Destruição de obras de Oiticica reacende debate sobre manutenção de acervo
matéria originalmente publicada na Folha de S. Paulo
Quando soube do incêndio que destruiu grande parte do legado de Hélio
Oiticica, no último fim de semana, a psicóloga Ana Lenice Dias Fonseca
da Silva sentiu o coração apertar.
Ela é uma das responsáveis pelo projeto Leonilson, que cuida de mais de 1.500 obras deixadas por seu irmão, o artista José Leonilson Bezerra Dias (1957-1993), um dos destaques da Geração 80. As obras estão guardadas numa pequena casa, na Vila Mariana, sem seguro e sem proteção contra incêndio, nem mesmo detector de fumaça.
"Nossa preocupação sempre foi com furto, mas, com esse incêndio, fiquei aflita. Há dois anos, estamos conversando com a Pinacoteca para transferir o projeto para lá, cedendo algumas obras em comodato e doando outras. Agora é a hora de isso acontecer e, se não for lá, vamos encontrar outra instituição", disse Silva.
Na Pinacoteca, o diretor Marcelo Araújo confirma a negociação: "Estamos buscando uma solução jurídica possível para viabilizar esse comodato". A instituição já tem nessa situação a coleção Nemirovsky, que possui obras de Oiticica. Mas sua alocação lá foi mais fácil pois a coleção havia sido doada pelos seus criadores, José e Paulina Nemirovsky, a uma fundação que deveria mantê-la numa instituição pública e nunca vendê-la.
"Creio que os artistas deveriam prever o que fazer com sua obra, pois isso é mesmo um abacaxi para as famílias, receber toda a tralha dos artistas que fizeram o que bem entenderam", conta a artista Anna Maria Maiolino.
De fato, se não fosse a família de Leonilson com os amigos que criaram o projeto, sua obra talvez não alcançasse tamanha repercussão. Hoje, ela está em instituições como o Museu de Arte Moderna de Nova York, a Tate, em Londres, e o Centro Pompidou, em Paris.
"Todo mundo costuma crucificar a família. Quando a Mira [Schendel] morreu, ela não tinha quase valor e sobrou para a família cuidar de tudo", diz Ada Schendel, filha da artista Mira Schendel (1913-1988). Ela guarda em sua casa o acervo e se recusou a cedê-lo em comodato para o Instituto de Arte Contemporânea (IAC). "Não confio nessa instituição. Colocaram obras danificadas em uma exposição e os artistas em panelas, quando eu passei os últimos 20 anos para tirar a Mira de panelas", diz Schendel.
Roberto Bertani, diretor do IAC, diz que a declaração de Ada parece um contrassenso. "Estamos organizando, no próximo ano, uma exposição da Mira, com aval dela."