Faz sentido o curador da 28ª Bienal Ivo Mesquita tirar o corpo fora desta maneira?
Faz sentido o curador da 28ª Bienal Ivo Mesquita tirar o corpo fora desta maneira em relação ao episódio da pichadora presa?
Já são muitos os protestos contra a prisão de Caroline Pivetta da Mota, a pichadora do Vazio da Bienal. Trocas de mensagens, listas de discussão a mil, comentários no abaixo-assinado, artigos em blogs, matérias em jornais, todos, ou a grande maioria, se indignam com o fato desta transgressão estar sendo penalizada criminalmente. Seja pela absurda lógica do nosso Judiciário, que parece só conseguir se mostrar forte e tenaz em situações dúbias como esta, ou seja pelo ridículo de ver uma bienal de arte prestando queixa contra atos político-culturais.
Ivo Mesquita, o curador desta edição da Bienal (e vou me referir apenas a ele porque a co-curadora Ana Paula Cohen sumiu) diz não ter nada a ver com a situação, porque a moça foi detida por atacar um patrimônio tombado e ele é apenas um funcionário terceirizado da Fundação Bienal. Será mesmo verdade?
O que foi atacado não foi apenas o prédio da Bienal. Este não sofreu com os pichadores qualquer dano permanente ou nada que um centro de exposições não sofra regularmente com troca de eventos, ou seja, repintura. O outro objeto atacado foi a mostra Bienal e é nela que incide a responsabilidade do curador, inclusive em relação à ação dos seguranças, ao chamamento da polícia e boletim de ocorrência realizado na delegacia e às prisões efetuadas. Pois caberia ao curador da mostra acolher ou rechaçar a intervenção, aceitá-la como uma resposta do público ou decretá-la um delito. Ele optou pelo delito e é isso que me intriga...
O que fez o curador não aceitar a intervenção dos pichadores?
Podemos assumir que uma exposição enquanto obra deva estar sob o controle de seus criadores. Normalmente, estas devem terminar como iniciaram, sem sofrer alterações que venham interferir no conceito e na forma pré-determinados pelos seus criadores. Certo? Anacrônico, no mínimo, eu diria (nós, artistas, sabemos que na prática não é bem assim), e a ação dos pichadores demonstrou isso.
Ao chamar a polícia e mandar prender (e esta atitude foi anunciada pela curadoria na entrevista coletiva quando perguntada se os curadores estavam cientes dos planos dos pichadores), repintar o andar vazio e impor a revista aos visitantes, os curadores acharam que tinham retomado o controle de sua obra. Formalmente, talvez. Mas e quanto ao sentido? Uma vez maculado pela ação dos pichadores, com reportagens na imprensa e vídeos na internet, já gravados em nossa memória e sendo reavivados pelo aparato de segurança na entrada da Bienal, ainda era possível vivenciar o vazio repintado de branco contendo somente a proposta inicial dos curadores?
Sem perceber a contaminação já em processo, o roteiro original foi retomado: debates, exibições, shows e performances aconteceram sem maiores transtornos aparentes. Mas o sentido primordial da "Em vivo contato", título da 28ª Bienal de Arte de São Paulo, já havia sido transformado pela ação dos pichadores e também pela reação repressora da instituição. Então, o que vivemos nesta bienal, que pretendia debater sobre os formatos de bienais e a importância da existência de centenas delas em vigor atualmente, foi uma cisão esquizofrênica. De um lado, os curadores obsessivamente apegados à sua "obra" (e ao seu formato) e, do outro, a pichadora Caroline presa lembrando a todos nós que a intervenção dos pichadores tinha estado ali fazendo a sua parte, questionando o formato daquela própria bienal.
Neste exato momento recebo o texto de Paulo Herkenhoff publicado hoje na Folha de S. Paulo e nele ele responde uma dúvida que eu tinha sobre Antonio Manuel ter sido ou não preso quando ficou peladão no MAM do Rio em 1972. Ele escapou correndo da polícia e com a ajuda dos seguranças da instituição. Já em 2008, os seguranças da Bienal estavam lá para prender, pois esta era a diretriz da instituição e dos curadores.
Ivo Mesquita parece dormir com a consciência tranqüila, porque outras intervenções (bem-comportadas) aconteceram e a ação dos pichadores, esta com "tática terrorista", foi devidamente reprimida. E, com isso, ele avisou na sexta-feira no debate do Maria Antônia, que estava saindo de férias, deixando a moça Caroline ainda presa e nós, o seu público de especialistas, atônitos.
Patricia Canetti
Criadora e coordenadora do Canal Contemporâneo
PS - Recomendo além da adesão ao abaixo-assinado, é claro, a leitura dos comentários no LIBERTEM A PICHADORA CAROLINE PIVETA DA MOTA. Abaixo, reproduzo três deles.
MAURÍCIO DIAS, artista
Há outras responsabilidades da Bienal, sim!!! A Bienal não é apenas um
prédio, é o resultado da interação de todas as suas edições e seus
respectivos públicos. A grafiteira em questão é também parte de seu
público. Não ter responsabilidade?! Por exemplo a Bienal poderia,
deveria aliás, interceder publicamente, através de um manifesto à
circular entre artistas e intelectuais, na web e na imprensa, em favor
da grafiteira, afinal muito mais grave do que o crime de uma jovem
pichadora no andar supostamente "vazio" são os crimes de colarinho
branco, de corrupção administrativa da já velha direção da própria
Bienal, estes crimes sim que perpetuam o verdadeiro "vazio" (o moral da
classe artística deste país). A penalização exacerbada desta jovem face
a história recente desta instituição é indecente! Não dá pra ficar
calado.
RACHEL ROSALEN, artista
É uma vergonha esta política punitiva e autoritária, é uma vergonha que
a Fundação Bienal não tenha tomado nenhuma atitude e não tenha assumido
sua própria proposta, ou seja, que o mais interessante foi o que
exatamente aconteceu: uma ocupação do vazio que, na sua latência,
chamou atenção da comunidade que se propôs a ocupa-lo. Ao invés de uma
abertura de diálogo e discussão sobre o que este ato significou, a
Bienal optou pela omissão e, 40 anos depois, dentro do que deveria ser
um espaço de vanguarda da arte, fez referência ao AI5 ao avalizar a
supressão do direito de livre expressão. Para justificar tal prisão, o
governo decidiu pelo apagamento dos grafites da cidade. Quando esta
parecia uma discussão dos anos 60, em boa hora, I/Legítimo, com
curadoria de Priscila Arantes e Fernando Oliva, "convida os visitantes
a repensarem os mecanismos de legitimação e exclusão nos circuitos
artísticos mainstream e underground" e discute a absorção de
manifestações de rua pelo sistema da arte.
RODOLFO CAESAR, artista
Era uma armadilha! Mas caiu o rato errado. Se um artista reconhecido
tivesse garatujado naquelas paredes, seria a consagração (dele e) da
bienal. Mas quis o acaso que caisse uma reles grafiteira fora do
sistema... Isso demonstra não o 'fim da arte' ou a falência da bienal,
mas o limite do sistema da arte.