Bienal na mira
FOLHA DE S. PAULO
12 de novembro de 2007
FOLHA Ilustrada
Fonte: CYPRIANO, F. Bienal na mira. Folha de S. Paulo. Cad. Folha Ilustrada, 12/11/2007. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq1211200708.htm. Acesso em 15/11/2007.
Bienal na mira
POR FÁBIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL
Curadores, críticos e artistas se dividem em relação à proposta da 28ª edição da exposição, em que não haverá obras de arte exibidas e andar inteiro ficará vazio
A proposta do curador Ivo Mesquita de deixar de organizar a 28ª Bienal de São Paulo num formato tradicional divide o meio artístico nacional.
O projeto prevê em 2008 um andar dedicado a uma espécie de arquivo histórico, com documentos e livros, um andar completamente vazio e o térreo do pavilhão aberto para performances e exibições de vídeos.
"Acho que é um luto internacional, a conclusão de uma administração ausente e desastrada, o Ivo está fazendo o papel de defunto em um enterro, é uma cooptação absurda", diz Nelson Aguilar, curador da 22ª e da 23ª Bienal de São Paulo. "Esse é um problema de cidade, é um erro de todos nós, não só dos conselheiros, as pessoas deviam ir para a rua e fazer alguma coisa."
Já Sheila Leirner, curadora da 18ª e da 19ª edição do evento, apóia o projeto: "Ivo foi um dos responsáveis por nossas bienais, tenho confiança no trabalho e nas idéias dele".
Responsável por uma das edições mais polêmicas da mostra, em 1985, a curadora vê semelhança entre os dois projetos. "De forma simbólica talvez à "Grande Tela", e no mesmo 2º andar, afinal teremos, 23 anos depois, o "Grande Vazio". Nada é mais necessário neste momento do que o vazio e pode ser bem mais difícil lidar com o vazio do que com o cheio."
A proposta de uma "quarentena" para a Bienal agrada alguns críticos e curadores, mas uma mostra sem arte seria o ponto fraco do projeto.
"Dada a crise vivida pela fundação, com dívidas financeiras e simbólicas, como a não-publicação dos catálogos da última Bienal, o que resta neste curto espaço de tempo é propor este "parar para pensar". Cabe sublinhar que a arte vai bem, o público tem comparecido em massa, o que anda mal das pernas é a instituição, mas uma coisa é certa: bienal "sem arte" é triste", afirma o curador e crítico carioca Luis Camillo Osório.
Segundo o curador pernambucano Moacir dos Anjos, "Em Vivo Contato", nome da 28ª Bienal, "poderá redefinir a missão da Bienal na contemporaneidade e recuperar a confiança e o respeito esgarçados em anos recentes".
Edição esvaziada
Mas nem todos os curadores gostam dessa idéia. "Eu preferiria ver trabalhos de arte que tratassem do vazio em vez de encontrar uma Bienal literalmente esvaziada, mas acho que a curadoria encontrou uma saída inteligente. Discutir estratégias das bienais interessa mais aos profissionais da arte do que ao grande público. Espero que a discussão sobre a instituição não ofusque a discussão sobre arte", diz Cauê Alves.
Galeristas também divergem. "Acho admirável o Ivo aceitar e tentar realizar algo viável frente ao caos da administração dessa presidência, mas acho lamentável que seja roubado de nós um dos poucos eventos de caráter internacional do país", diz a galerista Márcia Fortes, da Fortes Vilaça.
Para Eduardo Brandão, da galeria Vermelho, "frente à espetacularização das exposições, acho que é quase óbvio pensar nesse formato, exposições grandiosas estão falidas".
Entre os artistas, a divisão de opiniões também ocorre. "A idéia de um pavilhão vazio já é em si uma grande atitude artística conceitual", diz Paulo Climachauska. "É uma ampliação no entendimento do que é uma bienal, um movimento importante em favor da reflexão e uma afirmação a respeito do papel da instituição na cidade e no circuito artístico internacional", defende Carla Zacagnini.
Maurício Dias, da dupla Dias & Riedweg, é um dos críticos ao projeto: "Em São Paulo não faltam bons simpósios e praças vivas, o que falta é vigiar e conter a sucessão de erros administrativos e políticos da Fundação Bienal".
"Acho que um processo de reflexão pode ser bom, mas pensar criticamente a partir de documentos históricos, espaços vazios ou abertos à participação requer tempo e intensidade de trabalho e deveria ser um pressuposto para a realização de uma mostra de arte do porte da Bienal e não estar no lugar desta", afirma a artista paulistana Carmela Gross.
Contudo, segue ela, "enquanto os artistas e suas obras aparecerem como figuração fantasmática dentro uma estrutura fortemente armada em termos não-artísticos, acho difícil avançarmos".
Fonte: CYPRIANO, F. Bienal na mira. Folha de S. Paulo. Cad. Folha Ilustrada, 12/11/2007. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq1211200708.htm. Acesso em 15/11/2007.