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Edemar é acusado de desviar verba para arte

Procuradoria afirma que ex-banqueiro usou dinheiro de clientes para bancar exposições como a de Picasso; advogado nega Esquema, diz Ministério Público, incluía repasse de fora à Maremar, que fazia empréstimos à Brasil 500 Anos e à BrasilConnects

 

FOLHA DE S. PAULO

18 de junho de 2006

FOLHA Dinheiro

Fonte: CARVALHO, M.C. Edemar é acusado de desviar verba para arte. Folha de S. Paulo. Cad. Folha Dinheiro. 18/06/2006. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi1806200607.htm. Acesso em 19/06/2006.


Edemar é acusado de desviar verba para arte

por MÁRIO CÉSAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

 

A BrasilConnects e a Associação Brasil 500 Anos, empresas de Edemar Cid Ferreira que realizaram exposições célebres como as de Picasso e dos guerreiros chineses, receberam recursos desviados do Banco Santos, segundo o Ministério Público Federal.
Uma das empresas usadas para repassar recursos para as exposições, a Maremar, emprestou R$ 166 milhões à BrasilConnects e a Associação Brasil 500 Anos entre 1999 e 2004, de acordo com a procuradoria. Os empréstimos nunca foram quitados pelas duas empresas.
As acusações do procurador Silvio Luís Martins de Oliveira sobre a BrasilConnects foram aceitas pela Justiça Federal e agora fazem parte de uma ação penal em que são rés a mulher de Edemar, Márcia Cid Ferreira, e a irmã do ex-banqueiro, Edna Ferreira de Souza e Silva, entre outros. Edemar está preso há 23 dias, sob a acusação de ocultar o destino de obras de arte que tem na Europa e de tentar obstruir a Justiça.

Mundo novo
A BrasilConnects foi criada em 1999 e parecia ter inaugurado uma nova era no mercado de exposições no país. As montagens eram espetaculares, a organização, primorosa, os curadores e cenógrafos ganhavam como se vivessem em Nova York e havia uma preocupação com estudantes rara no Brasil.
No exterior, o susto que a BrasilConnects provocou não foi menor. A empresa organizou exposições em alguns dos maiores museus do mundo -do Guggenheim de Nova York ao British Museum de Londres e ao Jeu de Paume parisiense.
A BrasilConnects captou R$ 34,1 milhões por meio da Lei Rouanet, segundo o Ministério da Cultura. Como o dinheiro captado junto a patrocinadores nunca cobria os custos das exposições, a dúvida era: como Edemar conseguia bancar mostras tão grandiosas com um banco tão modesto?

A lavagem
O levantamento do Ministério Público Federal sobre as movimentações internacionais de recursos de Edemar dá algumas pistas sobre o paradoxo da BrasilConnects. O dinheiro das exposições era desviado do Banco Santos, segundo o procurador Martins de Oliveira.
O caso mais notório de recebimento de recursos do exterior talvez seja o da Maremar, na interpretação do procurador. A empresa foi fundada em 1991 por Edemar e sua mãe, Marina Cid Ferreira. Quatro anos depois, uma empresa "offshore" chamada Valence entra no quadro societário da Maremar e passa a controlar a empresa. Em 1998, a mulher de Edemar, Márcia Cid Ferreira, entra como sócia minoritária na empresa, mas o controle fica com a Valence. Em 2003, outra "offshore", a Principle, toma o lugar da Valence como controladora da Maremar.
A Maremar nunca produziu um saco de pipoca, não tinha bens, mas seu capital aumentou de R$ 1,7 milhão em 1995 para R$ 607,6 milhões em 2004, salto de 35.600%, segundo dados reunidos pelo procurador. A ascensão espetacular do capital da Maremar foi revelada pela Folha em 26 de novembro de 2004, duas semanas após o Banco Central intervir no Banco Santos.
A Maremar teve esse aumento espetacular de capital porque recebeu recursos de fora do Brasil -os aportes externos somam US$ 306.410.243,21, segundo relatório do BC anexado à denúncia pelo Ministério Público Federal.
Outras três empresas criadas por Edemar, a Atalanta, a Cid Collection e a Rutherford, receberam de fora, respectivamente, US$ 51,7 milhões, US$ 2,6 milhões e US$ 170,4 milhões, segundo informações do BC. A Atalanta foi criada para administrar a construção da casa do banqueiro, e a Cid Collection, como o próprio nome indica, cuidava da coleção de arte. Os recursos externos que vieram a essas quatro empresas somam US$ 531,2 milhões (o equivalente a R$ 1,19 bilhão).
Esse montante foi subtraído do banco, afirma o procurador na denúncia: "Estamos diante de uma antiga e bem conhecida estratégia destinada a conferir aparência de legitimidade a capitais de origem criminosa. Nessa estratégia, empresas nacionais recebem investimentos de seus sócios estrangeiros que, na verdade, são os próprios sócios nacionais protegido pelo anonimato garantido a empresas "offshore" sediadas em paraísos fiscais".
Obras de arte também foram compradas com recursos dos correntistas do Banco Santos, diz o procurador Silvio Luís Martins de Oliveira.
Nesse caso, o esquema era mais simples -os recursos que Edemar Cid Ferreira captava dos clientes para aplicar no exterior eram usados para pagar a Sotheby's ou a Christie's, as casas de leilões em que ele era um dos maiores clientes.
Edemar captava recursos da clientela do Banco Santos para aplicar no Bank of Europe, um banco que ele tinha em Antígua, ou na "offshore" Alsace-Lorraine. A partir da contabilidade da Alsace-Lorraine, o Ministério Público descobriu que investimentos dos clientes viraram obras de arte. O pagamento de quatro obras caras constam dos gastos da Alsace.


Fonte: CARVALHO, M.C. Edemar é acusado de desviar verba para arte. Folha de S. Paulo. Cad. Folha Dinheiro. 18/06/2006. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi1806200607.htm. Acesso em 19/06/2006.