Organizações sociais a serviço do Estado
Considerando a crise do Estado e buscando estratégias consistentes para superá-la, a Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo expõe proposta que visa transformar alguns orgãos públicos em organizações sociais. Museus, escolas de música e orquestras estatais, passariam a ser financiados e gestados por um sistema de parceria entre o governo e sociedade.
Organizações sociais a serviço do Estado
CLAUDIA COSTIN
Uma importante questão que há algumas décadas gravita em torno dos órgãos públicos e incomoda lideranças governamentais é, sem dúvida, a crise do Estado, evidenciada pela ineficiência da máquina administrativa, e as possíveis estratégias consistentes para superá-la.
O historiador da economia Alfred North, vencedor do Prêmio Nobel em 1993, comentou certa vez que administrações públicas competentes e capacidade de governar são também fontes de vantagens competitivas para os Estados nacionais. A observação chama a atenção para este aspecto muitas vezes negligenciado: a necessidade cada vez maior de os governos privilegiarem a eficiência de suas máquinas em prol da competitividade demandada por tempos de globalização. O tema inspira uma questão interessante: como o poder público pode tornar-se mais eficiente? Sabe-se hoje que é por meio de um processo de reconstrução que será possível resgatar a sua autonomia financeira e a capacidade de implementar políticas públicas conjuntamente com a sociedade. O Estado desenvolve atividades em que é necessária certa rigidez para protegê-lo do clientelismo. Um fiscal da Receita Federal ou um policial, por exemplo, não podem ter seu trabalho inibido na investigação, nas ações ou nos investimentos de “amigos do rei”. Por outro lado, há atividades que por sua natureza não são exclusivas de Estado e não incluem poder de polícia, tais como saúde, cultura ou pesquisas científicas. Elas demandam agilidade e apresentam especificidades que pedem um modelo de gestão diferente. A partir deste cenário se projetou a idéia de transformar alguns órgãos públicos em organizações sociais. Isso significa transferir para o setor público não-estatal– o chamado terceiro setor –a produção de serviços não exclusivos do Estado – leia-se segmentos em que a sociedade também pode atuar, como museus, escolas de música e orquestras, entre outros –, estabelecendo-se um sistema de parceria entre governo e sociedade para seu financiamento e controle. Desse modo, o Estado abandona o papel de executor ou prestador direto de serviços, mantendo-se no papel de coordenador, regulador e avaliador. A implantação de uma organização social resulta do processo de parceria com a sociedade civil para atividades do setor de prestação desses serviços, baseado no pressuposto de que eles ganharão em qualidade e agilidade. Para se ter uma idéia, muitos hospitais sofrem com o fato de que os medicamentos para pacientes em estado crítico chegam tarde demais, por conta de entraves em processos licitatórios. No campo da cultura, não seria racional abrir licitação para aquisição de obra de arte ou contratação de bailarina em início de carreira para se aposentar com 70 anos. Essas entidades têm autonomia administrativa muito maior do que a que é possível dentro do aparelho do Estado. Em compensação, seus dirigentes são chamados a assumir uma grande responsabilidade, em conjunto com a sociedade, na gestão da instituição e na melhoria da eficiência e da qualidade dos serviços, atendendo melhor o cidadão-cliente a um custo menor. Além disso, haverá controle e cobrança efetiva de resultados. Não é correto, no entanto, entender o modelo proposto para as organizações sociais como um simples convênio de transferência de recursos, terceirização ou privatização. O Estado continuará dono dos prédios e acervos e não deixará de controlar a aplicação financeira, mas o fará por meio de um instrumento inovador e mais eficaz. Para se tornar uma organização social a instituição deverá seguir os requisitos da Lei Federal n.º 9.637/98 ou da Lei Estadual n.º 846/98. Só assim estará habilitada a receber recursos financeiros e administrar bens e equipamentos do Estado. Em contrapartida, a entidade se obrigará a celebrar um contrato de gestão, pelo qual serão acordadas metas de desempenho – organizacionais, de produção e sociais – que são a expressão da política pública para aquele equipamento ou ação específica e visam a assegurar a qualidade e a efetividade dos serviços prestados ao público. Desta maneira, as ineficiências e irresponsabilidades que atualmente permeiam algumas organizações não-governamentais (ONGs) –conforme bem colocado no Estado, em editorial publicado em 4 de setembro, ao excetuar as organizações da saúde da crítica feita às ONGs – serão evitadas. Este novo modelo sugerido é o caminho para que órgãos ligados à Secretaria de Estado da Cultura sejam mais ágeis, eficazes e tenham maior capacidade de desenvolver a política cultural projetada pelo Estado. Quem sai ganhando é, sem dúvida, a sociedade.
■ Claudia Costin, secretária da Cultura
do Estado de São Paulo, foi ministra
da Administração Pública e Reforma
do Estado no governo