Bienal de São Paulo vazia de novo?
por Maria Eugênia de Menezes
Problemas na prestação de contas de 1999 a 2006 colocam em risco a realização da 30ª edição da Bienal de São Paulo, marcada para setembro. Desde o início do mês, a Fundação Bienal foi incluída na lista de inadimplentes do Ministério da Cultura. A inclusão significa que todo o dinheiro que a entidade tinha em caixa, cerca de R$ 12 milhões, fica congelado - assim como os recursos incentivados, via Lei Rouanet, que ainda estavam em fase de captação. "Se a situação não for resolvida dentro de no máximo um mês não teremos como manter a data da Bienal", observa o presidente da Fundação, Heitor Martins. "Por conta do passado, eles estão inviabilizando o presente da instituição."
Na segunda, Martins foi comunicado informalmente que seu nome como pessoa física, e também de todos os outros seis diretores da instituição, seriam incluídos no Cadin, cadastro federal de inadimplentes, ligado ao Banco Central. Para resolver a situação e tentar viabilizar a mostra, a Bienal entrou na justiça: pede arbítrio jurídico e solicita que não seja considerada inadimplente enquanto a prestação de contas está sob análise. A expectativa é de que o judiciário se manifeste até a próxima semana.
"Todas as vezes em que foi solicitada uma informação ou uma defesa nós atendemos. Não temos nada contra o processo de prestação de contas. Queremos prestar contas. Mas não podemos fechar a Fundação enquanto eles analisam tudo", diz Martins. "É preciso achar um caminho para a instituição seguir funcionando enquanto essas coisas estão sendo discutidas." Em nota, divulgada na sexta-feira, o Minc limita-se a dizer que busca um entendimento com a Bienal. "A direção do MinC tem mantido contato aberto para que não haja prejuízo à realização do evento." Informalmente, a ministra Ana de Hollanda tem dito que não há perseguição por parte do ministério à Bienal.
É constante e estreita a relação da instituição com o governo federal. A Bienal sempre dependeu de vínculos com o MinC para viabilizar seus eventos: seja por meio de convênios seja por meio de Lei Rouanet. Nos últimos 12 anos foram cerca de 30 instrumentos dessa natureza. O alvo de questionamento pela CGU (Controladoria Geral da União) é um grupo específico de 13 convênios, celebrados entre 1999 e 2006. São repasses que totalizam R$ 32 milhões e foram utilizados para realizar diversas atividades: as bienais que ocorreram no período, reformas do prédio e as participações brasileiras nas bienais de Veneza. Segundo a CGU, "parte dos gastos realizados com o projeto não estão suportados por documentação comprobatória hábil ou não tem pertinência com o objeto estabelecido no termo de convênio".
Diálogo entrecortado. Após cada um desses convênios é necessário que se faça uma prestação de contas. Dos 13 convênios que são agora questionados, cinco já haviam sido aprovados. Os outros ficaram em análise. Pedidos de informações complementares, diz Martins, foram atendidos.
Heitor Martins assumiu em maio de 2009 e foi reeleito em dezembro de 2010. "Assim que tomei posse, recebemos 13 pedidos de informações relacionadas a esses projetos. Inclusive dos já aprovados, que foram reabertos", observa. Em um relatório de mais de 200 páginas, a CGU questionava os convênios e apontava uma série de irregularidades, como, por exemplo, despesas feitas fora do período de contrato e falta de licitação. "Todos os esclarecimentos solicitados foram enviados dentro do prazo. Depois, não tivemos notícias. Até outubro do ano passado." Foi então que a Fundação descobriu que havia sido incluída no cadastro de inadimplentes. De acordo com o diretor, não houve nenhuma notificação anterior, nenhum pedido de informação que não tivesse sido atendido.
É difícil entender como esses questionamentos foram encaminhados dentro do Ministério da Cultura; segundo revelou o Estadão.com.br em matéria do dia 28 de janeiro, embora alertada há pelo menos quatro anos pela CGU sobre as contas da Fundação Bienal, a pasta adiou a abertura de investigações contra a entidade - ao menos desde 2007, o órgão de auditoria do governo vem emitindo notas técnicas sobre supostas irregularidades. Parecer de setembro de 2011, da Diretoria de Gestão Interna, vinculada à Secretaria Executiva do MinC, sugeria ao secretário Vitor Ortiz a investigação de um prejuízo de R$ 7 milhões, pretensamente causado na execução do convênio 167/2003, para pré-produzir a 26ª Bienal.
Os recursos da Fundação já haviam sido bloqueados no final de 2011, em meio à exposição Em Nome dos Artistas, que comemorava os 60 anos da Bienal de São Paulo. "Era uma exposição com obras que valiam centenas de milhares de dólares e ficamos sem dinheiro até para enviar as obras de volta", conta Martins. Naquele momento, o processo específico responsável pelo status de inadimplente da fundação datava de 1999 e se referia aos recursos destinados pelo Ministério da Cultura para a reforma do telhado do prédio, que ruiu durante a realização da 24ª Bienal.
Para ter suas contas desbloqueadas, a Fundação concordou em devolver todo o dinheiro recebido à época - com juros, correção monetária e multa. "Poderíamos contestar na justiça. Todo o dinheiro foi, de fato, gasto na reforma do telhado. Não houve prejuízo do Estado", diz Martins. "Só que na hora que somos colocados na inadimplência, eles matam a gente. É quase uma coação: ou vocês pagam ou ficam sem dinheiro nenhum. A gente perde a chance de debater."
Regularizada essa situação, a entidade foi retirada da situação de inadimplente. Na sequência, porém, apareceram outros 12 processos semelhantes. E, em 2 de janeiro, a Bienal voltou a ser incluída na listagem de devedores do governo federal. "Foi por isso que agora entramos com a ação. Não poderíamos aceitar o mesmo tipo de acordo para todos os convênios. Vamos à justiça para nos defender", argumenta Salo Kibrit, um dos diretores da fundação.
Outro ponto questionado pela Bienal é o prazo dado pelo MinC para que os novos questionamentos sobre os antigos convênios sejam respondidos. A partir da primeira semana de novembro, começaram a chegar os pedidos de esclarecimentos. O último deles é de 23 de dezembro. Toda a documentação requisitada, contudo, deveria ser entregue até o dia 31 de dezembro. Sem direito a prorrogação de prazo. "É um emaranhado de prestação de contas super complexo. Precisamos de um prazo maior. Esses pedidos geram um fluxo que paralisa a instituição inteira", diz Martins.