Torre ao lado do Masp passa por embate
Apregoada como a salvação do Masp, a torre que Júlio Neves pretende levantar ao lado do prédio de Lina Bo Bardi (1915-1992) tornou-se uma fonte de problemas para o museu. Neves, o presidente do Masp (Museu de Arte de São Paulo), enfrenta conflitos em duas frentes: com o patrimônio histórico do município de São Paulo, que reprovou o projeto e deve vetar uma segunda proposta, e com a Vivo, a patrocinadora do prédio, que não quer saber de controvérsias envolvendo o nome da empresa.
O novo projeto foi submetido à prefeitura há cerca de um mês. O problema central é com o patrimônio histórico. O presidente do Masp obteve R$ 12 milhões da Vivo com o compromisso de erguer uma torre que levasse o nome da operadora de celular.
A idéia parecia um ovo de Colombo --como não tinham pensado nisso antes, um anexo para o Masp? O edifício ao lado do museu na avenida Paulista, o Dumont-Adams, estava vago e poderia servir de base para uma torre. O Masp usou o dinheiro da Vivo para comprar o imóvel --R$ 8,4 milhões já foram pagos, e o restante será quitado até 2007.
Vista para o mar
Júlio Neves desenhou não uma torre qualquer, mas uma estrutura de 110 metros de altura, o equivalente a um prédio de 30 andares, da qual seria possível avistar o mar em dias claros, segundo ele.
A torre foi concebida como um belvedere. A cúpula abrigaria um café com 13 mesas; o prédio que sustenta a torre teria uma loja do museu e escola de arte.
Com a receita gerada pelo café, pela escola e pelos patrocinadores, seria possível acabar com o déficit do museu, de R$ 1 milhão por ano, como Neves relata aos empresários a quem pede apoio ao projeto --em entrevista à Folha, ele disse que o museu teve um superávit de R$ 143 mil no ano passado.
O plano começou a dar errado logo na primeira instituição a que foi submetido: o patrimônio histórico. A arquiteta Lia Mayumi, chefe da seção técnica de Projetos, Restauro e Conservação do Departamento de Patrimônio Histórico, classifica a proposta de Neves de "solução mirabolante e espetacular". Aponta que "ela surge como uma tentativa de compensar o convencionalismo da proposta de mascaramento do edifício Dumont-Adams com vidros espelhados".
Mayumi faz dois questionamentos: "Seria o Masp a instituição a quem cabe a tarefa de oferecer aos cidadãos da cidade e do mundo a maravilhosa vista da cidade de São Paulo do alto da cota 920 [a 920 metros acima do nível do mar]? Cumprir tal tarefa vale o preço de criar uma torre que compete em altura, cor, forma e materiais com o edifício do Masp, furtando deste último a primazia da condição de monumento?"
Mônica Junqueira de Camargo, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e representante do Instituto dos Arquitetos do Brasil no Compresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo), propôs o veto da torre em fevereiro último por ela "interferir negativamente na ambiência do bem tombado" --o prédio de Lina Bo Bardi.
Junqueira de Camargo disse à Folha que a tarefa do Compresp é garantir a integridade do bem tombado e não arbitrar sobre a qualidade do projeto. "Confesso que é difícil não julgar o projeto, mas temos muitas vezes que abstrair, caso contrário não aprovaríamos nada."
Como não houve mudanças significativas no segundo projeto, a tendência é o Compresp manter o veto à torre.
O secretário de Cultura da prefeitura, Carlos Augusto Calil, diz que a questão arquitetônica é um "falso problema". "Sou contra a torre seja ela feita por meio de concurso público ou pelo Niemeyer. Não é uma questão de belezura ou de lisura do negócio, ainda que essas coisas pesem."
A questão, segundo ele, é como administrar o museu: "Não é possível que entidades culturais inventem coisas para se sustentar. O Louvre vai ter o quê? Um shopping? O Masp é mais importante que a torre e tem condições de se sustentar sozinho", defende.
Oposição
Calil e o prefeito José Serra articulam o primeiro grupo organizado de oposição a Neves desde que ele foi eleito presidente do Masp há dez anos. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que já defendeu o projeto de Neves, foi convencido por tucanos de São Paulo de que a torre não é a salvação do Masp e agora se alinha com os críticos à empreitada.
Carlos Brakte, arquiteto que presidiu a Fundação Bienal por quatro anos, acha que artifícios como a torre fazem parte do leque de recursos de museus do mundo. "O MoMA fez uma torre, o Louvre promove até casamentos. Sem isso, é difícil sustentar um museu", diz, referindo-se ao Museu de Arte Moderna de Nova York.
Junqueira de Castro cita os mesmos museus e acrescenta a Tate Modern para defender que qualquer obra ao lado do Masp seja escolhida por concurso público. "O prédio da Lina é inovador em escala mundial. Para ficar ao lado do Masp, tem de ter o mesmo peso", afirma.
Paulo Mendes da Rocha, o arquiteto que arrancou elogios unânimes ao interferir no prédio da Pinacoteca projetado em 1897 por Ramos de Azevedo (1851-1928), não opina sobre a proposta da torre. "O Júlio é meu colega de escola. Fica uma coisa de nhenhenhém. O nosso debate está muito fechado, é um círculo vicioso. Eu queria que viesse alguém de fora e opinasse."
Sobre o concurso, porém, diz ser contra: "Concurso tem um sentido festivo. Você não faz concurso para um problema. O concurso é a melhor maneira de produzir um desastre de maneira indiscutível". Um bom exemplo, para Mendes da Rocha, é o vale do Anhangabaú: "Fizeram concurso para construir um jardinzinho ali embaixo". O Masp, para ele, merece um destino melhor.
O veto do patrimônio histórico e a reação negativa de parte dos arquitetos levou a Vivo a repensar o apoio à torre projetada por Neves. A empresa avalia se o concurso não seria a melhor saída. A intenção da Vivo é fugir de controvérsias, principalmente depois que uma das acionistas da operadora, a Portugal Telecom, foi envolvida no escândalo do "mensalão" como interlocutora do lobista Marcos Valério de Souza.
Em nota enviada à Folha, a empresa nega que já tenha tomado a decisão de bancar a torre. "A Vivo não tomou nenhuma decisão sobre a proposta de parceria com o Masp (...). Sendo assim, a empresa se reserva ao direito de se posicionar formalmente sobre o projeto na medida em que tenha efetivamente tomado uma decisão quanto ao patrocínio."
Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u53817.shtml