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Manifesto de artistas e marchands critica venda de Pollock pelo MAM

por Paula Autran e Alessandro Giannini (de São Paulo) - O GLOBO

Documento já reúne 179 assinaturas, mas outras vozes saem em defesa do Museu.


 

RIO — O anúncio de que o Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio decidiu vender a tela “Nº 16”, de Jackson Pollock (1912-1956), está mobilizando o mundo das artes. Nesta quarta, um manifesto foi lançado contra a possível operação, que seria a forma encontrada pela instituição carioca de se sustentar e poder investir, num momento de dificuldade na captação de recursos e receitas em queda.

No documento — já assinado por 179 artistas, críticos, curadores, marchands, museólogos e fotógrafos —, o grupo defende um “choque de gestão” no museu, e “que se convoque uma administração ativa, com visão estratégica e plano de governança, antenada com a contemporaneidade da arte para que o MAM volte a ser o mais importante museu da cidade”.

— Estamos todos estupefatos com esta ideia. Tapar um buraco financeiro não justifica isso — argumentou o curador Leonel Kaz, integrante do conselho do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), que se posicionou contra a venda desde o anúncio, no último dia 19.

“É HORA DE MUDAR”

Leonel Kaz assina o documento com artistas como Luiz Zerbini, Waltercio Caldas, Adriana Varejão, Vik Muniz, * e Raul Mourão; colecionadores como Alvaro Piquet e Marcio Fainziliber; críticos como Paulo Sergio Duarte e Felipe Scovino; marchands como Marcia Fortes, Mauricio Pontual e Marcio Botner; e fotógrafos como Claudio Edinger e Rogerio Reis, assim como Luiz Camillo Osório, ex-curador do MAM.

— Todo mundo tem o maior carinho pelo MAM. Vender um quadro como este para resolver questão administrativa do museu é atitude simplista — disse Zerbini. — A gente reconhece o trabalho da atual direção do MAM, mas é hora de mudá-la.

‘“Vender um quadro para resolver questão administrativa do museu é atitude simplista”’

- LUIZ ZERBINI - Artista

 

 

Procurada, a direção do MAM não quis comentar o assunto. Mas, de acordo com seu presidente, Carlos Alberto Chateaubriand, em entrevista ao GLOBO na ocasião do anúncio da venda, a escolha da tela se deu por alguns motivos. Um é seu valor de mercado. Afinal, desfazendo-se de uma única obra, a arrecadação garantiria recursos por um longo período.

Outra razão é o fato de ela não estar relacionada com o foco da coleção: arte brasileira moderna e contemporânea. Com a venda do quadro de Pollock, o MAM pretende arrecadar até US$ 25 milhões. A proposta é manter este valor bruto num fundo administrado por uma instituição financeira, com seu uso gerido por um comitê e auditado pela PricewaterhouseCoopers. E só utilizar parte dos rendimentos anuais para despesas de custeio, manutenção e aquisição de acervo.

Diante da controvérsia, o museu decidiu tirar a tela da exposição “Estados da abstração no pós-guerra”, que segue em cartaz até 24 de junho, para preservá-la.

A opção do MAM, que é uma instituição privada, já havia gerado reações diversas nos órgãos federais de cultura do país. Além do Ibram, o Conselho Internacional de Museus (Icom) e o Fórum Brasileiro pelos Direitos Culturais, que congrega 160 instituições, manifestaram-se contra. Mas o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) disse que a obra de Pollock não é tombada — aliás, nem seu acervo é tombado —, portanto sua venda não requer autorização federal.

‘Estou sendo realista: quem vai pagar as contas do MAM?’

- RONALDO CEZAR COELHO - Colecionador

 

 

O Ministério da Cultura, por sua vez, apoiou a decisão do museu carioca. O órgão afirmou em nota, na ocasião, que “reconhece e valoriza a autonomia do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro”. E que a venda do quadro de Pollock “irá assegurar a conservação adequada” de todo o acervo remanescente do museu.

“NÃO EXISTE SOLUÇÃO FÁCIL”

Do lado do MAM também há nomes importantes do mundo das artes. Como o artista José Bechara, que faz questão de salientar que ser a favor da venda de um Pollock ninguém é, nem o próprio museu:

— A situação é muito complexa. E não existe solução fácil. Até onde sei, o MAM precisa fazer isso. E acho normal que o faça, se precisa. Até para privilegiar a produção brasileira, adquirindo mais obras e realizando mais exposições.

O colecionador Ronaldo Cezar Coelho, que já fez parte da diretoria do museu, é outro que diz entender a situação da instituição carioca.

— A manifestação, de muitos amigos meus inclusive, é legítima. Mas eu compreendo o gestor. Aliás, a direção como um todo, pois não dá para personalizar a decisão de vender, já que ela foi aprovada pelo conselho do museu — pondera ele. — Estou sendo realista: quem vai pagar as contas do MAM?

Para os signatários do manifesto, mirar no exemplo de outras instituições de arte do país poderia ser uma boa ideia. Segundo Leonel Kaz, o Museu de Arte de São Paulo (Masp) tinha uma dívida dez vezes maior que a do MAM há dois anos, mas conseguiu recuperar sua saúde financeira profissionalizando sua gestão e com uma administração transparente.

(O Masp) Não vendeu uma única obra de arte! Resultado: hoje, está com dinheiro em caixa, ampliou sua visitação, voltou a se inserir no circuito internacional”, defende o manifesto.

Em nota, o Masp informou que, com as mudanças de governança, tem hoje aproximadamente R$ 20 milhões em caixa e todas as dívidas foram equacionadas. “Com o objetivo de garantir a sustentabilidade financeira de longo prazo, o Masp criou o primeiro endowment de museus do país, arrecadando R$ 17 milhões em doações em pouco menos de um ano de criação”, diz a nota, que conclui: “Esse modelo funcionou para o Masp. Cabe a cada museu buscar seu caminho para atingir sua sustentabilidade financeira”.

O manifesto também chama a atenção para o fato de esta ser a única obra de Pollock existente no Brasil e para a “trajetória ferida” do MAM, pelas perdas ocorridas no incêndio que sofreu em 1978: “Ficamos décadas sem receber exposições internacionais. Agora, 40 anos depois, o museu volta a ser alvo de crítica internacional, já que além da importância artística em si a obra foi doada por Nelson Rockefeller”.

— (A exposição) “Queermuseu” conseguiu viabilizar sua vinda ao Rio com uma campanha online de financiamento que arrecadou mais de R$ 1 milhão. Não haveria outra forma de conseguir dinheiro? Com o manifesto, estamos nos colocando à disposição para ajudar a conseguir recursos. Só não dá para o MAM ficar numa torre de cristal — acrescentou Kaz.

* Os responsáveis pelo manifesto chegaram a divulgar que o artista plástico Carlos Vergara estava entre os signatários do documento, mas informaram hoje que cometeram um erro: quem assinou o manifesto foi o doutor em arte-educação Luiz Guilherme Vergara. Além disso, havia duplicidade nomes de Frederico Coelho (que também aparece como Fred Coelho) e Marisa Mello.

 

CONFIRA A ÍNTEGRA DO MANIFESTO: AQUI

Fonte: https://oglobo.globo.com/cultura/manifesto-de-artistas-marchands-critica-venda-de-pollock-pelo-mam-22556555#ixzz5G4psui9F