Inhotim, um centro cultural mineiro cercado de privilégios
O mais recente: para facilitar o acesso ao local, que fica a cerca de 60 km de Belo Horizonte, o governo de Minas primeiro construiu a estrada Barreiras-Brumadinho. Agora, Inhotim queixou-se que a pontezinha que dava acesso ao gigantesco museu era estreita. Não teve problema: o governo de Minas Gerais começou a construir em tempo recorde, 180 dias, uma portentosa ponte de R$ 2,5 milhões sobre o Rio Manso, além de pavimentar o trecho. Na semana passada, caminhões e tratores trabalhavam furiosamente para finalizar o acesso, embora a velha ponte dê conta do serviço tranquilamente.
Do governo federal, Inhotim ganhou recentemente a possibilidade de obter renúncia fiscal da ordem de R$ 13 milhões para gastar no seu plano anual de atividades de 2010 a 2011 (vem sendo habilitado para tanto desde 2008, quando captou R$ 1.595 000,00). Somente para a agenda cultural de 2009, teve aprovados R$ 1,1 milhão da Lei Rouanet. Tem patrocínios generosos da Petrobras e outras estatais mineiras. Ainda assim, cobra R$ 15 pela entrada.
Peças de Edgard de Souza e palmeiras ao fundo. Foto: Nilton Fukuda/AE
Inhotim é como um buraco negro espacial, vai crescendo e engolindo matéria. Mas às vezes encontra resistência. No mês passado, o Tribunal de Contas da União (TCU) descobriu que Inhotim pretendia fazer a municipalidade construir um Centro de Convenções em um dos seus terrenos. Detalhe: doaria o terreno, mas em troca queria o usufruto do Centro de Convenções durante 20 anos. O TCU brecou a manobra.
"Vedado o estabelecimento de condição que confira à entidade privada a gestão do empreendimento que será construído, cuja exploração é prerrogativa do poder público", escreveu o juiz auditor, Augusto Sherman Cavalcanti, ao negar o pedido.
Apesar do percalço, Inhotim continua crescendo pelas beiradas. No dia 29, o centro de arte apresenta 9 novas aquisições de arte contemporânea, obras de gente como Mattew Barney, Doug Aitken, Chris Burden e Yoyoi Kuzama.
No pequeno município de Brumadinho (no Vale do Paraopeba, a 50 km de Belo Horizonte), não pega bem falar mal de Inhotim. Para uma economia baseada na cachaça e na extração mineral, com tímida produção cultural local, o megacentro é uma redenção em todos os sentidos. Só para se ter uma ideia: para orientar os visitantes nos pavilhões dos artistas, foram contratados 68 estudantes das faculdades locais.
"Até o final do ano, serão contratados mais uns 30", disse um dos garotos que trabalham como monitores. "É gente das faculdades de artes, de História, mas tem também gente de Matemática, de setores que não tem nada a ver com arte", revelou Dona Inês, que vende artesanato de barro na estrada Barreiras-Brumadinho, não titubeia quando é perguntada sobre o quanto houve de incremento na venda de suas modestas peças após a abertura do Centro de Arte Contemporânea. "Ah, cresceu 100%", jura.
'Magic Square', uma obra de Hélio Oiticica. Foto: Nilton Fukuda/AE
O museu conta com agressiva política de residências artísticas. Mas nem sempre mete a mão no bolso para realizar seus projetos. Na semana passada, teve aprovado pelo Iphan o projeto Manifestações Culturais Quilombolas do Vale do Paraopeba, pelo qual concorria com outras 95 propostas do País. É um programa de patrimônio cultural imaterial. Mas o Iphan entra com R$ 105 mil, e a contrapartida de Inhotim é de apenas R$ 4,3 mil. A diretora-executiva de Inhotim diz que a missão do centro de artes é "promover a educação continuada mediante contato estreito com a arte contemporânea e o meio ambiente".
Criador de museu era empresário, hoje vive enfronhado com a arte
Na quinta-feira passada, por volta das 14 h, um homem de cabelos compridos, camisa-bata branca, calça de tecido mole e chinelos brancos caminhava em direção ao restaurante de Inhotim - um bufê de 5 estrelas, metade das mesas ao ar livre, com peras recheadas de gorgonzola, saladas de endívias e doces típicos mineiros.
Cabelos grisalhos e longos, andar arrastado e seguro, o homem de uns 50 e poucos anos parecia um pouco uma mistura de Oswaldo Montenegro com Kris Kristofferson. Ele entrou e se dirigiu a uma mesa nos fundos, dedicando-se a algo que parecia uma séria reunião de negócios enquanto almoçava. Depois, com um cigarro apagado entre os dedos, caminhou em direção ao espelho d’água que fica no teto do Centro Burle Marx. Ali, começou a abrir caixas de papelão e espalhar pessoalmente, assistido por funcionários, as bolas metálicas que compõem a novíssima instalação da japonesa Yayoi Kusama, "Jardim de Narciso".
O homem era o empresário Bernardo Paz, figura controversa das artes nacionais, um mecenas que já declarou publicamente não gostar de "artista morto". Paz é irmão de Cristiano Paz, ex-sócio de Marcos Valério (o operador do chamado "mensalão") na SMP&B e DNA Propaganda.
Entretanto, forçar uma associação imediata da gestão de Inhotim com esse grupo, sem comprovação, pode servir somente a interesses políticos. Recentemente, um jornal da região reproduziu declaração do senador José Nery (PSOL-PA), afirmando que este protocolaria requerimento para incluir Inhotim na CPI da Petrobrás. Nery diz que nunca deu a declaração e nem integra a CPI.
Paz é dono da Itaminas, que já esteve entre as maiores produtoras de ferro de Minas. No ano passado, colocou à venda um dos principais ativos da empresa, uma mina de ferro com reservas de 1,3 bilhão de toneladas. Segundo o jornal "Valor Econômico", a Itaminas é do fim dos anos 50 e de controle familiar. Em Sete Lagos e Itatiaiuçu, o grupo opera três produtoras de ferro-gusa, e essa produção fez com que o grupo fosse acusado de agressão ao meio ambiente.
Paz vive literalmente enfronhado entre arte contemporânea (reside ali mesmo). E foi ali que, em 2005, casou com a artista Adriana Varejão, numa festa para 300 convidados. Adriana, é claro, tornou-se dona de um dos mais portentosos pavilhões do centro.
Nilton Fukuda/AE
Bernardo Paz monta pessoalmente a instalação de Yayoi Kusama, 'Jardim de Narciso'