MPF alertou governo federal para risco de incêndio na Cinemateca em audiência em 20 de julho; ação por abandono está suspensa
Representantes da União, do MPF e do Audiovisual se reuniram em audiência na semana passada e procuradores alertaram para risco de incêndio, principalmente nos filmes de nitrato. A União respondia a processo por abandono da Cinemateca, mas acordo entre as partes deu mais 60 dias para a Secretaria Especial da Cultura dar continuidade nas ações de preservação do patrimônio.
Em audiência realizada no último dia 20, o Ministério Público Federal em São Paulo (MPF-SP) alertou o governo federal, responsável pela Cinemateca Brasileira, para o risco de incêndio.
O galpão da Cinemateca, na Vila Leopoldina, Zona Oeste de São Paulo, pegou fogo no início da noite desta quinta-feira (29), nove dias depois da audiência.
"Pelo MPF, houve comentários sobre a visita realizada e sobre o fato de terem sido bem recebidos. Destacou, entretanto, o fato de risco de incêndio, principalmente em relação aos filmes de nitrato", diz o termo da audiência.
O risco de incêndio foi observado tanto na sede da Cinemateca, na Vila Mariana, como nos galpões da Vila Leopoldina.
Segundo a capitã dos bombeiros Karina Paula Moreira afirmou à GloboNews, "o incêndio começou em uma das salas de acervo histórico de filmes que fica no primeiro andar. Essa parte é dividida entre três salas, uma delas com acervo de filmes entre 1920 e 1940 e uma das salas de arquivo impresso, também histórico. Estamos levando o que foi queimado e preservado dentro dessas três salas - provavelmente nada. Porém, no andar térreo, tem uma parte grande do acervo histórico que não foi atingida”, afirmou.
No prédio, ficavam gravados 1 milhão de documentos da antiga Embrafilme, como roteiros, artigos em papel, cópias de filmes e documentos antigos. Alguns tinham mais de 100 anos e seriam usados na montagem de um museu sobre o cinema brasileiro.
Em nota, a Secretaria Especial da Cultura afirmou que "todo o sistema de climatização do espaço passou por manutenção há cerca de um mês como parte do esforço do governo federal para manter o acervo da instituição. A Secretaria já solicitou apoio à Polícia Federal para investigação das causas do incêndio e só após o seu controle total pelo Corpo de Bombeiros que atua no local poderá determinar o impacto e as ações necessárias para uma eventual recuperação do acervo e, também, do espaço físico. Por fim, o governo federal, por meio da Secretaria, reafirma o seu compromisso com o espaço e com a manutenção de sua história", diz o texto.
A audiência faz parte de ação do MPF contra a União por abandono da Cinemateca. Na sessão realizada pela Primeira Vara Federal participaram os procuradores da República, representante da associação de moradores da Vila Mariana, um advogado da União, o secretário adjunto da Secretaria Especial de Cultura, a Diretora de Departamento de Políticas Audiovisuais e a Associação Paulista de Cineastas.
O documento diz ainda que alguns pontos da audiência anterior, em maio, foram cumpridos, e outros ainda estão em andamento. O governo federal tinha 45 dias, até o início de julho, para mostrar ações implementadas pela preservação do patrimônio.
Mas depois da audiência da última semana, a Justiça deu mais 60 dias para a União Federal dar continuidade nas ações de preservação do patrimônio.
"Depois de várias manifestações a respeito de cada um dos pontos de interesse desta ação, houve a proposta da continuidade da suspensão do processo, pelo prazo de 60 (sessenta dias), para que a União Federal possa dar continuidade às medidas que já vêm sendo tomadas".
O procurador Gustavo Torres Soares voltou a dizer nesta quinta-feira que o MPF já alertava a Justiça sobre as condições precárias da Cinemateca e também sobre o risco de incêndio do acervo desde julho de 2020. Segundo o procurador, o governo iniciou o processo de chamamento de uma nova entidade para gerir a Cinemateca e a contratação emergencial de uma empresa para cuidar do local. No entanto, O MPF critica a demora no processo.
Crise
Funcionários e entidades realizaram diversos protestos no ano passado, denunciando que a instituição passava pela maior crise desde a sua fundação, em 1946, sem recursos para o básico, incluindo atrasos em salários, contas de água e energia, fim do contrato com a brigada de incêndio e com a equipe de segurança. (Leia mais abaixo.)
O primeiro acordo entre o Ministério Público Federal e a União ocorreu em uma audiência virtual de conciliação em maio, que havia sido determinada pela Justiça Federal em São Paulo em agosto de 2020. O conteúdo do encontro foi pautado pelas determinações do Tribunal Regional Federal da 3ª região (TRF-3), que atendeu a um recurso do procurador da República Gustavo Torres Soares em dezembro.
O governo informou que atendeu às medidas determinadas pelo TRF-3, pois realizou os contratos emergenciais com brigadistas, vigilantes e para manutenção predial, acrescentou que outros contratos estão em fase de pregão e que está em vias de contratar uma nova gestora, recontratar 42 funcionários e restabelecer um conselho deliberativo. Por este motivo, Ferraz e Oliveira propuseram ao procurador que encerrasse o processo movido pelo Ministério Público Federal.
O procurador Gustavo Soares propôs, então, que antes de falar em um Termo de Ajustamento de Conduta e conclusão do processo, o governo comece comprovando a implementação desses serviços emergenciais, e que também apresente um cronograma para a recontratação de antigos funcionários técnicos, para a contratação de uma nova gestora e para a recomposição de um conselho, com representantes da sociedade civil e da categoria audiovisual.
Os representantes do governo se comprometeram a enviar os documentos deram o primeiro prazo de até 45 dias corridos, a contar a partir de 12 de maio.
"Este é um prazo seguro: até lá teremos um edital de chamamento com o cronograma para entrega da gestão para uma Organização Social e teremos finalizado a parte burocrática que hoje nos entrava para recolocação dos trabalhadores. Estamos à disposição. Há uma politica de transparência sobre os atos que serão tomados", garantiu Helio Ferraz, diretor do Departamento de Políticas Audiovisuais.
Entenda
O contrato para gestão da Cinemateca firmado entre o governo federal e a Organização Social (OS) Associação Comunicação Educativa Roquette Pinto (Acerp) terminou no dia 31 de dezembro de 2019 e, desde então, não houve nova licitação.
A Cinemateca, no entanto, continuou sendo mantida de forma improvisada pela equipe técnica, sob gestão da Acerp, que continuou no local para não abandoná-lo, mesmo sem os recursos e salários.
Em julho, funcionários da OS chegaram a impedir o acesso de uma comitiva oficial do Ministério do Turismo, a quem a Secretaria da Cultura foi incorporada, que registrou um boletim de ocorrência. Mário Frias assumiu como secretário de cultura e enviou um ofício para a Acerp solicitando que entregasse as chaves da Cinemateca.
Desse modo, sete meses após o fim do contrato, o governo federal assumiu a gestão do local, e funcionários foram demitidos pela OS, que não tinha como manter e pagar um corpo técnico altamente especializado.
O Ministério Público Federal entrou com uma ação na Justiça contra a União por abandono da Cinemateca Brasileira. Na ação, o MPF pediu à Justiça Federal que determinasse à União a renovação emergencial do contrato com a Acerp, a permanência do corpo técnico e um plano de gestão para a Cinemateca durante 2020.
Em agosto, a juíza federal Ana Lúcia Petri Betto indeferiu o pedido, pois analisou a documentação enviada pelo governo federal, considerou que havia elementos que indicavam a tomada de providências emergenciais e que "não é função do Poder Judiciário dizer com quem deve a administração pública celebrar seus contratos".
A decisão dela foi de que as partes do processo buscassem uma solução amigável, conforme o Novo Código de Processo Civil.
O MPF recorreu da decisão ao Tribunal Regional Federal da 3a Região (TRF-3). Em dezembro, o juiz Marcelo Mesquita Saraiva atendeu parcialmente ao pedido e determinou a contratação de brigadistas e regularização do Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros, o pagamento de conta da energia elétrica, da manutenção predial e da vigilância até fevereiro, sob pena de multa de R$ 5 mil por dia de atraso.