Calil defende a descentralização cultural
FOLHA DE S. PAULO
02 de julho de 2005
FOLHA Opinião - Tendências/Debates
Fonte: CYPRIANO, F. “Calil defende a descentralização cultural”. Folha de S. Paulo, Cad. Folha Ilustrada. 02/07/2005. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0802200609.htm. Acesso em 29/01/2007.
Calil defende a descentralização cultural
FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL
"Revolucionariamente conservador" é a forma como Carlos Augusto Calil, 54, pretende marcar seu período frente à Secretaria da Cultura do município. Empossado há dois meses e meio, após a crise gerada pela renúncia de Emanoel Araujo, Calil, que trabalhou na gestão petista de Marta Suplicy como diretor do Centro Cultural São Paulo, pretende requalificar as instituições com o mote "gestão também é cultura".
Para tanto, uma de suas primeiras medidas será dar independência à Biblioteca Mário de Andrade, ao Centro Cultural São Paulo e ao Teatro Municipal, tornando-os autarquias municipais com orçamento autônomo, mas mantendo fundos públicos.
"É preciso descentralizar, não posso controlar tudo, senão é impossível gerar políticas públicas", diz Calil. Tal ação é contrária à proposta do Estado de dar a gestão de instituições como a Pinacoteca a entidades privadas, por meio das Organizações Sociais. "Creio que esta é uma ação precipitada", afirma.
Outra forma de atuação de sua gestão será um maior controle sobre instituições não-governamentais com função pública, como o Masp (Museu de Arte de São Paulo). "É preciso exigir que elas sejam democráticas. O Masp tem uma dívida anual relativamente baixa, de R$ 1 milhão. Podemos ajudar desde que o museu volte a ter uma atuação correta", diz. O objetivo é usar a Lei Municipal de Incentivo à Cultura apenas para instituições que se adaptem às normas de sua gestão.
Calil prevê ainda uma comemoração, ao longo dos próximos três anos, dos 70 anos da gestão de Mário de Andrade frente à Secretaria da Cultura, de 1935 a 1938. "Ele é a referência mais importante de atuação na Cultura."
Calil conversou com a Folha sobre seus projetos na secretaria. Leia a seguir trechos da entrevista.
Folha - Emanoel Araujo saiu da Secretaria da Cultura reclamando da falta de políticas públicas. Em que situação você encontrou a secretaria?
Carlos Augusto Calil - É muito chato ficar falando de dificuldades, todo mundo tem dificuldade na vida. As dificuldades na secretaria são de dupla natureza: uma desorganização financeira, que correspondia à desorganização financeira da gestão passada. Há muitas dívidas a pagar, da ordem de R$ 20 milhões, e não havia acompanhamento financeiro e de pessoal adequados. O que eu conhecia da secretaria, por conta de minha participação no Centro Cultural, é uma dificuldade muito grande de planejar e uma estruturação do gabinete que não era a mais eficiente e racional. Eu já havia proposto uma reestruturação, tanto ao secretário Marco Aurélio Garcia, que foi quem me trouxe e é meu amigo, quanto ao Celso Frateschi. O primeiro não teve tempo, e o outro teve outras prioridades. Agora vamos trabalhar pela melhoria da eficiência da gestão, pois gestão também é cultura, parafraseando o Gustavo Dahl que afirmou que "mercado também é cultura".
Folha - Como fica o Museu Afro Brasil, criado por Emanoel Araujo?
Calil - Uma das coisas complicadas na cultura é a criação de uma instituição nova sem o devido cuidado com pessoal e orçamento, não há ambos no Museu Afro nem na galeria Olido. Isso é uma loucura. As duas estão criadas e vão ter que ser resolvidas, vou ter que tirar dinheiro de algum lugar. Nosso orçamento, de R$ 155 milhões, está congelado em 36%, o que significa uma redução de capacidade de operação enorme e a situação não está nada fácil.
Folha - Uma das razões alegadas por Araujo para sair foi a criação de museus, como do futebol e da criança, de forma desordenada. Eles serão criados?
Calil - O Emanoel é um homem de museu, certo? Então ele tem muito cuidado com isso. As iniciativas do prefeito são de caráter híbrido, não são propriamente museus. O Museu do Futebol é uma instância do ato de torcer, um lugar onde as pessoas poderão reconhecer suas paixões, não é bem um museu, mas uma Galeria do Torcedor, nome que talvez fique. Terá nosso apoio, mas está sendo organizado pela Secretaria de Esportes. Ele será criado no estádio do Pacaembu, numa área hoje mal utilizada, com antigos dormitórios para atletas.
Folha - E o museu da criança?
Calil - Não é um museu, é inspirado numa instituição mexicana chamada Museo de los Niños, mas não tem brinquedo, é uma feira interativa. Há uma parte com vinculação científica e outra parte como um supermercado.
Folha - Mas isso é um incentivo ao consumo.
Calil - Sim, pois no México há uma parte científica, outra artística e outra arqueológica. É uma fundação privada que funciona com venda de ingressos e patrocínios. Aqui, o que se desenha é uma fundação pública da prefeitura, que vai ter condições de oferecer ingresso gratuito ou muito barato. Ele deve funcionar onde é hoje a Administração Regional da Sé, na Luz, e se chamar Catavento.
Folha - Já há uma carência para a manutenção dos espaços atuais, como a própria Pinacoteca Municipal, que nem sequer local definitivo possui. A prefeitura precisa criar mais museus em vez de cuidar do que existe?
Calil - É preciso tomar muito cuidado, mas essas são iniciativas que não são da Secretaria da Cultura e que não vão tirar dinheiro da Cultura. Elas estarão subordinadas ao Anhembi.
Folha - E em relação à Oca, a secretaria vai cuidar daquele espaço?
Calil - Não fiz questão de trazer a Oca para mim, mas a Cultura programará a Oca a partir do ano que vem. O problema da Oca é que o secretário [do Verde e do Meio Ambiente] Eduardo Jorge entende a Oca como fonte de receita do parque Ibirapuera, e eu sou fã do parque. Acho que São Paulo deveria ter muito mais parques. Não vou tirar receita do Ibirapuera.
Folha - Mas a programação deste ano é lamentável, o que irá ocorrer no próximo ano?
Calil - Eles não tinham condição de fazer uma programação, apenas atenderam uma demanda. Mas o que o Edemar Cid Ferreira fez, em relação à Oca, além de ganhar de mão beijada aquele espaço, foi dar à Oca um caráter espetacular de grandes exposições. Eu não sei se a era dos grandes investimentos vai continuar, mas por enquanto acabou. Estamos tentando, junto à Secretaria de Relações Internacionais, trazer mostras de países, como o British Museum, de Londres, por exemplo, outra de Paris, de Berlim e do México. A Oca é o lugar das grandes exposições, e o prefeito sabe disso. Como vamos fazer isso funcionar, ainda não sabemos, pois o dinheiro que circulava na BrasilConnects é de outra dimensão.
Folha - Há outros espaços no parque, como o prédio da Prodam, que é disputado pelo MAM e pelo MAC. Quem vai para lá?
Calil - O certo é que até o fim dessa gestão o prédio da Prodam estará livre para a ocupação de um museu. Se será o MAM, o MAC ou os dois, como quer o prefeito, isso ainda não se sabe. É uma engenharia política complicada, e o custo para a Prodam sair de lá é muito caro, de R$ 20 milhões.
Folha - Se são frágeis institucionalmente, como o secretário pode atuar em relação a essas entidades?
Calil - É preciso ter uma política para organizações públicas e não governamentais. Por exemplo, exigir que sejam democráticas.
Folha - Mas a prefeitura dá cerca de R$ 1 milhão por ano ao Masp. Como cobrar melhoria?
Calil - Ela pode dar, não é obrigatório. É preciso ter uma contrapartida. Já disse ao Júlio Neves que a população paulistana espera do Masp uma atuação mais forte em razão do que esse museu representa para o país. No momento que a secretaria for capaz de formular uma política pública para as instituições não-governamentais, o Masp, se quiser se beneficiar, terá que se submeter às regras que vamos criar.