retorno às coisas mesmas, o contato renovado com o mundo a partir do corpo é objeto de Nostalgia do corpo (1968). Em Arquiteturas Biológicas (1969), o corpo, a ação, a reconexão com o mundo e a criação de um campo intersubjetivo ganham dimensões arquiteturais.

A “obra” artística para Lygia Clark deve ser uma proposição (1968: Nós somos os propositores. Clark, 1980: 31) e não proposta, evidenciando o entendimento que tem dela como virtualidade e não completude. O artista transmutado em propositor convida o espectador pelo ato a tornar-se participante e, “pela experiência, a tomar consciência da alienação em que vive” (Clark, 1980: 30). Participação como ato imanente; a obra é o ato de fazê-la. A participação, por sua vez, não é definida previamente pelo propositor, mas é experienciada no ato mesmo de concretizá-la:

Aqui não se trata da participação pela participação, nem da agressão pela agressão, mas que o participante dê um sentido a seu gesto e que seu ato seja nutrido de um pensamento: a ocorrência do jogo coloca em evidência sua liberdade de ação. (Clark, 1980: 27)

A fruição da obra como um processo de experiência (ex=fora, peras=limite, perímetro), requer do participante o colocar-se diante da realidade para além dos limites do conhecido ou do pré-concebido. Relatando a interação do participante com o Bicho (Clark, 1980: 17), a artista diz do primeiro ato que este não tem a ver com o objeto, pois que é carregado de pré-concepções (movimento de exterioridade). O segundo, completamente aberto à ação do instante (movimento de interioridade) em sintonia com as reações da estrutura, é capaz de construir uma nova relação sujeito-objeto, que se processa no tempo. E, ao mesmo tempo em que se refere a uma estrutura, vai produzindo diferenciações; o que para Merleau-Ponty (1990) equivale ao ser que é ele mesmo sendo sempre outros. Pedrosa atenta exatamente para a qualidade dos Bichos – que pode ser estendida a todas as proposições –, de serem sistemas virtuais:

Em função do gesto do observador, as formações plásticas e escultóricas as mais variáveis e surpreendentes aparecem, e acabam exaurindo a curiosidade do espectador antes mesmo de se esgotarem as virtualidades das estruturas básicas, fundadas, todas elas, sobre o princípio da simetria. Essas estruturas são como uma árvore mágica, que dá esculturas como um pé de jaqueira dá jacas, um cajueiro, cajus.(Pedrosa in Clark, 1980: 21)

A noção de experiência é ainda mais efetiva na proposição de Caminhando, no qual o participante é levado a encontrar-se com as características de toda ação cotidiana: “a escolha, o imprevisível, a transformação de uma virtualidade em um empreendimento concreto” (Clark, 1980: 25). O ato do participante, ativador deste novo campo artístico, que é a experiência, por sua vez altera as variáveis tempo e espaço da “obra” artística para o tempo-espaço situado da própria experiência.

Lygia Clark relata que do Caminhando, “a experiência de um tempo sem limite e de um espaço contínuo” (Clark, 1980: 26), nasceram algumas tentativas arquiteturais, como possibilidades de ligações com o mundo coletivo, criações de um espaço-tempo novo, concreto (Clark, 1980: 26). Já estava claro, pois, que o tempo em questão era o da participação reflexiva e a efemeridade do ato como única realidade existencial; e o espaço como aquela porção espacial de extensão do corpo onde se realizavam suas ações, diretamente vinculado ao tempo destas: “o espaço pertence ao tempo continuamente metamorfoseado pela ação” (Clark, 1980: 24). Pela ação, “o tempo se espacializa, o espaço se temporaliza” (Gullar in Clark, 1980: 12), o que significa a estruturação de uma totalidade espaço-tempo concernente à experiência. O espaço ganha referenciais temporais pela ativação de porções suas em cada momento do processo da experiência; e o tempo se espalha no espaço, no percurso realizado durante o processo.

Ao incorporar o espaço vivencial do participante a obra deixa de estar no espaço para ser no espaço. Ganha qualidade de corpo, no sentido conferido por Merleau-Ponty (1994: 205), pois o espaço é sua dimensão ontológica. O espaço deixa de ser referenciado por suas características geométricas, mas distingüido como um certo entorno onde a ação se processa. Para Mário Pedrosa o espaço contemplativo é substituído pelo espaço circundante (Pedrosa in Clark, 1980: 17). Estava, pois, construído o solo conceitual e operativo que foi investigado em termos “arquiteturais” em Arquiteturas Biológicas – como em Estruturas vivas e Rede de Elásticos. Yve-Alain Bois relata tais desenvolvimentos:

Lygia categoricamente rejeitou a idéia de uma exibição, argumentando que desde 1968 tudo que ela fez foi distanciar-se ainda mais do objeto – seu trabalho corrente, no qual os corpos individuais dos participantes tornavam-se um corpo coletivo na formação de uma arquitetura efêmera, não suportava mais nenhuma relação com a arte – particularmente desde que a própria noção de um espectador foi inteiramente banida dele. (Bois in Clark, 1994: 87)

Em 1965 quando escreve “Do ato”, a artista já está delineando futuras proposições em direção à arquitetura: “O espaço arquitetural me subverte. Pintar um quadro ou realizar uma escultura é tão diferente de viver em termos de arquitetura!” (Clark, 1980: 23). O que dá relevo a essa declaração é, além de sua predileção pela arquitetura, a aproximação desta, não ao espaço arquitetônico, mas ao espaço arquitetural. E como ação não o fazer, mas o viver em termos de arquitetura. A distinção tem enorme significância, pois que um e outro sentido estão situados diametralmente opostos no percurso que realiza a artista.

A criação objetificada, o espaço contido na abstração das formas geométricas e feito integralmente para sua posterior experiência diz respeito ao espaço arquitetônico. O espaço arquitetural, por sua vez, é aquele que a artista passa a habitar com os Bichos, espaço topológico que se estrutura por relações entre corpos e porções do espaço. O primeiro, a cristalização de uma forma geométrica, e o segundo, o homeomorfismo de um sistema de relações espaciais. A distinção que marcam quanto à posição do corpo no espaço é essencial para a compreensão do entendimento que Lygia Clark constrói de arquitetura. Como possibilidade de superação de um espaço continente permanente, que recebe o corpo como conteúdo (espaço arquitetônico), ela investiga o espaço-estrutura efêmero, sempre transformado pela experiência livre do corpo (espaço arquitetural).

 

O corpo, na experiência das Arquiteturas Biológicas - como em Estruturas Vivas e Rede de Elásticos -, é o núcleo de uma arquitetura celular. Nela, o gesto é o cerne da formação das células; é o corpo que se comunica, que se relaciona com outros conformando um tecido celular, uma arquitetura viva, que existe enquanto existe a experiência da manifestação coletiva. Para a artista, o habitar torna-se o equivalente do comunicar, ou relacionar-se. O corpo e suas potenciais relações é a chave do espaço topológico, espaço-estrutura relacional, conformado por elementos relacionáveis e redes de relações. Em “1969: O corpo é a casa” (Clark: 1980: 37-38), a artista relata essa experiência:

 

Minha nova proposição é intimista. Dou um simples pedaço de plástico com sacos cosidos em suas extremidades e cada um faz a experiência que quiser, inventando proposições diferentes e convidando outras pessoas a participarem. O tocar se exerce sobre os próprios corpos: eles podem ser dois, três ou mais. Seu número sempre cresce segundo um desenvolvimento celular que se tornará cada vez maior conforme o número de pessoas que participarem dessa experiência. Assim se desenvolve uma arquitetura viva em que o homem, através de sua expressão gesticular, constrói um sistema biológico que é um verdadeiro tecido celular.(…)

O meio em que vive o homem só existe na medida em que há esta expressão coletiva.(…)

Através de cada um desses gestos nasce uma arquitetura viva, biológica, que, terminada a experiência, se dissolve.

A expressão corporal tem aqui uma importância essencial, pois é através dela que as células são construídas…(…)

Trata-se de um abrigo poético onde o habitar é o equivalente do comunicar. (…)

Os movimentos do homem constróem este abrigo celular habitável partindo de um núcleo que se mistura a outro. (…) É o homem que, penetrando-a, a cria e transforma pois desenvolve em seu interior comunicações táteis. Neste momento, o homem é um organismo vivo. Ele incorpora a idéia de ação através de sua expressão gesticular. (…) Ele inverte os conceitos casa e corpo. Agora o corpo é a casa. É uma experiência comunitária. (CLARK, 1980: 37-38)

O corpo como casa de que fala Clark denota a qualidade do corpo, pelo gesto, gerar sua espacialidade. O habitar-comunicar torna-se ação criadora do espaço da existência. Pedrosa (Clark, 1980: 21) para se referir aos Bichos usa duas idéias vinculadas ao espaço arquitetural que podem ser estendidas para as proposições posteriores da artista, como as Arquiteturas Biológicas: a de “máquina de construir espaço” e a de “unidade arquitetônica”. O processo que prescinde do objeto e confere cada vez mais centralidade ao ato transfere para o corpo a condição de estrutura articulada – antes o Bicho. E como tal, o corpo é a diversidade de espaços em potência.

A arquitetura como espaço arquitetural de Lygia Clark retoma a condição existencial do espaço e a condição espacial da existência, levantadas por Merleau-Ponty (1994). A ação existencial-espacial do corpo de relacionar-se com outros corpos é, em si, a construção de um sistema espacial-existencial, de um espaço topológico efêmero, composto por estruturas articuladas e em articulação. O espaço arquitetural, pois, não é uma entidade pré-existente, mas uma conquista no instante mesmo da existência.

 

Arte e corpo, uma fenomenologia de situações arquiteturais

Nas obras de Oiticica e Clark, o questionamento da condição sujeito-objeto é estruturante de uma outra relação artista-obra-espectador. A proposição de instrumentos para a participação não-programada do público visa potencializar a re-inauguração dos sentidos.

Nos percursos dos dois artistas as experiências arquiteturais não marcam um início a partir do qual processariam a desmaterialização do objeto em direção a investigação das ações cotidianas. Em sentido contrário, para elas convergem; são o desenvolvimento progressivo das proposições participativas. Tal trajeto, em direção à arquitetura só se efetivou pela reconsideração ontológica da própria arquitetura, como entrecruzamento de relações espaciais e vivenciais geradas pelo corpo ativo, a contrapelo da reificação do objeto arquitetônico.

Se são evidentes as concordâncias de posições frente ao sistema da arte vigente e as similaridades das trajetórias percorridas, o são também os caracteres extremamente pessoais que imprimiram em suas manifestações. O que não significa a arte como expressão individual do artista – o que refutavam – mas decorrente da intensa retroalimentação entre arte e vida que processaram. Se para o programa ambiental de Hélio Oiticica foram decisivos seu contato com a Mangueira, o samba e a favela, para as proposições vivenciais de Lygia, o são seu interesse pela psicologia e a pedagogia, o que, de antemão, confere às suas ações enfoques distintos em relação ao corpo. Se Oiticica e Lygia Clark não realizam uma arte corporal, mas a “descoberta do corpo mesmo, não a do corpo como suporte” (Oiticica, 1980 apud Favaretto, 1992: 182), Oiticica imprime um enfoque da percepção do corpo por sua – cada vez mais – extroversão e Clark, ao contrário, da percepção do corpo por sua – cada vez mais – introversão. Em um, o enfoque ambiental do corpo e, no outro, o enfoque celular do corpo.

Arriscamos identificar nas manifestações ambientais de Hélio Oiticica e nas proposições vivenciais de Lygia Clark, três dimensões constitutivas de sua concepção de arquitetura, que se interdependem. Uma dimensão ontológica situa a arquitetura, lugar vivencial transformável, como o espaço da existência humana; o espaço estruturado e aberto como único campo possível para a manifestação de uma dimensão política. Esta posiciona o espaço arquitetural – no sentido que propõem - como estrutura para uma vida coletiva ativa, de transformação da realidade vivencial, a qual passa necessariamente por uma dimensão estética ou perceptiva, de desabitualização das ações e do estar no mundo.

A reproposição da arquitetura em Oiticica e Clark, germinada na reconsideração da ação artística, estrutura-se no reposicionamento de três aspectos fundamentais: o espaço, o tempo e a relação obra-espectador. O primeiro desloca-se do espaço geométrico da representação para o espaço topológico de relações. O segundo desloca-se do tempo como permanência da obra para a efemeridade da ação-interação do participante. O terceiro desloca-se da obra destinada a um espectador passivo para um campo ativado pelo participador-atuante.

A arquitetura, por essa via, não se resume à sua materialidade ou constituição física. O espaço arquitetural é um campo do qual propositor, objeto e público participam, do objeto material para o processo vivencial. A arquitetura como representação, depositária de significados (pretérito) sócio-culturais, econômicos e tecnológicos passa a ser facilitadora de significações (presente), veículo para a experiência do corpo. O que desloca o entendimento da forma arquitetônica como contentor representativo para a forma como campo estrutural de ações intersubjetivas; e o entendimento do espaço como espaço espacializado em que as relações foram instituídas e geometrizadas para o espaço espacializante, em que as relações estão ativamente em construção.

A consideração do corpo e de suas ações como estruturantes do espaço arquitetural aproxima a arquitetura da noção de situação e o projeto de uma proposição situacional. Não se trata da vinculação às experiências artísticas de site specificity, pois que nestas é a obra que está situada em lugar específico, e não remete à arquitetura situada, em que a forma e os materiais são representativos do arcabouço cultural do lugar – como definiu Kenneth Frampton, o regionalismo crítico, em História Crítica da Arquitetura Moderna (Martins Fontes, 1997). Na situação arquitetural de Oiticica e Clark as ações é que são situadas em um contexto pessoal e coletivo em que o espaço e o tempo são suas variáveis constitutivas. A situação arquitetural é constantemente estruturada pela experiência vivencial de um tempo e de um lugar, tendo em si como potência outras situações. É a dilatação do ser no mundo, extensão do corpo ou, tomando Merleau-Ponty (1994), voluminosidade.

 

Uma versão deste texto foi apresentada no I Seminário Arte e Cidade (sessão temática Arte e Cenário Público), Universidade Federal da Bahia, Salvador, em maio de 2006.

 


 

David Sperling é professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da EESC-USP e doutorando em Arquitetura e Urbanismo na FAU-USP (Área de Projeto, Espaço e Cultura).

 


Cite este artigo:
David Sperling, "Corpo + Arte = Arquitetura. As proposições de Hélio Oiticica e Lygia Clark," in Seguindo Fios Soltos: caminhos na pesquisa sobre Hélio Oiticica (org.) Paula Braga,  edição especial da Revista do Fórum Permanente (www.forumpermanente.org) (ed.) Martin Grossmann.

Em publicações on-line, por favor acrescente também um apontador para http://www.forumpermanente.org/painel/coletanea_ho


 

Referências Bibliográficas

Brett, G., (1969). Hélio Oiticica. Londres: Whitechapel Gallery.

Brito, R., (1999). Neoconcretismo. Vértice e ruptura do projeto construtivo brasileiro. São Paulo: Cosac & Naify, 2. ed. (1.ed: 1985).

Clark, L., (1980). Lygia Clark. Textos de Ferreira Gullar, Mário Pedrosa e Lygia Clark. Rio de Janeiro: Funarte.

_______, (1994). “Nostalgia of the Body”. October, n.69, pp.84-109.

Favaretto, C., (1992). A invenção de Hélio Oiticica. São Paulo: Edusp.

Figueiredo, L., (org.), (1996). Lygia Clark - Hélio Oiticica: Cartas, 1964-74. Rio de Janeiro: UFRJ.

Merleau-Ponty, M., (1984). Textos Selecionados. Tradução de M. S. Chauí; N. A. Aguilar; P. S. Moraes. São Paulo: Abril Cultural. Coleção “Os Pensadores”.

______________,(1990). O Primado da Percepção e suas conseqüências filosóficas. Tradução de C. Marcondes César. Campinas: Papirus.

______________, (1994). Fenomenologia da Percepção. Tradução de C. A. R. de Moura. São Paulo: Martins Fontes.

Oiticica Fo., C. (2003). Hélio Oiticica: cor, imagem, poética. Rio de Janeiro: Centro de Arte Hélio Oiticica.

Oiticica, H., (1969). "The Senses Pointing Towards a New Transformation". (22/12/1969). Programa HO. #tombo 0486/69.

_________, (1986). Aspiro ao grande labirinto. Rio de Janeiro: Rocco.

(1992). Hélio Oiticica. Paris: Galerie Jau de Paume. (catálogo da exposição Hélio Oiticica no Witte de With, Center for Contemporary Art, Rotterdam, 1992; na Galerie Nationale Jau de Paume, Paris, 1992; na Fundació Antoni Tàpies, Barcelona, 1992; no Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1993; no Walker Art Center, Minneapolis, 1993-94)

 

“(…) a palavra ‘experimental’ é apropriada, não para ser entendida como descritiva de um ato a ser julgado posteriormente em termos de sucesso e fracasso, mas como um ato cujo resultado é desconhecido.” (Oiticica,1972 apud Favaretto, 1992: 14).

O termo utilizado aqui segue o sentido proposto por Merleau-Ponty, para quem cada ação traz embutida em si novidades ou, ainda, cada ação é advento de outras que têm potencialmente em si. (Merleau-Ponty, 1984)

A divergência do conceito de trans-objeto de Oiticica em relação ao de ready-made de Duchamp pode ser resumida do seguinte modo: “O que faço ao transformá-lo numa obra não é a simples ‘lirificação’ do objeto, ou situá-lo fora do cotidiano, mas incorporá-lo a uma idéia estética (…) Não se trata de incorporar a própria estrutura, identificá-la na estrutura do objeto, mas de transportá-lo fechado e enigmático da sua condição de ‘coisa’ para a de ‘elemento da obra’. A obra é virtualizada pela presença desses elementos, e não encontrada antes a virtualidade da obra na estrutura do objeto.” (Oiticica, 1986: 63)

ou ainda Probjetessência, derivado do conceito de Probjeto formulado originalmente pelo artista Rogério Duarte.

Conceito do artista Rogério Duarte.

Subtítulo do plano de Éden escrito sob a planta.

O Éden “não está submisso a uma forma acabada, mas à proposição permanente do Crelazer.” (Oiticica, 1986: 115)

“… em sua pintura, a superfície não é usada como apoio para alusões ou representações: LC se detém na superfície como tal, para expressá-la em si mesma, na sua pureza de realidade imediatamente percebida.” (Gullar in Clark, 1980: 8)

Lygia Clark, como Oiticica, posiciona-se criticamente perante o conceito de ready-made de Duchamp. Para ela a diferença essencial entre suas proposições e os ready-mades está em que nas primeiras o ato – que prescinde do objeto - engendra poesia e nos segundos o poder poético reside na apropriação e no deslocamento de um objeto da vida cotidiana. “O que acontece, pois, de importante com o ready-made? Nele, apesar de tudo, ainda se acha a transferência do sujeito no objeto, a separação de um e de outro. Com o ready-made, o homem ainda tem a necessidade de um suporte para revelar sua expressividade interior.”(Clark, 1980: 27)

Ferreira Gullar já dizia o seguinte a respeito de seus “quadros”: “…seus quadros são esses objetos vivos, ambíguos, acionados pelo movimento constante de uma metamorfose espacial que, nem bem se faz, já se refaz: absorve, transforma e devolve o espaço, incessantemente.” (Gullar in Clark, 1980: 7-8)

A arquitetura como espaço arquitetônico já se refletia em suas pinturas pela descoberta do que denominou de “linha orgânica” – linha de encontro de superfícies na arquitetura, como a linha de dobradiça de uma porta ou a interseção de paredes. (Clark, 1980: 13) – que estruturava a construção das superfícies nos “quadros”.

Em topologia, pertencente ao campo das geometrias não-euclidianas, homeomorfismos são transformações espaciais contínuas que podem ser continuamente desfeitas. Nelas, algumas propriedades são invariantes independentemente da alteração da forma geométrica. Sobre este assunto e suas implicações na arquitetura ver Sperling, D., (2003). Arquiteturas contínuas e topologia: similaridades em processo. São Carlos: EESC-USP. (Dissertação de mestrado). Disponível na íntegra em: http://www.teses.usp.br/

Um ano antes, em 1968, a artista realizou A casa é o corpo. A experiência consistiu na construção de um espaço-labirinto de oito metros de comprimento para criar a experiência do (re)nascimento.