UFMG não tem museólogos em 22 de seus 25 museus
Denúncia do Conselho Regional de Museologia sobre a falta de profissionais é investigada pelo Ministério Público Federal (MPF)
O incêndio que atingiu o Museu de História Natural e Jardim Botânico da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) no inicio desta semana trouxe à tona os problemas encontrados por museus em todo o país. Segundo o Conselho Regional de Museologia (Corem), a UFMG tem hoje três museólogos em seu quadro de funcionários. Ao todo, a universidade possui 25 museus.
O Ministério Público Federal (MPF) abriu inquérito para investigar a falta dos profissionais nos museus universitários. De acordo com o presidente do conselho, Felipe Carvalho, desde 2016 existe uma resolução no Conselho de Museologia que obriga que todo museu tenha ao menos um museólogo em seu quadro de funcionários.
No caso do Museu de História Natural e Jardim Botânico, o local contava com um profissional responsável. Mas segundo Carvalho, existem museus e centros culturais na universidade que possuem profissionais assinando documentos como se fossem museólogos. Ele cita como exemplo o Centro de Memória da Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (Cememor).
"Desde 2017 estamos preocupados com a forma em que a UFMG vem conduzindo as atividades. Antes da nossa denúncia, nessa época, havia um único museólogo para todos os museus da universidade. O museu da Escola de Engenharia e Arquitetura, por exemplo, são alguns dos museus que não existe o profissional específico, são profissionais atuando nestes locais que não possuem a formação adequada e assinando como se fossem museólogos. Isso é exercício ilegal da profissional. Na escola de Medicina há um plano museológico assinado por uma historiadora", afirma.
Para atuar como museólogo, a lei exige que o profissional tenha diploma de bacharelado, mestrado, doutorado ou licenciatura plena em Museologia. É responsabilidade do museólogo, por exemplo, planejar, organizar, administrar, dirigir e supervisionar os museus e exposições; solicitar o tombamento de bens culturais; conservar, manipular e divulgar o acervo museológico; além de classificar e executar serviços de identificação dos bens culturais. O museólogo também é o responsável por realizar perícias destinadas a apurar o valor histórico, artístico ou científico de bens museológicos, assim como a sua autenticidade.
"O museólogo ele assume civil e criminalmente pelos seus atos, ele que é o grande especialista em museus. Se existe outras pessoas assumindo o exercício desse profissional é porque significa que existe uma demanda real desses profissionais. Sabemos que essa não é uma realidade só da UFMG, mas um problema que acontece no Brasil inteiro. É a falta de orçamento e aplicação dos recursos públicos", pontuou Carvalho.
Segundo o Ministério Público Federal (MPF), o inquérito tramita sob sigilo desde 2017. Ainda não há uma previsão de conclusão das investigações.
Para o órgão, a UFMG informou que não possui vagas para o cargo de museólogo e que depende da liberação do Ministério da Educação para realizar concurso público para a designação de profissionais. Já o MEC, por sua vez, respondeu que não dispõe desse cargo no Banco de Técnicos-Administrativos, e não há, até este momento, previsão de aprovação de Projeto de Lei para criação deste e demais cargos em deficit.
Procurada, a UFMG informou que encaminhou pedidos e solicitações ao Ministério da Educação - antes da proibição da abertura de novos concursos públicos federais pelo poder executivo, em fevereiro deste ano -, mas a instituição não foi atendida.
O último concurso para o preenchimento de cargos de museólogo na universidade aconteceu em 2016. Foram ofertadas três vagas, duas para Belo Horizonte e uma para Tiradentes, na região Central do Estado, onde a UFMG tem um campus Cultural.
Ainda segundo a universidade, os demais servidores que trabalham nos espaços museológicos, tais como arquitetos, arquivistas, engenheiros, biólogos, jardineiros, contra-mestres, entre outros, exercem atividades inerentes aos seus respectivos cargos. "A UFMG, ou qualquer outra instituição pública federal, não pode efetuar a contratação de museólogos por meio de terceirização, pois a lei (a terceirização na Administração Pública se dá nos termos da Lei 8.666/93) veda a terceirização de profissionais para os cargos que figuram no Plano de Cargos e Carreira dos Técnico-Administrativos em Educação", destacou a UFMG por meio de nota.
O Ministério da Educação ainda não se manifestou sobre a investigação.
Perícia
Nesta terça-feira (16), a Polícia Federal (PF) iniciou os trabalhos de perícia no prédio do Museu de História Natural e Jardim Botânico da UFMG. O incêndio destruiu três salas da reserva técnica do museu. No local ficavam guardados acervos que não estão em exposição.
De acordo com a PF, os peritos fizeram escaneamento em três dimensões do prédio atingido pelo fogo e também coletaram amostras para realização de exames químicos. Os profissionais trabalharam na perícia do Museu Histórico Nacional do Rio de Janeiro que pegou fogo em 2018.
Famoso por abrigar um dos grandes tesouros da arte popular mineira, o Presépio do Pipiripau, o Museu guarda um acervo formado por 265.664 itens contextualizados nas áreas da Arqueologia, Paleontologia, Geologia, Botânica, Zoologia, Cartografia Histórica, Etnografia e Arte Popular. O conjunto tem ainda uma biblioteca com 3.750 livros e 19.134 números de periódicos, assim como um expressivo conjunto de fotos e de documentos.
Em relação a perícia, a UFMG informou que relação do material atingido só será divulgada depois da conclusão da investigação.
Segundo o Corpo de Bombeiros, o local não tem auto de vistoria válido. Em 2011, a corporação constatou irregularidades no Sistema de Combate a Incêndio e Pânico (SCIP) e a falta do AVCB. Mais duas vistorias foram feitas em 2018 e nada foi feito no local.
"Após constatar que as irregularidades não haviam sido sanadas, foi adotada a sanção administrativa de Advertência Escrita para que os responsáveis tomassem as devidas providências", afirmou a corporação.
Irregularidades
Cerca de 7,5 mil imóveis de interesse cultural, entre museus e prédios tombados em Minas Gerais, não possuem sistemas de prevenção a incêndio e pânico. As falhas constatadas motivaram o MP a instaurar quase 500 inquéritos para investigar as medidas de prevenção a incêndios em bens de interesse cultural (museus e igrejas) no Estado.
O número de inquéritos instaurados pelo MP, que investigam a situação de segurança em museus e prédios tombados, saltou de 200 em março para quase 500 em maio.
As penalidades previstas para os locais irregulares vão desde advertência e multa até interdição parcial ou total das atividades. Os responsáveis por esses espaços também podem ser processados para que sejam obrigados a regularizar a situação, informou o MPMG.
Em nota, o Estado garantiu que cumpriu todas as medidas de prevenção sugeridas pelo Corpo de Bombeiros, corporação responsável pelas vistorias, nos museus de Minas que apresentavam irregularidades. "As medidas da legislação foram devidamente aplicadas. E os responsáveis orientados quanto ao processo de regularização", ressaltou.
Ainda conforme a Secretaria de Estado de Cultura e Turismo (Secult), 432 estabelecimentos foram identificados pelos bombeiros como museus. Deste total, 127 estavam desativados ou eram virtuais/itinerantes. "Explicamos que a legislação que trata da segurança contra incêndio e pânico não abrange todos os bens de interesse cultural, considerando que há uma ampla classificação desses equipamentos. Sendo assim, não é possível precisar quantos possuem o Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVC)", informou.
Edital para o Fundo Estadual de Segurança Contra Incêndio, Pânico e Intrusão foi adiado
Estava previsto para março a segunda etapa do edital Museu Seguro, que destinaria R$ 2 milhões para o Fundo Estadual de Segurança Contra Incêndio, Pânico e Intrusão. Suspenso em decorrência da pandemia de Covid-19, o objetivo, segundo o Estado, era tornar os museus e os centros culturais do Estado mais protegidos, assegurando a preservação de seus acervos.
A Secretaria de Estado de Cultura e Turismo (Secult) informou que está revisando o calendário de editais para readaptá-los às necessidades emergenciais surgidas durante a pandemia.
Na primeira etapa do programa, realizada em 2019, o executivo destinou R$ 1,5 milhão a 11 projetos aprovados. Segundo a pasta, a primeira fase está em fase de habilitação e contratação. A segunda etapa seria destinada Sociedade Civil (Pessoas Jurídicas de Direito Privado Sem Fins Lucrativos).