Artistas em fase de pesquisa
O albanês Anri Sala, o inglês Jeremy Deller e o brasileiro Amilcar Packer saem a campo e trocam ideias
Anteontem à tarde, o artista albanês Anri Sala esteve no Teatro Oficina, na Bela Vista: conheceu todo o edifício - "teatro-pista com uma parede de vidro", mas não conheceu seu diretor maior, José Celso Martinez Corrêa. É que Anri Sala, participante, este ano, da 29ª Bienal de São Paulo, está particularmente com olhos voltados para a arquitetura de Lina Bo Bardi (1914-1992), que, além do Oficina, projetou o prédio do Masp, para realizar uma nova obra. "Estou interessado em lugares específicos criados por Lina e também no momento em que Lygia Clark, que realizava pinturas geométricas como muitos em sua época, resolveu sair da tela para criar algo novo", conta o artista ao Estado, durante sua estada de uma semana por São Paulo. "Há certas portas que quero abrir e ver o que acontece." Na quarta-feira, em outro teatro, o Arena, Anri Sala fez a palestra inicial do programa de debates e workshops da Bienal, realizado em parceria com o projeto Capacete, coordenado por Helmut Batista.
O Arena, "espaço mitológico", como definiu o curador Agnaldo Farias - palco da vanguarda nos anos 1950 e 60 -, estava lotado de pessoas interessadas na palestra do albanês, que, atualmente, vive na Alemanha. Falando sobre sua produção a partir da questão do som e da sintaxe, entre os trabalhos escolhidos por Sala em sua apresentação estava o belo Answer Me, de 2008, um diálogo mudo entre um homem e uma mulher (remetido a roteiro não filmado de Antonioni) tendo como fio apenas o som de uma bateria, obra particularmente ambientada em um prédio em Berlim usado como reduto de espionagem pelos nazistas e, depois, pela CIA americana, durante a Guerra Fria. Pode ser que a arquitetura de Lina Bo Bardi entre no novo trabalho do artista, que realiza vídeos, não de maneira enfática, mas como lugar simbólico, já que, como afirma, ele pretende criar uma obra nova e terminar outra já em andamento, relacionada à relação arquitetura/som e lembrança.
Familiarizado e à vontade no Brasil - já esteve no País anteriormente e há duas obras suas no Instituto Inhotim, em Minas Gerais -, Anri Sala, nascido em 1974, afirma que sua percepção é a de que a sociedade brasileira "é acordada, curiosa e não cínica". "Se uma sociedade se torna cínica, significa que desistiu, ficou amarga, se adaptou e aceitou o sistema, inclusive, a corrupção", afirma ele, fazendo a ponte com o tema da 29ª Bienal, a da relação entre Arte e Política, ou, como afirmou o curador desta edição do evento, Moacir dos Anjos, da "política da arte".
Para esta primeira rodada de palestras - até o início da 29ª Bienal no Ibirapuera, em 21 de setembro, o Arena vai abrigar encontros mensais com artistas abertos ao público e workshops para grupos selecionados -, o inglês Jeremy Deller, que também vai participar da mostra e esteve por uma semana em São Paulo, fez anteontem à noite uma apresentação de sua trajetória. Nascido em 1966 em Londres e vencedor do prêmio Turner de 2004 com vídeo em que reencenou uma violenta briga de 1984 entre a polícia e grevistas ingleses, Deller, cuja formação é o estudo de pinturas do século 17, cria obras de um caráter político (tratando, por exemplo, da Guerra do Iraque e de questões trabalhistas da Inglaterra) que não é panfletário, mas explora os interstícios de eventos do cotidiano.
Deller já fez festival de música, desfile de rua e, como afirmou ao Estado, pretende fazer um novo trabalho para a 29ª Bienal que pode ser "ao redor da cidade". "Mas ainda é cedo para saber", completa. Sua intenção é realizar uma obra a partir de fotografia em preto e branco de 1973 que flagra a visita de Adrian, profissional de luta livre caracterizado como um transexual, "da época do glam rock", que, ex-minerador, vai à mina onde trabalhava para ser fotografado (e afirmado) ao lado de seu pai, minerador. "Quando vi o projeto da 29ª Bienal e vi a questão do indivíduo e a arte, achei que caía bem fazer algo sobre a história de Adrian, um homem criativo", disse Deller. Já era um projeto antigo do artista entrevistar o lutador, hoje com 63 anos. Amilcar Packer, nascido no Chile, mas que vive no Brasil desde 1982, fechou a programação fazendo uma apresentação-debate sobre a relação corpo e espaço e preconceito, usando como mote as muralhas de vidro que tomam a metrópole. Packer é artista residente da 29ª Bienal e fará pesquisas no Rio.