MinC fará reunião para debater preservação de obras
matéria originalmente publicada na Folha de S. Paulo
O ministro da Cultura, Juca Ferreira, está convocando uma reunião para o próximo dia 9, no Rio, devido à destruição de parte do legado de Hélio Oiticica. "Queremos discutir com todo o setor de artes visuais políticas que envolvam aquisição e preservação de acervos de artistas, pois está claro que, como está, a situação não pode ficar", disse à Folha o presidente do Instituto Brasileiro de Museus, José Carlos do Nascimento Júnior, organizador do encontro.
Entre os convocados para a reunião, estão membros da Receita Federal. Curadores ouvidos pela Folha consideram esta uma medida acertada.
"Creio que é legítimo o direito à herança, mas é legítimo também o Estado cobrar impostos sobre a transferência de legados familiares. Não digo isso apenas no caso das famílias de artistas, mas me refiro a todas aquelas que possuam patrimônio a ser transferido", diz o crítico e curador Tadeu Chiarelli.
Para ele, a experiência de outros países deve servir como modelo: "Sabemos que, em alguns outros países, impostos sobre herança têm possibilitado o incremento de acervos públicos e mesmo a criação de novos museus."
Maior presença do Estado nessa questão também é defendida por Aracy Amaral, que admite que acervos como os recebidos pelas famílias de Hélio Oiticica e Lygia Clark poderiam ser tombados pelo Iphan (Instituto de Patrimônio Histórico e Nacional), "para ser protegidos e mantidos em local que garantisse minimamente a sua preservação".
O tombamento poderia ser a chave para um dos principais problemas que envolvem instituições e herdeiros, pois muitas vezes os museus investem para preservar uma coleção, que segue particular, e pode ser vendida a qualquer momento.
Mas o incêndio revela ainda outra faceta que envolve os herdeiros: "É o momento, em função desse desastre, de repensar os direitos das famílias de artistas já falecidos, sobre direitos de divulgação, igualmente, da obra de artistas. Há casos em que as famílias cobram tão elevadas somas que eventos e exposições desistem de reproduzir em catálogos obras de determinados artistas", conta Amaral. Um caso exemplar é o livro "Lygia Clark: Obra e Trajeto", de Maria Alice Milliet, publicado em 1992 e um dos primeiros estudos extensos sobre Clark (1920-1988). O livro nunca foi reeditado porque a família cobra um valor que o torna inviável para uma editora universitária, como a Edusp, que o publicou.
Para Álvaro Clark, filho da artista, o acervo de artistas mortos deve permanecer sob a responsabilidade da família.
"Mas caso a obra fosse adquirida por algum museu, deveria ser cuidada por profissionais da arte, e não por administrações públicas, que mudam de quatro em quatro anos", disse, por telefone, de Paris.
Paula Pape, filha de Lygia Pape (1927-2004), diz que o incêndio no acervo de Hélio Oiticica não é capaz de iniciar uma política de aquisição de obras nos museus brasileiros. "Tudo será igual ao que sempre foi. As famílias continuarão cuidando da obra de seus artistas mortos sem apoio de ninguém."
Já o acervo de Franz Weissmann (1911-2005) está em um galpão no bairro de Ramos, na zona norte do Rio. Quem o mantém é a filha do artista, Wal Weissmann. "Dói ter que entrar naquele galpão, em uma região perigosa da cidade, e ver a obra de meu pai reclusa. Ela deveria estar em algum museu.
Essa obra não é da família. É um patrimônio cultural da humanidade", disse Wal.
Apesar disso, ela afirma que o acervo de um artista é um bem da família. "Somos nós, os herdeiros, quem passamos por diversas dificuldades para manter as obras preservadas. Ninguém ajuda, nem governos nem empresas. É um direito da família ser a dona do acervo."
Jandira Feghali, secretária de Cultura do município, disse que a secretaria tem interesse em criar um museu a céu aberto para expor a obra de Weissmann, possivelmente na Quinta da Boa Vista.
Colaborou FABIO CYPRIANO, da Folha de S.Paulo