Resumo da Mesa IV - “Arquivos vivos II: arquivos como fontes para a construção da história e de acesso à arte”.

por Mario Gioia

O terceiro e último dia do seminário “Espaço, Aceleração e Amnésia”, no Paço das Artes, começou com o temor da perda da memória em um mundo altamente dependente da tecnologia.

 

Os palestrantes da mesa foram o britânico Peter Ride, curador e diretor do Centre for Arts, Research, Technology and Education, ligado à Universidade de Westminster, a artista multimídia e professora da PUC-SP Giselle Beiguelman e o diretor da Pinacoteca do Estado, Marcelo Araujo. O diretor do Centro Cultural São Paulo, Martin Grossmann, mediou o encontro, tendo como debatedores os artistas André Parente, também professor da UFRJ, e Gilbertto Prado, da ECA-USP.

 

Grossman abriu a palestra destacando como é recente a criação e a disseminação da internet no cotidiano, em especial no meio acadêmico brasileiro. “Acredito que as universidades ainda não entenderam direito a importância das interfaces virtuais”, disse ele, que abriu as discussões levantando questões sobre como conceituar e entender atualmente o que é museu, arquivo e biblioteca, que passam por grandes transformações em razão do desenvolvimento dessa era digital.

 

Ride, pontuando sua palestra com sua experiência compartilhada com artistas e projetos coletivos _como o “Art AIDS”, de 1994 a 1998, e diversos outros com a britânica Jane Prophet_, frisou que as novas mídias exigem um novo reposicionamento de museus e instituições. Segundo ele, há uma nova forma de construção da memória, terá de ser analisado qual o seu legado, quem o escreverá e como experiências singulares (que ele separou como estudos de caso) podem ajudar a entender tais mudanças.

 

O pesquisador britânico destacou a idéia dos arquivos vivos se tornarem histórias vivas, de que são agora algo em andamento _não mais rígidos e fechados a poucos_ e de que o conceito de propriedade é algo que está em grande transformação. Com as novas mídias, Ride diz que a aceleração é um elemento decisivo, que leva em consideração o momento de criação de uma obra artística junto da velocidade que a acompanha, motivada pela tecnologia. Ele criticou o determinismo da tecnologia _”muito se fala sobre qual software ou modelo de laptop é usado em tal coisa” e lembrou de como a conservação e a exibição dentro dos museus tem de mudar. “A inovação é uma prática crítica”, afirmou ele.

 

Já Beiguelman quis problematizar as novas formas de memorização. Em sua palestra, ela destacou que hoje “prevalece a arquitetura do esquecimento”, exemplificando casos de como a tecnologia pode gerar problemas ao deixar arquivos obsoletos _ela lembrou do disquete em formato “floppy disk”, que hoje está fora da circulação comum. “Meu medo é que tenha de se criar palácios monstruosos para que se consigam ler arquivos, com dispositivos de memorização próprios.” Beiguelman também frisou como a organização do computador ainda se guia por parâmetros de classificação ainda convencionais (pastas, subpastas, protocolos etc.).

 

Araujo, como diretor de um dos museus de maior visitação no Brasil, enfatizou a necessidade de novos parâmetros para construir o museu do futuro. Lembrando de sua origem iluminista e frisando em como tais instituições têm de levar em conta a questão do patrimônio (até imaterial) e de sua conservação e veiculação, o museu, para Araujo, deve guardar a relação do público com uma obra de arte em um espaço físico real que deve estar imune ao “consumismo desenfreado”. “Há ameaças na própria conservação de obras ou de um mercado reificador, que atribui um maior valor a obras ‘originais’”, avaliou ele, que se aproxima da visão de Suely Rolnik na sua curadoria da mostra “Lygia Clark - Do Objeto ao Acontecimento”, exibida na Pinacoteca e no Museu de Belas Artes de Nantes, em fomentar poéticas contemporâneas incorporando o receptor como parte decisiva de uma exposição, minimizando a reprodução de documentação de época e de depoimentos ou aparições ‘originais’ de trabalhos e ações.

 

Já na fase dos debates, o conceito de salvaguarda e de uma “sociedade overmidiática” (segundo Beiguelman), foi discutido, tendo sido colocada em xeque a idéia de excesso de informação. “Acho que não há excesso de informação. Há uma quantidade muito grande de informação”, disse Ride, destacando que deve ser levado em conta o acesso a tudo isso. Para Araujo, a questão central em todos esses processos é o tempo na relação com a informação, “em que não há um tempo para a sedimentação das experiências”.