A eternidade de Hélio Oiticica
matéria originalmente publicada no blog Dodomundi
Esse post, sobre as reações apaixonadas diante da destruição do acervo
de Hélio Oiticica iria ser longo. Mas o LUTO se impôs aqui. Então vamos
direto ao assunto. Estava eu em casa, numa adorável tarde chuvosa em
Laranjeras, Rio de Janeiro, trovejando aos berros! "Quero matar os
Oiticica!", "Quer dizer que 90% da Obra de Hélio Oticica estava numa
casa particular? Que absurdo!". Então, entrei em contato com um dos
integrantes do Projeto Oiticica, instituição criada pelos herdeiros do
artista para cuidar do acervo. O papo foi emocionado. Enxugando as
lágrimas, ficou mais ou menos assim, num esquema EU pergunto e EU mesmo respondo, baseado no papo inteiro:
1. O que causou o incêndio na Reserva Técnica particular da família Oiticica?
Provavelmente
duas falhas de equipamento. A 1a num dos desumidificadores, que teria
entrado em curto e a 2a no detector de fumaça, que alertaria a família,
que jantava no 2o andar da casa.
2. Estes equipamentos estavam perfeitas condições?
Segundo
o Projeto Oiticica e o órgão público IPHAN, sim. Os 6 profissionais,
entre eles,pesquisadores, curadores e museólogos, que trabalhavam
diariamente com o acervo, explicam que o cuidado com a segurança da
Sala Técnica da família Oiticica era padrão.
3. Então o que aconteceu foi um acidente inevitável?
Incêndios
históricos em Reservas Técnicas aconteceram exatamente desta maneira no
Brasil. Não há Reserva Técnica 100% segura no mundo.
2. De uma escala de 0 a 10, o quanto a Reserva Técnica da casa particular dos Oticica era segura?
Eu,
Dodô, não posso avaliar com precisão. O fato é que a Reserva Técnica
dos Oiticica cumpria todas as exigências técnicas exigidas pelo IPHAN.
Carlos Fernando Andrade, superintendente do órgão, visitou a Reserva
Técnica particular dos Oticica e a aprovou.
3. As obras de Hélio Oiticica deveriam estar no Centro Hélio Oticica, e sob os cuidados do Estado?
O
Centro Cultural Hélio Oiticica não possui climatizaçao nem umidade
controlada, por exemplo. Além de uma porta das Reservas Técnicas (lá
são duas) não ter tranca, pois o banheiro dos funcionarios fica lá
dentro.
4. Reservas Técnicas particulares são menos seguras que as mantidas pelo Estado?
No
Brasil, principalmente, não. De MASP a MAM, furtos e incêndios
acontecem com maior frêquencia do que em acervos particulares,
geralmente tratados com mais cuidado e recursos (dinheiro). A Reserva
Técnica do MAM é considerada pelo pessoal do meio "uma lástima". A do
MAC "fica praticamente no meio da Rodoviária de Niterói." Há Reservas
Públicas no Rio excelentes, como a do Museu da República e a do Museu
Histórico Nacional. No mundo inteiro Reservas Particulares, de
colecionadores, são com frequência mais bem guardadas do que as
Públicas, sujeitas, em países como o Brasil, à vontade dos
admistradores eleitos. Nas Reservas Técnicas Particulares, até por
questão de mercado, as Obras de Arte são tratadas como jóias num cofre.
A questão a ser discutida é: deve o Estado intervir caso os herdeiros
não tenham condições, sejam finaceiras, sejam técnicas, de manter um
acervo?
5. Os herdeiros de Oiticica tinham condições, sejam finaceiras, sejam técnicas, de manter um acervo?
Sim, financeiras e técnicas.
6.
Se os herdeiros tinham essas condições por que estavam negociando,
segundo matéria do Globo Online de hoje, com um museu americano a
guarda do acervo?
Matéria mal apurada. Era um convênio
apenas para o Catalogue Raisonne do artista em convênio com o Museum of
Fine Arts de Houston.
7. O que foi perdido foi exatamente 90% do acervo do Hélio Oticica?
Um
pouco menos que isso. Grande parte dos desenhos e os Metaesquemas foram
salvos. Parte da maquete "Cães de Caça", por exemplo, foi salva. Há
obras em comodato fora do país. Muitas obras são conceituais, podem ser
recriadas. Outras tantas não. Mas só poderá ser precisado melhor na
próxima semana.
8. E os Parangolés? É verdade que todos foram queimados? Não existem mais Parangolés de Oiticica?
Todos
os Parangolés que estavam aqui no Rio foram queimados. Mas há 2
parangolés originais emprestados na Bélgica e 3 réplicas no Brasil.
César Oticica, em estado de choque ainda maior que todos nós juntos,
esqueceu de citar hoje na imprensa esses Parangolés emprestados.
9. De toda a tragédia, o que de mais valoroso foi perdido?
Os
projetos foram salvos, vários penetráveis podem ser refeitos, segundo
as plantas deixadas pelo Hélio. Entretanto, "O GRANDE NÚCLEO", por
exemplo, composto por três obras penduradas no teto formando um
labirinto que o visitante deveria adentrar, exposto apenas uma vez no
Rio, foi perdido pra sempre.