Dois em um

Por Carlos Augusto Calil para a Folha de S. Paulo em 08/02/2006.

FOLHA DE S. PAULO

08 de fevereiro de 2006

FOLHA Opinião - Tendências/Debates

Fonte: CALIL, C. A. “Dois em um”. Folha de S. Paulo, Cad. Folha Opinião. Tendências/Debates. 08/02/2006. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0802200609.htm. Acesso em 26/01/2007.


 

Dois em um

CARLOS AUGUSTO CALIL

Em breve , graças a uma iniciativa da prefeitura, tanto o Museu de Arte Moderna de São Paulo como o Museu de Arte Contemporânea da USP passarão a compartilhar o prédio que ocupava a Prodam (Companhia de Processamento de Dados do Município) no parque Ibirapuera. A cada museu caberá uma parcela desse edifício, projetado por Oscar Niemeyer por ocasião das celebrações do 4º centenário da cidade, para que ali possam apresentar as obras de seus respectivos acervos em exposições de longa duração.

Museus vivos e ativos, ambos costumam promover e receber exposições temporárias, que utilizam parte significativa de suas áreas expositivas. Ficava restrito, dessa forma, o espaço para apresentação de suas preciosas coleções, abrigadas hoje em grande parte nas respectivas reservas técnicas.
A iniciativa de formação dos dois museus, em momentos distintos, coube ao industrial e mecenas Francisco Matarazzo Sobrinho, o Cicillo. O MAM de São Paulo surgiu em 1948, ano seguinte ao da fundação do Masp e meses depois do nascimento do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. O MAC, por sua vez, teve origem na dissolução do MAM por Cicillo, em 1963, quando o empresário transferiu o acervo deste museu para a USP.

No final dos anos 40, entusiasmado com a idéia de promover uma Bienal em São Paulo nos moldes da que vira em Veneza, Cicillo resolveu adaptar o modelo. Para tanto, contava com os contatos internacionais de sua mulher, Yolanda Penteado Matarazzo, com o auxílio do Itamaraty e, sobretudo, com a competência da equipe do MAM, chefiada pelo crítico francês Leon Dégand, logo substituído por Lourival Gomes Machado e, a seguir, por Sérgio Milliet.

Desse modo, a partir de 1951, coube ao Museu de Arte Moderna a responsabilidade pela organização das primeiras bienais. O ônus financeiro e o trabalho decorrente da realização desses eventos, no entanto, abalou a estabilidade e o crescimento da instituição. "Os encargos gigantescos decorrentes da iniciativa" -como temia o crítico Mário Pedrosa- arriscavam a sobrevivência "do museu ainda em botão".
As contas a pagar, somadas aos constantes atritos com seus colaboradores no museu, levaram Cicillo à decisão de dissolver o MAM, em 1963. A partir de seu acervo, que incluía aquisições, doações e os prêmios nacionais e internacionais das bienais, e também das coleções particulares de Cicillo e Yolanda, fundou o Museu de Arte Contemporânea, entregue à USP. Paralelamente, com o intuito de dar continuidade às bienais, foi criada a Fundação Bienal de São Paulo, que desde então passou a dispor de autonomia.

Inconformados com a dissolução do MAM, alguns intelectuais dedicados ao museu, com o apoio de artistas e empresários, refutaram a decisão de Cicillo para recriar o museu: já sem acervo, verbas ou sede. Reconquistaram, na Justiça, o direito de preservar o nome da instituição e receberam doações de artistas e a coleção de Carlo Tomagni, que iriam formar o núcleo inicial dessa nova etapa do Museu de Arte Moderna.

A partir de 1969, o MAM conquistou um espaço sob a marquise do Ibirapuera, construção originalmente feita para o Pavilhão da Bahia na 5º Bienal, que, em 1982, foi adaptada por Lina Bo Bardi. Mais recentemente, novas adequações foram feitas para melhor atender às necessidades museológicas. O espaço, porém, continua insuficiente para abrigar a coleção, que cresceu consideravelmente nos últimos anos.

Depois da cessão à USP, o Museu de Arte Contemporânea passou a ocupar, em condições bastante precárias, parte do 3º andar do prédio da Fundação Bienal. Mais de 20 anos se passaram até que obtivesse sua sede definitiva no campus da USP, infelizmente também incapaz de abrigar toda a coleção.

Com acervos complementares e de origem comum, MAC e MAM possuem obras significativas da história da arte moderna brasileira. Em relação à arte internacional, o MAC certamente detém um número maior de obras expressivas, originárias das coleções que herdou. Enfrenta, no entanto, dificuldades em atualizar o acervo, constrangido pela limitação de verbas da universidade.

Na contramão dos anos de agrura que se seguiram ao gesto de Cicillo em 1963, o MAM vem conseguindo preencher lacunas que pareciam intransponíveis, acrescendo ao seu acervo uma considerável coleção de obras contemporâneas.
Ao dividirem um mesmo espaço, que agora lhes é oferecido pela prefeitura, o MAC terá a oportunidade de expandir-se da universidade para a cidade, e o MAM poderá, enfim, comprovar que valeu o esforço de reestruturar-se para se transformar num museu de verdade.

No ambiente do parque Ibirapuera, cada vez mais voltado para a celebração da cultura no meio ambiente, o público será o grande beneficiado com as exposições concomitantes dos dois acervos, que certamente irão se transformar em grande referencial do cenário cultural de São Paulo, como deseja a sua classe artística.


Carlos Augusto Calil, 54, é secretário de Cultura da Prefeitura de São Paulo. Documentarista e escritor, é professor da Escola de Comunicações e Artes da USP. Foi diretor da Embrafilme (1979-86) e do Centro Cultural São Paulo (20001-2005).

Fonte: CALIL, C. A. “Dois em um”. Folha de S. Paulo, Cad. Folha Opinião. Tendências/Debates. 08/02/2006. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0802200609.htm. Acesso em 26/01/2007.