Análise da Cdurp aponta irregularidades que envolvem a Fundação Roberto Marinho
Parecer da Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro (Cdurp) de 2018 aponta fortes indícios de favorecimento à Fundação Roberto Marinho (FRM) em resposta a questionamento do Tribunal de Contas do Município (TCM), sobre a contratação da gestora do Museu do Amanhã. O documento enviado ao TCM indica que a concorrência de 2014 para contrato de R$ 31,1 milhões (hoje R$ 40,2 milhões em valores atualizados) foi marcada por irregularidades em duas etapas.
Na primeira licitação, a gestão ficaria com a Associação para Gestão de Unidades Administrativas Sociais (Aguas), concorrente que preencheu todos os requisitos técnicos. No entanto, o Instituto de Desenvolvimento e Gestão (IDG), com quadro de executivos egressos da FRM, venceu de forma suspeita uma segunda licitação que escolheu o atual gestor do Museu do Amanhã.
O documento da Cdurp detecta possível manobra protelatória por parte de ex-executivos da FRM para comprometer a primeira licitação, posteriormente cancelada, e favorecer o IDG em uma segunda rodada. Como o instituto não apresentava todos os documentos exigidos para se qualificar como licitante, protocolou pedido de impugnação do certame questionando a necessidade de tais documentos para classificação. A impugnação foi rejeitada pela Cdurp, mas o IDG não foi desclassificado. Se o fosse, não haveria uma segunda licitação. E o Instituto Aguas seria o titular do contrato.
Paralelamente, o IDG obteve a certificação que lhe garantiu o direito de participar da segunda licitação, realizada após a anulação da primeira por conta de frágil argumentação legal. As circunstâncias evidenciam a intenção de alterar o resultado com o lançamento da segunda licitação.
Ao assumir a administração municipal, o prefeito Marcelo Crivella determinou que os contratos do Porto Maravilha passassem por análise minuciosa. O TCM constatou que a concorrência para gestão do Museu do Amanhã apresentava inconsistências e determinou a abertura de sindicância que levou às seguintes conclusões:
1 – CANCELAMENTO DA PRIMEIRA LICITAÇÃO
Lançada em 23 de junho de 2014, a licitação para contratação do gestor do Museu do Amanhã a partir do Edital 001/2014 foi anulada em 30 de outubro sob a justificativa de que havia uma diferença na redação sobre os critérios para julgamento da proposta econômica. Isso violaria o princípio da segurança jurídica.
O certame foi anulado; e o lançamento de um segundo Edital (nº 003/2014) em 5 de novembro de 2014 abriu caminho para que o IDG fosse sagrado vencedor e garantisse o contrato milionário meses depois.
2 – EXIGÊNCIA DA QUALIFICAÇÃO COQUALI
O IDG não apresentava a certificação da Comissão de Qualificação de Organizações Sociais (Coquali) emitida pela Secretaria Municipal de Cultura (SMC) na data de recebimento das propostas, requisito para tornar-se licitante. Apesar disso, o instituto protocolou pedido de impugnação desta cláusula a fim de garantir sua participação, em uma manobra claramente protelatória. A Cdurp rejeitou o pedido de impugnação. Nesse intervalo de tempo, o IDG conseguiu sua certificação em prazo meteórico. Na segunda licitação, o instituto já tinha recebido o certificado, qualificando-se.
No entendimento da Cdurp, nem o pedido de impugnação deveria ter sido aceito à época, porque sem a certificação o IDG não poderia questionar a licitação na qualidade de licitante. Não habilitada para participar do certame, o concorrente teria sido o vencedor da licitação, sem que houvesse um segundo edital.
3 – RAÍZES DO IDG NA FUNDAÇÃO ROBERTO MARINHO
Durante o processo de concorrência, ao apresentar experiência profissional do presidente do IDG, Ricardo Piquet, o currículo descrevia clara e abertamente sua passagem por 11 anos na Fundação Roberto Marinho como gerente de Desenvolvimento Institucional (2001 a 2011) e superintendente de Patrimônio e Meio Ambiente (2000).
A FRM participou da elaboração do edital e da concepção do projeto do Museu do Amanhã, ou seja, elaborou as regras do jogo. A proximidade de ex-executivos da FRM com o IDG fere o princípio da isonomia previsto na Lei 8.666/93, uma vez que pode caracterizar a possibilidade de acesso a informações estratégicas que configurariam vantagem técnica na elaboração de proposta.
Ironicamente, esta é a mesma acusação feita pelas Organizações Globo ao Consorcio Rio Motorsports como elaborador do edital de licitação e vencedor da licitação para construção do Novo Autódromo de Deodoro.
4 – IRREGULARIDADES PROCESSUAIS
O presidente da Cdurp, Antonio Carlos Mendes Barbosa, em seu despacho na sindicância interna datada de 2018, concluiu haver indícios de irregularidades e encaminhou para ciência do TCM, da Procuradoria Geral do Município (PGM), da Controladoria Geral do Município (CGM) e SMC – secretaria responsável pelo contrato de gestão do equipamento desde 2017. Esses órgãos vão aprofundar investigações que podem estudar a necessidade de cancelamento do contrato de gestão do IDG no Museu do Amanhã. Adicionalmente, os órgãos de controle da prefeitura definirão a responsabilização de possíveis ilícitos.
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