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Curadores da Bienal criam labirintos para público percorrer no evento

por Fabio Cypriano (Folha de S. Paulo, 21/09/2010)

O grande espaço central que o arquiteto Oscar Niemeyer projetou no centro do pavilhão da Bienal costuma ser, pela visibilidade, o local onde curadores instalam obras que condensam a temática da mostra.

Nesta 29ª edição, com o tema "Há Sempre um Copo de Mar para o Homem Navegar", os curadores Moacir dos Anjos e Agnaldo Farias optaram por exibir um só trabalho: "Bandeira Branca", do paulistano Nuno Ramos.

Na seleção dos 159 artistas, com suas 650 obras, eles foram auxiliados por um time de outros cinco curadores: Fernando Alvim (Angola), Rina Carvajal (Venezuela/Estados Unidos), Yuko Hasegawa (Japão), Sarat Maharaj (África do Sul/Reino Unido) e Chus Martinez (Espanha).

Com a obra, formada por três urubus, animais que simbolizam a morte, a curadoria parece ironizar o movimento ufanista que o Brasil atravessa.

Eduardo Knapp/Folhapress
Os curadores-chefes da Bienal de Artes de São Paulo, Moacir dos Anjos (à esq.) e Agnaldo Farias (à dir.)
Os curadores-chefes da Bienal de Artes de São Paulo, Moacir dos Anjos (esquerda) e Agnaldo Farias (direita)

Folha - Por que um trabalho tão aparentemente pessimista, como "Bandeira Branca", no centro da Bienal?
Agnaldo Farias - Não acho pessimista, mas um princípio de realidade desse lado soturno, melancólico e triste, que é constitutivo de nossa cultura. Há hoje no Brasil uma alegria histérica, cultivada nos programas de TV. Todo mundo quer banir a tristeza e o lado crítico, até mesmo nas universidades.
Nossa genealogia, na Bienal, recua até Flávio de Carvalho, que é um homem corajoso que ousa o fluxo com o chapéu.
Esse é o papel do cientista, do artista, do intelectual: contrariar, não seguir pela norma, mas pela exceção. E, por isso, é importante trazer um artista como Oswaldo Goeldi, com quem Nuno dialoga, que também representa outro lado deste país, que não é só o da alegria.

Moacir dos Anjos - Os novos dados de indicadores sociais mostram que, ao lado do desenvolvimento, ainda se tem índices alarmantes no Brasil, como a grande maioria da população não ter acesso a saneamento básico e um imenso analfabetismo. O Brasil é isso, essa contradição. Um país que lida com questões ultracomplexas e se tornou um líder no exterior, enquanto internamente não consegue resolver questões básicas, como segurança, saneamento e analfabetismo. Faz parte de nossa história lidar com essas contradições. A Bienal reflete isso.

Folha - Mas a mostra tem também um caráter internacional.
Dos Anjos - É uma exposição internacional como sempre foi. Acho que não houve nenhuma ambição ou preocupação de nossa parte em ter um determinado número de países representados e, até hoje, não fiz essa conta. Mas nos interessa ser uma exposição em que fique claro o tempo e, principalmente, o lugar onde ela é montada. Ela é feita a partir do Brasil, com questões que interessam ao Brasil. Há alguns pares de artistas que tensionam a arte brasileira com a internacional, que nada mais é do que uma arte que se faz hegemônica pelo poder dos meios onde é realizada. É o caso da proximidade de Nan Goldin com Miguel Rio Branco, entre outros.

Folha - O início do percurso da Bienal tem um espaço bastante generoso, que vai sendo reduzido ao longo da mostra, se transformando num labirinto nos pisos superiores. Por que essa arquitetura tão forte?
Farias - A ideia de Marta Bogéa, nossa arquiteta, foi fazer uma Bienal que tivesse surpresas, que tivesse praças, vielas, becos e da qual você escapa sempre que vai para os vidros, rompendo com os ângulos retos e também com o projeto moderno do prédio. As paredes são de vidro porque é uma ordem que pretende se expandir ao redor. Com isso, criamos uma instabilidade, uma tensão e rompemos certa visão de Brasil.

Folha - Romper uma ordem linear da exposição é fazer um discurso político?
Dos Anjos - Sim. Essa arquitetura tem tudo a ver com nossa ideia de arte e política, pois ela pede que o visitante tome decisões. Ele vai estar diante de muitas encruzilhadas e, com isso, corre o risco de se perder. Essa arquitetura solicita uma atitude ativa.

Farias - Os terreiros também foram pensados dentro dessa ótica, criando intervalos, suspensões, parênteses, com espaços de convivências e onde, frequentemente, estarão ocorrendo ações variadas. Isso também é um dado político, pois não teria sentido fazer uma exposição de arte e política só com obras contemplativas.